quinta-feira, 29 de janeiro de 2015

Uma Caixa de Sapatos


Publicado originalmente no Facebook/Petrônio Gomes, em 22/01/2015.

Uma Caixa de Sapatos.
Por Petrônio Gomes.

Outros colégios, administrados por religiosas, também existiram em Aracaju, mas o Colégio Nossa Senhora de Lourdes ficou conhecido, por excelência, como o “Colégio das Freiras”. Não vingou, por exemplo, o nome de Deusdedith Fontes para o Beco do Açúcar. Outras gerações virão, e somente o tempo, o formidável tirano, tem o poder de transformar os costumes.

Aterrorizado, fui conduzido para a sala onde deveria passar meus primeiros tempos de convivência com a vida estudantil. Que me dizem as lembranças hoje, depois de tantos anos? Não me recordo de nossa sala de aula. Vejo-me recolhido a um canto, intimidado, observando o vozerio das moças, que, no final de contas, constituíam o corpo discente do colégio. Olhavam-nos maternalmente, encasteladas na importância dos seus treze ou quinze anos.

Vejo-me, também, segurando uma bandeira, com a maior compenetração deste mundo, nas vizinhanças do altar mor, durante uma missa festiva. Recordo a entrada das freiras, que emergiam de um corredor misterioso, contritas, no mês das ladainhas. E, particularmente, de uma delas, chamada Irmã Luzia. Porque ela era a encarregada de nossa sala. Nós, os únicos varões que estudavam no colégio, ou que aprendiam como se deveria estudar. Era, na verdade, um curso infantil, que Irmã Luzia estava encarregada de dirigir.

A recordação seguinte, a mais forte, tem relação com uma festa em que tomei parte, vestido de caipira, tangendo a esmo as cordas de uma pequena viola, comprada com carinho no Mercado. Fomos aplaudidos e descemos do palco, certos de que festa não tinha mais graça, dali por diante...

Depois, já grisalho, voltei ao Colégio. Fui recebido pela superiora, que me acolheu ternamente. Conduziu-me através do mesmo corredor misterioso, uma simples via de acesso ao refeitório das religiosas. Como se esfumam as imagens da infância! Depois, desci as escadas que conduzem ao pátio interno, e, não sei por que razão, segui em frente, em direção a uma pequena sala, quase que isolada das demais. Na soleira da porta, a brindar-me com seu mais doce sorriso, vi Irmã Luzia. O que faltava no fio das minhas recordações, ela completou, unindo velhas cadeias dispersas. Contou-me quantos éramos, e alguns nomes ressoaram, subitamente, em minha memória: Lupicínio, Wanderley, José Amilcar, Walter...

Momentos mais tarde, Irmã Luzia procurava qualquer coisa em um velho armário. Volta com uma caixa de sapatos, cuidadosamente amarrada, como quem guarda um tesouro. Abriu-a, carinhosamente. E suas mãos, as mesmas que afagaram nossos cabelos em criança, começaram a tirar nossas velhas fotografias, uma por uma. Retratos antigos, empalidecidos pelos anos, mas tão queridos!

Com orgulho maternal, exibiu-me as imagens de cidadãos empertigados de hoje, de gente que nunca mais voltou a Aracaju e até de gente que já se fora deste mundo. Cofre de recordações preciosas, furtadas à ação do tempo, estreitadas contra o peito, com ciúmes de tudo e de todos. Amarrou, novamente, a velha caixa de sapatos, depois olhou-me, com seus belos e grandes olhos de mãe, e nos abraçamos.

Há momentos em que não podemos articular uma só palavra. Aquele foi um deles. Ela deve ter sentido a presença de algumas lágrimas que não consegui reter.
É bom saber, na idade madura, que ainda moramos numa caixa de sapatos...

Texto e imagem reproduzidos da página do Facebook/Petrônio Gomes.

Postagem originária da página do Facebook/MTéSERGIPE, de 27 de janeiro de 2015.

segunda-feira, 26 de janeiro de 2015

Instituto Histórico e Geográfico de Sergipe


Registro para arquivo: Evento no IHGSE em 2014.

O IHGSE e o Congresso Sergipano de História (28/10/2014).

Magno Francisco de Jesus Santos. 
Editor da Revista do IHGSE e Doutorando em História – UFF. E-mail: magnohistória@gmail.com

O IHGSE e o Congresso Sergipano de História.

Fundado nos idos de 1912, o Instituto Histórico e Geográfico de Sergipe desde os primeiros momentos teve como um dos seus principais propósitos o fomento e a difusão da pesquisa histórica estadual. A instituição que ficaria conhecida entre seus conterrâneos como a “Casa de Sergipe”, ao longo de sua primeira centúria honrou esse pomposo distintivo, ao se tornar o abrigo dos intelectuais preocupados em interpretar o passado de seu torrão natal. Como determinava o capítulo 3º do seu estatuto, os fins do sodalício eram "promover o estudo, animar o desenvolvimento intelectual e cívico do povo sergipano, o conhecimento da geografia e da história em todos os seus ramos e aplicações à vida social" (DÓRIA, 1962, p. 4).

Ao partir desses princípios, a “Casa de Sergipe” contribuiu para a edificação da pesquisa história em todas as fases. Primeiramente, ao agregar os intelectuais preocupados com o estudo do passado local. A trajetória centenária dessa Casa é permeada pela presença e pelos embates de alguns dos principais nomes da historiografia sergipana. É Casa da escrita da história. Como bem salientou Freire Ribeiro, "este Instituto é o trôno, o abrigo, a canção e o poema, dos grandes sergipanos que aqui encontraram a eternidade merecida!"

Nesse abrigo, os historiadores da terra puderam encontrar o esteio para tornar possível a investigação sobre o passado sergipano. O IHGSE é o lugar da memória na acepção de Pierre Nora. É o lugar da memória sergipana, no qual é possível encontrar a matéria-prima das inquietudes historiográficas, as fontes para a construção do conhecimento acerca do passado, ou como elucidou Marc Bloch, as "pistas de uma evocação ao conhecimento indireto do passado” (BLOCH, 2001, p. 69). O IHGSE abriga alguns dos mais importantes documentos do passado sergipano em diferentes âmbitos. São registros valiosos e muitos ainda desconhecidos pelos pesquisadores. De acordo com as palavras proferidas nos idos dos anos 80 pela professora Beatriz Góis Dantas, são as "preciosidades da Casa de Sergipe". São preciosidades que reavivam a pesquisa e renovam o olhar sobre o passado local.

Outro campo de ação do Instituto Histórico e Geográfico de Sergipe na promoção da pesquisa histórica ocorreu com a publicação de sua revista. Criada em 1913, a Revista do IHGSE é o principal periódico da área de história no estado e ao longo do tempo tornou-se um relicário de alguns dos textos basilares da historiografia sergipana, ao publicar a produção de intelectuais como Carvalho Lima Júnior, Manoel dos Passos de Oliveira Telles, José Calasans, Maria Thetis Nunes, Ibarê Dantas e Terezinha Oliva.

Contudo, o fomento à investigação histórica no estado não estaria completa sem a promoção de um evento acadêmico. Pensando nisso, o então jovem pesquisador das coisas passadas de Sergipe, José Calasans, intencionou organizar o I Congresso Sergipano de História em maio de 1943. Após longas discussões de planejamento, divulgação na imprensa e reflexão sobre a extensa programação, o evento foi adiado e, posteriormente, cancelado. O sonho de Calasans adormecia, para somente ser retomado em 2008, na prolífera gestão de Ibarê Dantas.

Assim, finalmente em 2008 era realizado o I Congresso Sergipano de História, concretizado a partir de uma frutífera parceria entre o IHGSE e a ANPUH-SE. O evento foi marcado pela articulação entre diferentes instituições científicas e culturais, revelando uma das características centrais do IHGSE e da ANPUH/SE em construir o enlace entre pesquisadores e professores de História no estado.

Nesse ano, seguindo as recomendações da ANPUH Nacional, o IV Congresso Sergipano de História e Encontro Estadual de História da APUNH/SE, tem como tema o cinqüentenário do Golpe de 1964. Trata-se de um momento oportuno para debater, problematizar e engajar-se na compreensão acerca da trama da memória sobre a ditadura civil-militar no país. Nessa nova edição, os números do evento mostram a sua consolidação. Ao todo, são quase quinhentos inscritos, com 24 propostas de simpósios temáticos e 191 comunicações aprovadas.

Assim, o IV Congresso Sergipano de História mostra-se produtivo, permeado de discussões que contribuem para a consolidação da pesquisa histórica. Sejam bem vindos a Casa de Sergipe!

Fonte: site ihgse.org.br

Postagem originária da página do Facebook/MTéSERGIPE, de 25 de janeiro de 2015.

D.Luciano Cabral Duarte e sua atuação no Campo Educacional


"No Jornal da Cidade de 24/01/2015, artigo de Anamaria Gonçalves Bueno de Freitas (DED e NPGED/UFS) sobre a atuação do arcebispo emérito de Aracaju, Dom Luciano José Cabral Duarte, no campo educacional". (Samuel Albuquerque).
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Dom Luciano Cabral Duarte e sua atuação no Campo Educacional.
Por Anamaria Gonçalves Bueno de Freitas.

A celebração dos 90 anos de Dom Luciano Cabral Duarte foi a inspiração inicial para refletir sobre algumas das ações desse importante pastor no campo educacional, não apenas em terras sergipanas, mas também além fronteiras. Assim, tomei a liberdade de escolher alguns fatos de sua biografia relacionados com a temática.

A atuação de Dom Luciano Cabral Duarte como docente do ensino superior (na antiga Faculdade Católica de Filosofia, desde sua fundação em 1951, na Faculdade de Serviço Social, a partir de 1954, e no início da Universidade Federal de Sergipe) está registrada na memória de seus ex-alunos e ex-colegas de trabalho. O magnetismo que exercia na sala de aula é lembrado por muitos. Entre outras qualidades marcantes estão o domínio da oratória, a erudição, a organização, a disciplina, a atualização e a competência didática.

A docência, no entanto, não foi o único espaço ocupado por Dom Luciano no campo educacional. Ele também foi membro do Conselho Estadual de Educação em Sergipe, nomeado em 1963, quando assumiu a liderança da Câmara do Ensino Superior e da comissão de trabalho que trabalhou em função da criação da Universidade Federal de Sergipe. No Conselho Federal em Educação exerceu três mandatos, entre 1968 e 1986, período no qual produziu pareceres e reflexões que ainda hoje são referência para o debate educacional.

Sua atuação na imprensa – quer seja no jornal católico “A Cruzada”, que entre 1949 e 1954 contou com a sua direção e colaboração como colunista, quer seja em períodos posteriores, em outros jornais e revistas, que circularam na Bahia, em São Paulo e no Rio de Janeiro – enfrentou polêmicas e críticas na defesa de seus princípios e ideais. Podemos identificar também um esforço educativo na difusão do catolicismo.
Em 2008, o Prof. Dr. Jorge Carvalho do Nascimento e eu organizamos, a pedido da presidência do Instituto Dom Luciano Duarte, um livro intitulado “Escritos sobre Educação e outros temas”. Trata-se da seleção de alguns textos de autoria de Dom Luciano, publicados em diferentes veículos e suportes que versavam sobre a temática educativa. A intenção primeira da obra era disponibilizar para leitores e pesquisadores registros que pudessem estimular a leitura, o debate e a investigação da produção intelectual do autor.

Como lembrou o Prof. Dr. Edmilson Menezes na apresentação do livro: “pensamento coerente é sempre um estímulo àqueles que não renunciaram à prática da autonomia”. Esta é uma das características que perpassa discursos, conferências, aulas inaugurais e pareceres recolhidos, juntamente com o estímulo ao debate, a persistência na defesa das ideias e o aprofundamento da reflexão. Composto por onze capítulos, a referida obra abrange o recorte temporal de 1953 a 1986. Destaco, a seguir, três deles.

Em março de 1953, Dom Luciano proferiu a aula inaugural da Faculdade Católica de Filosofia de Sergipe, destacando a importância da instituição para o estado. Como afirmou Dom Luciano: “de par com os conhecimentos científicos, juntamente com as pesquisas técnicas, nós daremos aos nossos alunos a formação espiritual de suas almas, o modelamento cristão de seus corações.”

Na Sessão de Encerramento da VII Assembleia Geral da Associação de Educadores Católicos do Brasil, em julho de 1971, para uma plateia de 1.200 participantes, ele tratou da problemática da escola católica e da responsabilidade e fidelidade do educador cristão, e reafirmou a necessidade: “[...] de uma escola católica presente ao destino dos homens, uma escola católica para a alfabetização dos adultos, para a promoção dos pobres, para a formação cristã de todas as classes.”

Em Tóquio, em agosto de 1972, ele proferiu a conferência intitulada “ Educação de adultos: fator de desenvolvimento social, o trabalho do Movimento de Educação de Base e o desenvolvimento social”, no Congresso de Educação de Adultos, promovido pela UNESCO. Neste estudo ele retomou aspectos significativos da relação entre alfabetização e desenvolvimento, bem como apresentou resultados positivos da atuação do Movimento de Educação de Base (MEB), em diversas frentes de ação, entre elas: nas escolas radiofônicas e nos processos de escolarização direta. Dom Luciano fez questão de salientar, nesta oportunidade, a missão do movimento: “[...] para o MEB, educar é conscientizar o homem de seus valores, daí decorrendo dois efeitos primordiais: a) a luta pela superação dos obstáculos à promoção social, cultural e econômica do homem marginalizado; b) a possibilidade de o homem tornar-se sujeito agente de seu destino histórico”.

Nestes breves comentários temos uma amostra da contribuição intelectual de Dom Luciano Cabral Duarte no campo educacional e de sua ação/reflexão inteligente, rigorosa, erudita, corajosa, engajada e educativa.

Texto reproduzido aqui do Facebook/Samuel Albuquerque

Postagem originária da página do Facebook/MTéSERGIPE, de 25 de janeiro de 2015.

terça-feira, 20 de janeiro de 2015

Calçadão da Praia Formosa, Bairro 13 de Julho, em Aracaju


Calçadão da Praia Formosa, Bairro 13 de Julho, em Aracaju/SE.
Fotos: Ascom PMA.
Imagens reproduzida do site: f5news.com.br

Postagem originária da página do Facebook/MTéSERGIPE, de 20 de janeiro de 2015.

Estátua de Bronze de Zé Peixe

Espaço Zé Peixe, Avenida Rio Branco, em Aracaju/SE.
Fonte: Agência Sergipe de Notícias
Fotos: Marcelle Cristine/ASN.
Reproduzidas do site: f5news.com.br

Postagem originária da página do Facebook/MTéSERGIPE, de 20 de janeiro de 2015.

Espaço Zé Peixe



Espaço Zé Peixe, Avenida Rio Branco, em Aracaju/SE.
Fonte: Agência Sergipe de Notícias
Fotos: Marcelle Cristine/ASN.
Reproduzidas do site: f5news.com.br

Postagem originária da página do Facebook/MTéSERGIPE, de 19 de janeiro de 2015.

19 de janeiro - Arnaldo Rolemberg Garcez - 104 anos





19 de janeiro - Uma data especial: Arnaldo Rolemberg Garcez completaria hoje 104 anos!
Nada melhor para lembrá-la do que compartilhando uma das grandes obras do seu governo - O CONJUNTO AGAMENON MAGALHÃES. 1º conjunto habitacional do estado e um dos primeiros do Brasil.

Postagem originária da página do Facebook/MTéSERGIPE, dia 19 de janeiro de 2015.

Os Reis do iê iê iê Sergipano! Parte 1


Postagem originária da página do Facebook/MTéSERGIPE, de 19 de janeiro de 2015.

Os Reis do iê iê iê sergipano! Parte 2


Postagem originária da página do Facebook/MTéSERGIPE, de 19 de janeiro de 2015.

segunda-feira, 19 de janeiro de 2015

O Colégio da Saudade



Publicado originalmente no Facebook/Fan Page/Petrônio Gomes.

O Colégio da Saudade.
Por Petrônio Gomes.

O breve lance de degraus ainda existe, quase como outrora. Não sofreu o desgaste que se vê, por exemplo, nas escadas das repartições públicas. Dir-se-ia que estas vivem a receber os passos desiludidos e morosos dos adultos, enquanto que os degraus de um colégio, por outro lado, sentem o toque fugaz dos pés da gente moça, que os vence em salteado, ao compasso do entusiasmo dos seus corações.

Entre o portão de ferro e a ligeira escada, havia uma guarita onde Mário, o porteiro, vivia a cantarolar trechos de canções populares.

Queira o gentil leitor aceitar um convite, o de conhecer o Colégio Tobias Barreto dos anos quarenta, levado pelas mais gratas recordações deste cicerone, outra vez criança. Será uma visita que faremos contra o tempo, no sentido contrário aos ponteiros do relógio, pois pretendo revivê-lo em seus dias de glória.

Faltam mais de vinte anos para Aracaju conhecer o asfalto. Suas ruas principais são cobertas de paralelepípedos e singradas por trilhos de bondes. E nós, que já saboreamos o cuscuz e a macaxeira, devemos seguir para o Colégio, na rua Pacatuba, a dois passos da mais simpática praça da cidade, a Praça Camerino. Entremos.

Depois de vencidos os degraus falados, eis-nos à frente do primeiro salão, destinado à turma dos veteranos, aos alunos da quarta série ginasial. Por uma curiosa coincidência, eles ficam mais próximos da saída, pois já cumpriram todas as etapas. Nesta sala, cercada de janelas, também mora nossa inveja, das regalias que ela encerra, das aulas “adiantadas”, da conversa informal entre mestres e alunos, enfim, de um adeus que se avizinha. Sempre existem assistentes debruçados nessas janelas, principalmente durante as aulas de História da Civilização, quando o Professor Arthur Fortes, de cravo na lapela, levanta-se da cátedra para uma de suas famosas dissertações.

Circundando o corpo do prédio, há uma varanda. Se tomarmos a esquerda e fizermos a volta, iremos encontrar o segundo salão, o mais antipático e o mais sombrio. É o maior, aliás, do Colégio, mas fica junto à Secretaria, onde moram os olhos e os ouvidos do rei. Aí estão nossas fichas, para aí vão as cadernetas de frequência e as notas de todos. Um chamado à Secretaria é sempre prenúncio de sérios dissabores.

A meio caminho, novo lance de degraus nos convida ao campo de Educação Física, ao refeitório, e ao extenso pátio que terminará às portas do salão dos fundos da parte térrea, onde funciona o “Curso Médio”. É sempre o mais repleto, pois constitui a fronteira entre duas etapas, a do curso primário e a do ginasial. Ali está o Professor Barreto Fontes, magro, alto e severo. Auxilia-o a Professora Briolanja, cujos olhos cobrem a classe inteira.

Perto desse salão, quase contíguo à parede do refeitório, existe um pequeno galpão onde se acha instalada uma carpintaria. Aqui é feita a restauração das inúmeras carteiras, aqui são confeccionados os quadros-negros. Um cheiro gostoso de verniz exala desse galpão, onde meia dúzia de garotos, em qualquer hora do dia, poderá ser encontrada. De cócoras, enquanto merendam, eles assistem ao trabalho do marceneiro.

E o que faz este homem nas horas vagas? Réguas! Magníficas réguas envernizadas, às dezenas. São encomendas expressas do Professor Zezinho, o titular e a alma do Colégio. A régua é a arma com que ele impõe a disciplina em seu pequenino império, quebrando-as, também às dezenas, contra os costados dos “capadócios”, como ele próprio costuma chamar os recalcitrantes.

Voltemos por onde viemos, isto é, tornemos a subir os poucos degraus da segunda escada. Deixando o salão do meio, o sombrio, alcancemos a esquina em que morrerá esta parte da varanda. Aqui, também abrigado por uma guarita, pende o velho sino do Colégio Tobias Barreto, um pequeno cálice de bronze que marca o início e o término de nossas aulas. É também Mário, o porteiro, quem o tange, duas pancadas sonoras e austeras, muito mais didáticas do que as insuportáveis sirenes de agora, que mais se assemelham a ordens de fábrica, estridentes e bruscas.

Junto ao sino, o terceiro salão, de todos o mais alegre, o mais febril, o mais romântico. Ele acolhe os alunos da primeira e segunda séries, e suas janelas se abrem para o recreio feminino. É aqui onde se namora fingindo estudar, onde os olhares se dividem entre o professor e um rosto primaveril, que, em breve passagem pelas janelas, consegue quebrar cada assunto. É aqui onde os bilhetes correm, de carteira em carteira, levando recados ou cópias de sonetos, muito mais agradáveis do que as equações de segundo grau marteladas pelo professor. Existe até uma funcionária carrancuda para tentar conter as irradiações românticas que emanam do recreio feminino.

Paremos aqui, novamente debruçados no parapeito da varanda, junto ao sino. Lá na frente, no campo, está um toco de velha mangueira. Sobre ele, todas as tardes, o Professor Cornélio Monteiro lê o boletim do colégio, um modelo do boletim de todos os quartéis. Como assim? É que nosso Colégio funciona sob pleno rigor militar. Nosso uniforme tem seis botões para fechá-lo, de cima abaixo, mais um em cada bolso, que são quatro. Todos esses botões são presos por pequenas argolas de metal, cabendo-nos o cuidado de trazer sempre algumas dessas argolas para uma possível substituição. Porque a falta de um botão é considerada infração regulamentar! Desde cabo a coronel, com divisas e galões competentes, também existe no Colégio. Os “oficiais” são escolhidos entre os primeiros alunos de cada turma, as promoções fazem parte do boletim, como também as punições.

No dia Sete de Setembro, sem dúvida alguma, somos os campeões da parada estudantil. A banda marcial do Vigésimo Batalhão de Caçadores, todos os anos, puxa nosso Colégio. Somos mil e duzentos, meu amigo, no ano da graça de mil novecentos e quarenta e dois! Nossas colegas, de saias verdes plissadas e mãos enluvadas, desfilarão entre o Curso Ginasial e o Curso Primário, constituindo, assim, uma magnífica mudança de tom para as vistas. E com que orgulho cruzamos a Praça Fausto Cardoso, ao rufar dos tambores! Ali, no centro da Praça, um pequenino canhão, de propriedade do Colégio, dá uma salva de tiros à nossa passagem. Tudo planejado e executado pelo velho Professor José de Alencar Cardoso. Ali vem ele...

Baixo e corpulento, impecavelmente vestido, ele se assemelha a um daqueles “lords” escolhidos pela Rainha para manter a ordem em uma colônia de além mar. Seu caminhar é compassado, traz as mãos cruzadas às costas, e uma dessas mãos segura a infalível régua de cedro envernizada. Está, neste momento, passando em revista o seu Colégio, visitando cada dependência, catando vadios, inspecionando os professores. O “major subcomandante” é o seu ajudante de ordens, que lhe segue, dois passos à retaguarda, tudo no bom estilo...

Um dos castigos mais temidos é a banca aos domingos. Estamos em uma época muito mais austera, quando o domingo é o único dia de folga, lembremo-nos! Pois bem, a “banca” consiste em uma revisão da matéria, nas respectivas salas de aula, durante a manhã inteira. E, pela tarde, sob o sol causticante desta cidade, os infratores devem comparecer, devidamente uniformizados, para cumprir quatro horas de pé, no campo de Educação Física...
Quero terminar esta crônica do Colégio da Saudade com a narrativa de um castigo que sofri, embora na condição de primário.

Estamos, cerca de vinte alunos, de pé, fardados e molhados de suor. São quase três horas da tarde. Quase todos nós pensamos na matinée do Rio Branco ou do Guarany, mas é proibido falar, inclusive.

Aproxima-se de nós o Professor Zezinho, calmamente, pois ele também essas penalidades costuma cumprir. Vejo que não traz a temida régua, mas continua envergando seu temo completo, com colete e tudo. Um suave perfume escapa do seu lenço de linho na algibeira. Nesse bolso, vejo a miniatura de uma espada, dentro de uma bainha, em ouro, um objeto que me fascinava.

Diante de cada um de nós, o velho mestre para e nos fala, quase ao ouvido. Pergunta-nos se não estamos arrependidos, pede-nos que nos lembremos do esforço dos nossos pais e nos diz que não temos o direito de ser desonestos para com eles. E tenta arrancar de todos nós a promessa de nos tornarmos homens...

Não sei o que aconteceu aos demais colegas naquela tarde. Quanto a mim, senti um bloqueio na garganta e lutei para conter uma lágrima, apertando os olhos, sem querer baixar a cabeça. Mas, quando o Professor Zezinho colocou a mão no meu ombro, deixei que ela me molhasse o rosto.

Hoje, a varanda do meu gabinete de trabalho dá para o pátio do meu colégio, agora quase totalmente reformado. Mas parece-me ver ainda a figura do velho mestre a percorrer seus sagrados domínios, secundado por seu ajudante de ordens, incitando ao dever alunos e professores, premiando, punindo, e, sobretudo, amando...

Texto e imagem reproduzidos do Facebook/Petrônio Gomes.

Postagem originária da página do Facebook/MTéSERGIPE, de 17 de janeiro de 2015.

domingo, 18 de janeiro de 2015

Lilian Rocha revive em livro história de amor dos pais



Fotos: Portal Infonet.

Infonet - Cultura - Noticias - 16/01/2015.

Lilian Rocha revive em livro história de amor dos pais.

Livro é intitulado "Para sempre seu... ...Da sempre sua”

A escritora Lilian Rocha transformou o começo da história de amor dos seus pais, Petrônio Gomes e Mara Gomes, em um livro. Envolvida pelos relatos contidos nas cartas trocadas pel casal durante a adolescência e a parte da vida adulta, a autora criou a obra "Para sempre seu... ...Da sempre sua”.
Lilian conta que os pais se conheceram no Colégio Estadual Tobias Barreto, mas se afastaram durante o ensino médio, voltando a se encontrar alguns anos depois. O namoro superou a distância e resistiu até o casamento.

“Ele viajou para o Rio de Janeiro e ela foi morar em Salvador. Alguns anos depois, ela foi ao Rio e eles se encontraram. O namoro reacendeu e eles começaram uma intensa troca de correspondências, já que ela voltou para Salvador. Eles trocaram correspondências por três anos, se viam duas vezes ao ano. Noivaram e depois se casaram no Rio de Janeiro”, conta.

A escritora conta que conhecia a história de vida dos pais, mas não sabia da existência das cartas. “Eu não sabia que as cartas estavam preservadas. Quando li, fiquei apaixonada pela história, porque é uma coisa envolvente. Meu pai com apenas 20 anos, já demonstrava que tinha um estilo envolvente e apaixonante de escrever”, destaca.

“É tudo em tempo real, como se eles estivesse narrando tudo sobre o tempo em que eram jovens e moravam na casa dos pais, sobre o dia a dia deles. É como voltar ao passado e espionar a vida dos meus pais", comenta.

Para Lilian, o nome da obra, representa toda a história do casal. “É um nome que explica tudo. É como se fosse a despedida deles. Eles às vezes faziam isso. É uma coisa eternizada, eles estão um para o outro desde 1943”.

Contribuição.

De acordo com Lilian, a história de vida dos seus pais representada em um livro significa um presente para a família e também uma importante contribuição histórica. “Esses relatos tem um valor histórico e literário fantásticos. São coisas muito antigas, fatos históricos vividos por eles, como o quarto centenário de Salvador que minha mãe assistiu, e o atentado ao general Mark Clark que meu pai viu de perto”, relembra.

Petrônio e Mara tem 86 anos da idade e estão casados há 64 anos. O casal tem seis filhos, 17 netos e três bisnetos.

Por Verlane Estácio.

Texto e imagem reproduzidos do site: infonet.com.br/cultura

Postagem originária da página do Facebook/MTéSERGIPE, de 17 de janeiro de 2015.

terça-feira, 13 de janeiro de 2015

Poeta Santo Souza, arrodeado de amigos jornalistas

Antigo registro fotográfico, ano de 1990.
Nela estão: Jackson da Silva Lima, José Carlos Teixeira, Santo Souza, 
Gilson Souza, Jeová Santana e Célio Nunes.
Foto: Arquivo Gilson Souza.
Reproduzida do blog: gilsonsousaaracaju.blogspot.com.br

Postagem originária da página do Facebook/MTéSERGIPE, de 8 de janeiro de 2015.

Conjunto The Top's, com Pascoal Maynard


"Origem do The Top's:
Contra baixo - Zé Paulo
Guitarra solo - Alberto Neri
Guitarra base - Marcos Fontes
Bateria - Pascoal Maynard”. (Sandra Fontes).

“É verdade... nossa primeira apresentação em público...no baixo,Zé Paulo; Guitarra Solo, Nery (in memoriam); Guitarra Base, Marcos Fontes. Meus primeiros companheiros!” (Pascoal Maynard).


Postagem originiária da página do Facebook/MTéSERGIPE, de 10 de janeiro de 2015.

quarta-feira, 7 de janeiro de 2015

Morre a Professora Glorita Portugal


“Aos 92 anos, a Professora Glorita Portugal foi chamada para os reinos do céu. A educação do Estado de Sergipe perde uma das suas maiores educadoras. Ex-Diretora e Professora do Colégio Estadual Atheneu Sergipense, Professora Glorita deixa saudades eternas aos seus queridos alunos. Descanse em paz Professora...”.  (Wagney Aragão Souza).


Postagem originária da página do Facebook/MTéSERGIPE, de 4 de janeiro de 2015

Professor Portugal


Publicado originalmente na pág. Facebook/Petrônio Gomes, em 6/01/15.

Professor Portugal.
Por Petrônio Gomes.

Era um gigante. Impressionavam, logo à primeira vista, as proporções do seu físico incomum. Se usasse uma jaqueta azul-marinho e um boné sobre os raros cabelos, passaria por um irlandês de boa cepa, desses que ainda hoje encantam os garotos das docas de Liverpool, com suas intermináveis histórias dos sete mares. Não lhe faltava, inclusive, uma forte bengala, auxiliar fiel nas penosas caminhadas. Andando, evocava o balanço ordenado pelas ondas; falando, era o começo de um trovejar distante. Estaria, finalmente, consumada a réplica de autêntico marujo aposentado, se fumasse, pelo menos, cachimbo. Mas, nem sequer fumava. Bebia cerveja, quantas houvesse, costumando "derrubar", um a um, certos desavisados companheiros. Era, quando sorria, um riso fugaz, a iluminar, por raros momentos, o grande rosto cor de fogo...

De quem estarei a falar, desta vez, novamente conduzido pelo fio insistente das minhas recordações de menino? De outro velho professor, de uma figura singular de Aracaju que já deve morar nos arquivos dos corações grisalhos. Seu nome era Francisco Araújo Portugal. Está aqui, diante dos meus olhos. Não tem o apuro da indumentária de um Arthur Fortes, de um Santos Melo. Pende-lhe, do pescoço tourino, uma gravata desbotada que se enrosca, peito abaixo, sem cerimônia. O próprio colarinho sugeriu-lhe a liberdade, ao ignorar a devida obediência ao botão tirano, tornando-se cúmplice do laço improvisado e mal feito. O paletó lhe escorre dos ombros, um bolso pesando mais do que o outro, dependendo dos objetos que o professor distribui, mistura heterogênea e personalíssima de apetrechos cuja finalidade poderá ou não apre-sentar-se.

Mãos enormes, possantes, quase sempre ocupadas. A esquerda abarca, às vezes, uma grossa gramática e um livro da disciplina que lhe cabe ministrar no dia, francês, inglês ou espanhol, além de um caderno robusto no qual diversas anotações, insuspeitadas e misteriosas, residem. A mão direita, naturalmente, espalma o cabeçote da bengala.

Nos minutos de folga que antecediam as pancadas veementes do sino do meu Colégio, Portugal era o cidadão comum de todas as horas, o homem que nos olhava nos olhos, que trocava sua poltrona de direito, ao lado dos colegas do corpo docente, pelos bancos que circundavam as mangueiras, onde estávamos nós.

Vinha ao encontro da primavera da alma, vinha beber o riso dos moços, enquanto outros, empertigados na varanda, pareciam irradiar o terror surdo de que se vestiam as arguições finais.

Portugal fincava, então, a bengala no solo e sobre ela cruzava as mãos. Pousava os olhos ao redor, um toque de silêncio amoroso. Muitos se sentavam no chão para ouvi-lo, inclusive eu. Sua memória incrível, sua facilidade de saltar de um idioma para outro, nos prendiam. Éramos muito jovens quando a Segunda Guerra Mundial cobriu de nuvens escuras o mundo de todos os jovens.

Vejo agora como a Providência resguarda o horizonte da juventude, em todos os tempos. Apenas retalhos ouvidos, daqui e dali, conseguiram reter minha atenção naqueles anos sombrios. Nunca, em momento algum, tais retalhos se uniram para fundir o mosaico sobre o qual se deitam as preocupações dos adultos. Aracaju brincava de cidade ameaçada, de vez que era também criança. Tentou exercitar seus filhos na defesa contra os ataques aéreos. Como esquecer os singelos sacos de areia, empilhados no Parque Teófilo Dantas, fazendo de abrigo antiaéreo?

E o Professor Portugal nos falava, então, dos "Maquis", o famoso grupo da Resistência Francesa que não aceitou a rendição da pátria. "Maquis", explicou o velho mestre — vem de um capim alto, muito comum no norte da França, onde se escondiam os guerrilheiros.

"Peço-lhe que estude", disse, certa vez, Portugal, dirigindo-se a um colega nosso, vadio irremediável. "Peço-lhe que você queira estudar, porque o verbo querer não tem imperativo em língua alguma do mundo..."

Quando ocupava o seu lugar de honra, na cátedra, Portugal não admitia brincadeiras. Detestava, por exemplo, as perguntas ditadas pela falta de atenção. Numa aula de inglês, ao ler um trecho para um aluno que se encontrava diante do quadro negro, ouve a seguinte pergunta: "Escreve o ditado em inglês, professor?" Portugal atira-lhe um olhar gelado e responde: "Não, meu filho, escreva em árabe". A classe rebenta em gargalhadas. Portugal intercede: "Venha para o quadro o que riu mais alto". Aceitava o riso, detestava o deboche.

Fui seu aluno por duas vezes. A primeira, na idade justa de todos os alunos, a segunda pela saudade da idade justa. Não contente, passei a frequentar sua casa, na Praça Camerino, iludindo-me com a possibilidade de aprender alemão. Somente aos domingos, lembro-me, e não me custava um centavo sequer. Era o aperitivo intelectual do velho marinheiro, antes da cerveja dominical.

Estou na pequena sala da frente, abarrotada de livros, uma escrivaninha mergulhada entre estantes. Ouço uma voz feminina, no interior da casa, avisando: "Estão aí, professor". É a voz de d. Glorita, sua ex-aluna e esposa, que nunca deixou de chamá-lo "professor"...

Entra, na pequena sala, o gigante. Está bem mais velho, eu também. Levanto-me, respeitosamente, tal como o fazia quando menino, dentro da farda do colégio. Tento acompanhar pelo compêndio as complicações do idioma germânico. Já não o consigo. Enquanto ele fala, voa o meu pensamento. Estou a vê-lo, novamente, em direção a esta casa, onde me encontro. Um velho marujo, um querido professor, um homenzarrão sincero e bom, que navegou pelos sete mares da vida a bordo dos seus livros. Vejo a garotada febril, em debandada alegre, ao fim de um dia de aula, a gritar: "Fessô, fessô"! E ouço ainda sua resposta carinhosa: "Até amanhã, crianças loiras"...

(À memória do Professor Portugal e sua esposa, Glorita).

Texto e imagem reproduzidos do Facebook/Fan Page/Petrônio Gomes.

Postagem originária da página do Facebook/MTéSEERGIPE, de 6 de janeiro de 2015.