segunda-feira, 1 de fevereiro de 2016

Vieira Neto: essencialmente artista de teatro



Publicado originalmente no site Osmário Santos, 26/06/2005.

Vieira Neto: essencialmente artista de teatro.
Por Osmário Santos.

13 livros publicados, passagens pelo teatro em vários estados e pelo jornalismo cultural.

José Vieira Neto nasceu a 19 de abril de 1946, na cidade de Estância/Sergipe. Seus pais: João Vieira de Souza e Inês Araújo.

O pai foi funcionário público municipal, hoje aposentado. Dele, o filho diz que herdou o caráter. “Um homem íntegro acima de tudo, de uma moral ilibada, coisa rara hoje em dia. Mantém essa postura até hoje, com 80 e tantos anos”.

Fisicamente tem muito de sua mãe. “Era bem clara, cabelos lisos e o meu pai é afro-descendente”. Como seus pais se separam quando ele estava com seis anos de idade, dela tem poucas lembranças.

Foi criado em Estância pelas tias Ana e Zefinha. “Elas me educaram, me influenciaram muito na minha maneira de ser”. Para ajudar nas despesas da casa, já que as duas tias eram pobres, aos nove anos começa a trabalhar na Panificação Nossa de Fátima, do senhor Zezinho.

Estudando em casa com as tias, aprendeu a ler e a escrever e muito mais, pois aos 12 anos ingressa na Escola Técnica de Comércio de Estância, depois de enfrentar exame de admissão. “Nunca tive o privilégio de estudar pelo dia”.

Embora menino, o primeiro trabalho foi encarado com seriedade e muita responsabilidade. “Eu fazia tudo na padaria. O senhor Zezinho já estava com idade avançada, por isso eu administrava os padeiros, abria e fechava a padaria, além de vender no balcão e transportar pão para um abrigo que ele tinha na praça da Matriz. Até aprendi a fazer pão”.

Sempre energético e criativo, passou a ganhar mais um dinheiro depois que armou um circo no quintal da sua casa. “O quintal era enorme e eu criei esse circo, onde fazia de tudo. Era o Palhaço Quiabo, pois eu plantava quiabo pra vender na feira e daí o nome. Também fazia a rumbeira, a malabarista e, na parte de teatro, eu fazia vários papéis junto com as minhas primas. Isso foi na década de 50. O ingresso para entrar no circo era no valor de cinco centavos”.

Depois que saiu da padaria passou a se dedicar por completo ao circo. “Saía todos os finais da tarde com uma perna de pau, vestido de palhaço e com um megafone, imitação, e andava pelas ruas de Estância alegremente. Eu dizia: ‘Hoje tem espetáculo? Tem, sim senhor!’. A criançada atrás de mim também respondia. Perguntava: ‘Hoje tem marmelada? Tem, sim senhor (risos)’. Quando chegava em casa, o circo já estava cheio (mais risos)”. Conta ainda que quando aparecia um circo na cidade de Estância ficava direto em contato com os artistas e chegava a participar de espetáculos no picadeiro.

Ainda no tempo da adolescência escreveu para os jornais de Estância, a exemplo do Folha Trabalhista, e escreveu várias peças, muitas delas encenadas em seu circo de quintal. Para Vieira Neto, Estância é a melhor cidade do mundo e que só tem boas recordações da sua terra natal. “O Cine-Teatro Gonçalo Prado, que era dos melhores teatros do Nordeste nas devidas proporções, era com camarotes e por lá passaram várias companhias de teatro como Eva Todor, Procópio Ferreira, Virgínia Lane e tantas outras companhias, além de vários barítonos e cantores. Antes todos eles se apresentavam no Cine-Teatro Rio Branco em Aracaju e depois em Estância, que era a única cidade do interior sergipano que tinha condições de receber esses espetáculos pelo fato de ter um bom teatro. Recentemente fui homenageado pelo prefeito de Estância, Ivan Leite, com a Medalha do Mérito Cultural. Fiquei feliz da vida com a notícia de que o teatro está sendo restaurado e vai voltar às atividades de outrora”.

Com 14 anos de idade passa a morar em Aracaju na casa da tia carinhosamente chamada de Chiquinha, localizada na rua Simão Dias, no bairro Getúlio Vargas. Nos primeiros momentos na capital de Sergipe tem o prazer de conhecer o ator Oto Cornélio, funcionário dos Correios que morava em uma casa perto da sua na rua Simão Dias. “Ele criou um grupo de teatro já com remuneração, algo raro naquela época, chamado de Artistas Unidos de Aracaju. Cornélio fazia um teatro de repertório e me convidou para ser ator em seus espetáculos. Com ele fiz várias peças, como ‘Uma Janela para o Sol’, ‘Sogra bem Pintada’, ‘Morre um Gato na China’, que depois remontei como diretor. Desse tempo de convivência artística com Oto Cornélio só tenho maravilhosas lembranças. Era um trabalho gostoso. Não posso esquecer que foi aí que comecei a trabalhar como ator, justamente na minha cidade querida, Estância, no Cine-Teatro Gonçalo Prado”.

Depois de um bom tempo de residência em Aracaju volta aos estudos pela noite como aluno do Atheneu, já pensando em fazer o curso superior de teatro.

Faz teste para emprego na Varig e tem o prazer de ter pela primeira vez carteira profissional assinada. “Embora tivesse trabalhado na Rádio Difusora como locutor e com alguns programas, mas sem ganhar nada. Já em outra situação trabalhei na fase áurea da Rádio Cultura, depois passei pela Rádio Liberdade. Fui locutor da Cultura e tinha programa à noite que começava às 23h e terminava às 4 da manhã. Chamava-se Cultura na Madrugada. Na mesma emissora também fiz o Show da Cidade, que era uma audiência incrível. Eu levava os cantores da época, os poetas, como Amaral Cavalcante, Núbia Marques, Mara Rúbia e mais outros artistas”.

Com Valmir Sandes funda o Grupo Opinião de Espetáculos. “Foi uma fase áurea no teatro sergipano. O seu primeiro espetáculo foi Tia Gabi. O Grupo Opinião funcionava como uma escola de teatro”.

Já prestes a completar 18 anos deixa o trabalho de recepcionista da Varig em Aracaju pelo desejo de fazer o curso de teatro no Rio de Janeiro. “Cheguei lá, fiz o vestibular e fui aprovado no curso de teatro da Fundação Brasileira de Teatro, que funcionava no Teatro Lucinda de Morais, que era a diretora do teatro e do curso. Ela também tinha companhia de teatro que viajou pelo Brasil afora, inclusive Sergipe”.
Como não podia ficar sem trabalhar, depois de fazer teste começa a trabalhar como recepcionista da Varig no Rio de Janeiro, no guichê da empresa aérea no Aeroporto Santos Dumont. “Depois eu fiz um curso de comissário de bordo e comecei a trabalhar. Fui comissário da Varig só porque queria conhecer atores de teatro e artistas da televisão, tendo em vista que eles viajavam muito na ponte aérea Rio/São Paulo e até hoje assim acontece. Foi muito bom, embora tenha sido por pouco tempo. Conheci muitos artistas, deu chance de fazer algumas pontinhas e a trabalhar na linha de shows da Globo. No Rio de Janeiro, trabalhei no teatro com Bibi Ferreira, com Eva Todor, que é minha amiga até hoje”.
Quando estava na Globo, se entrosou com a Jurema Pena e Yomara Rodrigues, ambas atrizes baianas. “Na Globo não estava dando certo pra gente, pois na época a concepção da emissora era que o pessoal fora o eixo Rio/São Paulo era tudo amador. A gente tinha pouca chance. Para se ter uma idéia, uma atriz como Yomara estava sobrevivendo costurando pra fora. Diante disso, as duas atrizes resolveram voltar para a Bahia. Como criei uma grande amizade com elas, quando tomaram essa decisão estava presente, e fiz o mesmo, só que o meu destino foi Salvador, a fim de trabalhar no teatro com elas”.

Vieira Neto conta que no seu tempo na cidade do Rio de Janeiro trabalhou no jornal Tribuna da Imprensa.

Começa nova vida profissional na capital da Bahia, trabalhando como ator da companhia teatral de Jurema Pena, chamada de Companhia Baiana de Comédias, onde atuou por muito tempo. Também conquista espaço no jornalismo, fazendo críticas de teatro no famoso jornal A Tarde. “Trabalhei por muitos anos e além das críticas de teatro tive uma coluna chamada Salvador Show, mudada depois para Bahia Show”.
Ainda em Salvador cria a empresa Vieira Neto Produções. “Produzi dezenas de espetáculos, sempre com o apoio cultural da Fundação Cultural da Bahia e da prefeitura”.

Vieira Neto fixa residência na cidade de Porto Alegre e consegue trabalho como crítico de teatro do jornal Correio do Povo. “Foi na época do AI-5, de 68 pra 69, quando nós montamos em Salvador, no Teatro Castro Alves, a peça ‘Senhoritas’. Eu era produtor e ator. No dia da estréia, a polícia invadiu o teatro de metralhadora em punho e levou todo mundo em cana. Fui preso juntamente com os outros companheiros e fomos torturados. Quando fui solto, o jornal, em vez de me dar apoio, me demitiu. Tudo que eu tinha investi no espetáculo, pois era de fato uma super produção. Acreditava no seu sucesso. Sem ter como montar outro espetáculo e sem emprego, entrei em contato com Jairo Andrade, que era diretor do Teatro de Arena de Porto Alegre e ele disse que lá eu teria condições de sobreviver como ator de teatro. No Rio Grande do Sul fiz espetáculos com problemas de censura, não fomos presos, mas fomos agredidos pelo pessoal da Tradição Família e Propriedade (TFP), um grupo fascista que ainda existe e que em Porto Alegre, na época, apedrejou o teatro em que estávamos fazendo teatro. Tivemos de sair protegidos pela polícia”.

Também morou em São Paulo e na cidade de Blumenau, em Santa Catarina, trabalhando como ator e diretor de teatro e de shows. “Em Salvador dirigi o show de Raul Seixas na época, era Raúzito e seus Panteras. Também Morais Moreira trabalhou comigo. Ele foi diretor musical da primeira peça que dirigi como profissional, mesmo, em Salvador, no Teatro Santo Antônio, pertencente à Universidade Federal da Bahia. Também em Salvador dei aulas de teatro em vários colégios”.
Vindo passar férias em Aracaju, encontra Lenita, casa no civil no ano de 1981, em cerimônia oficializada pelo juiz Artêmio Barreto. Revela que a lua-de-mel aconteceu na cidade de Estância.

Como tinha casa própria e vasto campo de trabalho em Salvador no teatro, começa a vida a dois na Bahia. Não dura muito, pois a esposa não se adapta à cidade. “Tive que recomeçar tudo de novo, trabalhado com Pimentel no Jornal de Sergipe”.

Na imprensa sergipana, além do Jornal de Sergipe, trabalhou no JORNAL DA CIDADE em seus primeiros anos com Pimentel e Ivan Valença; no Diário de Aracaju, na época que era do Cabo Zé, e na Gazeta de Sergipe. Escreveu nos jornais alternativos Diário Brasileiro e Opinião e atualmente trabalha no Jornal do Dia. Em todos na editoria cultural.

Por quase três anos foi editor do Sergipe Notícias Primeira Edição, da TV Sergipe. “Muita gente passou por mim, como Márcio Lincoln e André Barros”.

Tem 13 livros publicados e o primeiro, ‘Tancredo, Espírito e Vida’, ensaio, aconteceu há 20 anos. O último, ‘Teatro Quase Integral - Volume 1’, foi lançado recentemente e está nas livrarias, inclusive na Banca do Zito, no Mercado Antônio Franco. Continua a fazer teatro e a última peça que montou foi em parceria com César Macieira, uma comédia que satirizava a imprensa sergipana. “Imprensa que eu gosto”.

Diz que recebeu inúmeros troféus, a ponto de não ter mais onde guardar. “Lenita reclama porque ela diz: dinheiro que é bom não entra nessa casa. Só entra troféus. Se os troféus fossem de ouro e de prata, quando a gente está em situação difícil, e isso acontece sempre rotineiramente, a gente tinha condições de fazer a penhora na Caixa Econômica e daria paras resolver a situação (risos). Aí ela diz: no dia que eu me arretar eu pego isso e coloco tudo no lixo”.

Faz questão de dizer que sempre está disponível para o teatro e recebe convite para o trabalho. Do resumo da sua vida diz: “O artista sempre. Já acreditei muito da reencarnação e hoje tenho as minhas dúvidas, mas se me pergunta o que desejaria ser quando reencarnar, responderia: artista sempre, artista, artista sempre...”.

Texto reproduzido do site: usuarioweb.infonet.com.br/~osmario
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Imagem para ilustração de artigo, postada
pelo Grupo do Facebook/MTéSERGIPE.
Foto: Cléverton Ribeiro/Portal Infonet.

Postagem originária do Facebook/GrupoMTéSERGIPE, de 30 de janeiro de 2016.

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