domingo, 31 de janeiro de 2016

Prof. João Costa: um formador de gerações



Publicado originalmente no site Lagarto Net, em 30 de janeiro de 2011.

Prof. João Costa: um formador de gerações
Por Rusel Barroso.

Do lado do Tejo, de Camões a Pessoa, o caminho é português; para além do Tejo, de Vieira a Guimarães, há a América e aqueles que mimam a sua língua com alento poético. O professor João Costa é um desses exemplos que se manterá vivo em nossa história. Teatrólogo, pesquisador, exímio mestre e infatigável cultor da Língua Portuguesa, de cujo nome não é fácil falar, contribuiu, ao longo dos anos, para a formação de gerações.

Muitos profissionais simplesmente passam; outros, da estirpe de João Costa, deveras iluminados, acompanham-nos no pensamento, com lições de vida que certos bens não podem pagar. Estes nos deixam um cabedal tão precioso e nos cativam de tal maneira, que os manter em nossa memória é um leniente que palavras são incapazes de traduzir.

Participar de suas aulas, na Universidade Federal de Sergipe, era muito mais que uma viagem através de histórias surpreendentes, a ilustrar com clareza, dinamismo e criatividade os aspectos inesgotáveis da língua, um verdadeiro mergulho no âmago do nosso vernáculo com uma velocidade e sutileza semelhantes ao voo de uma abelha voraz. O que era ensinado, a cada aula, enriquecia-nos muito além da vida profissional. Sua capacidade de guardar informações, com tamanha naturalidade, provocava invídia, até mesmo, a alguns estudiosos.

Sobremodo organizado no exercício da profissão, vale lembrar que João Costa, um dos mais envolventes mestres da FAFI, abria seu peito à paixão dos estudantes. Com fala bem posta, articulada e clara, estimulava os alunos com aulas de sutilezas filológicas e de completo domínio dos segredos da língua portuguesa. Sua excelência intelectual, não raro, colava-se a seu jeito impulsivo e exigente, numa franqueza que lhe rendeu desencantos, mas, sobretudo, admirações.

Como o tempo passa depressa e não se importa com os benefícios ou danos que possa causar! Seria tão bom se pudéssemos voltar no tempo para começar tudo outra vez. Que pena não haver mais essa possibilidade! Conforta-nos, apenas, a certeza de que guardaremos a sua fala em nosso pensamento, tal qual ele mesmo, certa vez descrevera aquela casa da Avenida Angélica, de Maria José Dupré. Enfim, todas as vezes que sentirmos o aroma de erva-doce ou que observarmos o abacateiro que já não carrega mais, seremos transportados àquela casa, que, em sua fala, nos conduzia ao seu tempo de menino numa pequena cidade das Alagoas.

Morre João Costa, janeiro de 2011, mas ficam conosco as suas marcas nas ideias, nos exemplos, nas contribuições que se multiplicarão para a posteridade. E, como exemplo de vida, guardaremos a frase: “Procurem ser cuidadosos com a fala, pois agora fazem parte da elite cultural. Lembrem-se de que ela é a arte de fazer amigos ou inimigos, portanto, sejam cautelosos ao utilizá-la”, de sua autoria.

O registro que faz Aurélio Buarque de Holanda em seu Dicionário da Língua Portuguesa, diz que SAUDADE é “lembrança triste e suave de pessoas ou coisas distantes ou extintas, acompanhada do desejo de tornar a vê-las ou possuí-las; pesar pela ausência de alguém que nos é querido, nostalgia”.

Uma grande parte das composições poéticas e musicais brasileiras se serve da saudade como motivo de suas criações. A saudade está nos provérbios como ensinamentos de vida; é a companheira dos que não têm companhia.

Li, certa vez, que à proporção que avançamos em anos, a experiência, mestra da vida, nos desafia aliada às decepções que nos esperam. O que era encanto e poesia aos olhos infantis, agora se transforma em monotonia, e as saudades, estranhas e místicas, rondam noite e dia. Saudade de uma época pueril, de nossos entes passados, dos sonhos primaveris, das poéticas e formosas visões que nos povoam a mente imatura, uma doce sensação de paz que nos toma.

A saudade não é apenas o recordar, mas o ir através do tempo e do espaço, o reviver instantes felizes que não voltam mais.

No mundo da educação, a saudade pairou no ar, já que não mais pôde ser difundida, mas ficam na lembrança a voz, os caderninhos, os gestos, as palavras, os sorrisos e os momentos guardados por tanta gente que teve o privilégio de receber seus ensinamentos – tesouros que nos ajudarão a preencher essa grande lacuna que o mestre e amigo João Costa nos deixa – um blackout que nos silencia, pois fica apenas a sensação de sua voz guardada no cerne das recordações.

* Rusel Barroso é escritor e pesquisador lagartense, membro do Instituto Histórico e Geográfico de Sergipe e da Associação Sergipana de Imprensa, integrante do Comitê Gestor e do Conselho de Ética da Faculdade AGES.

Texto e imagem reproduzidos do site: lagartonet.com

Postagem originária do Facebook/GrupoMTéSERGIPE, de 30 de janeiro de 2016.

Cleomar, uma crônica da vida

Foto postada para ilustração de artigo, por Facebook/GrupoMTéSERGIPE.


Infonet > Blog Marcos Cardoso > 20/01/2016.

Cleomar, uma crônica da vida.

A palavra “tem artimanhas e esquinas”.

(Nos 70 anos de Cleomar Brandi, 18 de janeiro, vale compartilhar a apresentação do seu livro de crônicas, "Os Segredos da Loba", de 2009, texto escrito por este articulista)

A palavra “tem artimanhas e esquinas”, como o próprio diz, mas para o baiano Cleomar Brandi são como as dobras de Aracaju, cidade por ele amada certamente mais do que qualquer outra no mundo e que percorre e visita os seus recônditos com a sapiência de poucos.

Graças ao estilo muito próprio, suas palavras têm cheiro, têm cor, ora dão água na boca, ora são nauseabundas. Não estarei cometendo nenhuma heresia se afirmar que as crônicas de Cleomar são pequenos poemas em prosa, à Charles Baudelaire.
Engraçado que sendo o grande jornalista que é, Cleomar soube se imunizar da frieza da palavra jornalística, que não é estéril, mas reta, objetiva e dura, e consegue ser cronista com tanto refinamento poético.

“A palavra dormita solene em prateleiras vetustas e escancara gargalhadas amareladas nos velhos cordões ensebados das feiras livres do semi-árido”. Alguém ousou buscar comparativo melhor para apontar onde a palavra está e deve ser buscada?
Aliás, no seu exercício ético diário, Cleomar prega que o jornalista deve “ao acordar, pautar a verdade. Ao dormir, editá-la”.
O refinamento poético de Cleomar é o tempero que ele aplica, assim como a devida dose de sofrimento, a algo maior que é o pano de fundo de tudo o que faz e escreve: a preocupação social. Ele é um cavaleiro andante a apontar sua lança afiada para as desigualdades desse mundo fútil e materialista, na eterna e utópica busca da justiça.

A preocupação com a exploração do homem pelo homem é uma temática recorrente e, certamente, resulta nos melhores textos. Veja-se o “Estatuto da fome”, um triste e rascante libelo contra o poder que exclui e a desigualdade entre os homens.
“Fica decretado o fim dos ágapes governamentais. A palavra ‘banquete’ será excluída do dicionário e apenas será permitida como um sonho de um tempo em que o pão não soube ser repartido coma dignidade e respeito que o ser humano merece”.
No mesmo diapasão, Cleomar canta a desesperança do sertanejo — “Na beira da BR, repousa quieto o homem sertanejo. Sentado na sua lassidão ele coça a frieira e olha para esse mundo de meu Deus. Imóvel, é parte da paisagem árida” — e a esperança frustrada das meninas desonradas — “Casulos rompidos pela maldade dos homens e pelo estigma da velha chaga social”.
Mas nem tudo está perdido. Como um arauto das boas novas, ele canta, calcado na própria experiência política, a certeza de que alguma coisa está mudando. “A luminosa trajetória da minha vida derrubou dinastias, rompeu velhos grilhões, fragmentou ditaduras e rompeu estruturas calcinadas pelo fogo fátuo dos velhos vícios mantidos por anos, décadas de inconsciência política e desmandos”, concluindo altivo: “Sou um filho do meu tempo e exijo respeito!”

Mar e música. Nada, a não ser a própria vida, Cleomar adora mais senão a profundidade das notas musicais e a vastidão do mar. Tecendo alegorias sobre o que ama, ele fantasia que o som da percussão afro e o balanço das ondas atlânticas são capazes de propagar a pureza e limpar a sujeira atávica do poder. Amante da negra musicalidade brasileira, deseja que um imenso bloco de carnaval carregue para bem longe os males do mundo.

“Afinem os tamborins e soltem o verbo em busca do samba-enredo que acalme a violência urbana e as balas de AR-15 que atravessam as noites cariocas em busca do cidadão que volta cansado do trabalho!”
Igualmente arrebatado pelo mar, ele torce para que, na maré de março, “o velho Netuno abra os olhos raivosos e provoque ondas gigantescas e direcionadas e carregue para o mais abissal do esquecimento e da punição exemplar os que manhosamente teceram falcatruas quando detinham o poder ou se avizinharam dele com a intenção guardada de burlar a lei e enriquecer seus cofres em contas estrangeiras!”

E não se pode esquecer que o guerreiro Cleomar Brandi não vive e não rega o seu jardim poético sem a referência feminina. “A mulher, quando é resolvida, fruta maturada, sabe ter a esperteza da loba e sabe sobreviver sem matilha”. O que é isso senão versos de um poema de amor àquela a quem ele dedica tudo o que possui de erótico e sensual?
Cronista, ele nunca perde o olhar sobre o cotidiano, é livre e está sempre a serviço da liberdade. Como diz Affonso Romano de Sant’Anna, o cronista é o mais livre dos redatores de um jornal. “Ele pode ser subjetivo. Pode (e deve) falar na primeira pessoa sem envergonhar-se. Seu ‘eu’, como o do poeta, é um eu de utilidade pública”.

Cleomar Brandi é um bem público, um patrimônio que deve ser preservado e cultuado. Este livro certamente resume o pensamento desse monumento vivo e andante. As crônicas aqui publicadas interferem no cotidiano a qualquer tempo, porque não são datadas. São para serem lidas em todo momento, na ordem que melhor agradar, consumindo-se o livro a partir do cheiro da capa, do textinho da orelha ou abrindo-o aleatoriamente, no livre folhear, página indeterminada. Ler Cleomar é prazeroso toda vida.

Texto reproduzido do site: infonet.com.br/marcoscardoso

Postagem originária do Facebook/GrupoMTéSERGIPE, de 30 de janeiro de 2016.

sábado, 23 de janeiro de 2016

O Primeiro Médico Sergipano



Publicado originalmente no Facebook de Lúcio Prado Dias.

O Primeiro Médico Sergipano.
Por Lúcio Prado Dias.

O primeiro sergipano a se formar em Medicina nasceu em São Cristóvão em 24 de junho de 1810. Chamava-se Manuel Ladislau Aranha Dantas. De origem humilde, com 17 anos de idade e com os parcos conhecimentos que pôde adquirir na sua pequena cidade, rumou para a Bahia e matriculou-se na Escola Médico-Cirúrgica, na qual se formou em cirurgia a 6 de dezembro de 1832. Preencheu o cargo de lente substituto da seção de cirurgia da Escola de Medicina, recebendo o grau de doutor em fins de 1935.

Aranha teve uma carreira meteórica e tornou-se um dos médicos de maior prestígio na Bahia. O ponto de partida aconteceu em 1837, quando assumiu por concurso a cadeira de patologia externa da Faculdade de Medicina. Contudo, o fato determinante foi revestido de uma contenda que abalou a sociedade baiana e provocou o fechamento da Faculdade por 2 anos.

Com a morte do professor Lino Coutinho, foi posta em concurso a referida cadeira e a ela concorreram os substitutos da seção de cirurgia, Aranha Dantas e o baiano Dr. Francisco Sabino Alves da Rocha Vieira(1796-1846), cabendo a Aranha, por méritos, o provimento nessa cadeira. Sabino Alves não se conformou com a derrota, que coincidia naquele momento com a rebelião de caráter separatista e republicano conhecido pelo nome de Sabinada, que teve em Sabino, e daí a origem do nome, seu maior líder. Sabino era cirurgião aprovado pela Academia Médico-Cirúrgica da Bahia e, como lente substituto concursado, desempenhava as funções de preparador de anatomia e tesoureiro da então Faculdade de Medicina da Bahia. Além de Sabino, participaram do movimento os lentes de física e de medicina legal Vicente Ferreira de Magalhães e João Francisco de Almeida, respectivamente, e alguns alunos da referida instituição.

Sobre Sabino pesavam várias acusações, homem violento, teria assassinado pessoas e como tesoureiro da Faculdade, atos de improbidade. O historiador Braz do Amaral, no artigo “A Sabinada”, publicado na Revista do Instituto Histórico e Geográfico da Bahia em 1909, indaga: “Tinha, porém, este homem (Sabino Alves) o caráter ilibado, a moralidade precisa, a idoneidade de virtudes de um Hampden, de um Washington ou de um Bolívar? Não, claro que não. Sabino, matou o Alferes Moreira, irmão de Vicente Moreira, redator de um jornal seu inimigo, na praça do palácio. Matou um homem que o injuriava e tivera a premeditação de injuriá-lo. Matou, porém, com uma faca inter-óssea, que não é instrumento de carteira de cirurgião, de modo que não se pode deixar de concluir que todas as maneiras de se desagravar, ele havia escolhido a mais sinistra.Acrescenta a mesma fonte que o Dr.Sabino era o tesoureiro da Faculdade de Medicina em 1833 e não deu boas contas do seu tempo de tesouraria. E mais: morava na rua do Castanheda quando a sua esposa o encontrou em ato de sodomia com um crioulo, do que resultou epílogo tristíssimo. Sabino perseguiu com uma faca de ponta a mulher, que fugiu pela escada e ela, caindo fraturou um braço. Foi recolhida pelos vizinhos e por soldados que se achavam na rua, e, em conseqüência desta fratura exposta, morreu de tétano". Fracassada a revolução, Sabino foi condenado a 51 anos de prisão com trabalho, multa correspondente à metade do tempo e indenização do dano, além de galés e prisão perpétua, tendo a pena comutada pelo confinamento, morreu na prisão em 1846.

Superado esse triste e lamentável episódio e com a reabertura da Faculdade, pôde finalmente o nosso enfocado, Dr.Manuel Ladislau desenvolver a sua cátedra conquistada com méritos pela porta larga do concurso e assim permanecer o grande sergipano por longos 40 anos de magistério até se aposentar em novembro de 1873.

Em 1866, com 56 anos de idade, ainda encontrou força e disposição cívica para servir na Guerra do Paraguai, no hospital militar de Montevidéu, sendo depois nomeado médico principal do hospital brasileiro naquela cidade.

Em 1849 foi agraciado com o oficialato da Ordem da Rosa, do qual foi promovido em 1860 pela brilhante preleção feita na presença de D. Pedro II, quando da visita de Sua Majestade à Bahia em 1859. Em 1858 recebeu o Hábito da Ordem de Cristo pelos serviços prestados durante a epidemia de cólera e o elevado cargo de Conselheiro de sua Majestade o Imperador. Foi Presidente interino da Comissão de Higiene Pública e Membro do Conselho da Instrução Pública da Bahia. Teve sua biografia escrita por Alexandre Herculano, publicado em 1881. Publicou “Curso de Patologia Externa”, livro texto para os estudantes de medicina, coisa pouco comum naquele momento, de dezenas de trabalhos e artigos publicados na imprensa da época, entre os quais “Memória da Faculdade de Medicina da Bahia, ano de 1855”; “As Feridas Envenenadas”; “O Veneno das Cobras”.
É patrono da cadeira 34 da Academia Sergipana de Letras e foi sócio honorário da Academia Nacional de Medicina. Faleceu em Salvador em 4 de novembro de 1875 quando concluía a segunda edição do seu compêndio sobre a memória histórica da Faculdade de Medicina.

Texto e imagem reproduzidos do Facebook/Lucio Prado.

Postagem originária do Facebook/GrupoMTéSERGIPE, de 21 de janeiro de 2016.

sexta-feira, 22 de janeiro de 2016

Visitei um fauno



Vale relembrar:

Visitei um fauno

Cleomar Brandi mora num prédio antigo, ao lado do Hiper G.Barbosa, numa ruinha opcional para quem trafega pela área e quer se livrar do burburinho da Av. Francisco Porto. Estacionei (sempre tem vaga em frente, como num oásis) e entrei na ampla área de lazer do prédio, andando cuidadoso entre velocípedes desgovernados, babás bundudas de olhar pidão e um senhor semimalhado de tênis caros e meias soquetes, rumo à caminhada das quatro no calçadão da 13. Pernocas cinquentonas à mostra, algumas varizes, camiseta regata Surf Bording atalhando a barriquinha teimosa, calção curto lascadinho de lado. Uma figura plena de si locomovendo-se com a graça de Deus, tão lépido quanto caricatural. Fiz que não vi. Afinal, fora visitar o sem pernas cadeirante, um marombeiro cultural que mora ali e faz daquele átrio tão cheio de caminhantes a ante-sala da sua perseverança.

Acolheu-me uma mãe heráldica: minúsculas manchas cinzas no rosto –sol de antigas praias - cabelos brancos em coque elegante, olhar percuto e postura juvenil.

-Cleomar se acordou agora, mas ainda não quis sair da cama...

Saquei na hora: nesta tarde modorrenta de sexta-feira, Cleomar mandara tudo à puta que o pariu e recolhera-se à lascívia dos lençóis, curtindo o cheiro do seu próprio corpo nu, desobrigado do fastio das “boas tardes” protocolares e do cafezinho insosso na repartição.

E foi no quarto onde eu o encontrei cercado de sobrevivências. O monstro sagrado no seu cenário quotidiano, rindo entre guarda-roupas e consoles, cercado de patuás e berimbaus da infância, com um livro aberto cheirando a sono, indícios de sonhos revividos, bilhetes de amigos lhe chamando à farra e uma meiota de Conhaque à mão.

Vejo os cartões postais de terras que Cleomar não nunca visitou. Ele se acostumara a passear horizontes mais vastos, no universo do seu próprio coração. Vejo, no espelho do guarda roupas, retratos de antigos amores.. O olhar satisfeito de belas mulheres derramando o bálsamo do amor sobre o corpo mutilado do velho lobo. Entendi que o que nos intriga nele é o esfuziante amor pela plenitude da vida e a magnitude da sua doação ao amor de nós outros.

A visita foi curta, mas vi o que me interessava ver: um fauno saltitante em sua relva memorial, soprando na flauta a canção do seu destino.

Absolutamente pagão e belo.

Amaral Cavalcanti - agosto/2006.

Postagem originária do Facebook/GrupoMTéSERGIPE, de 19 de janeiro de 2016.

Joel Silveira: Da Eternidade a Víbora Manda Lembranças




Joel Silveira: Da Eternidade a Víbora Manda Lembranças. 
Por Luiz Eduardo Oliva/Facebook.

Leio no Twitter do jornalista Genetom Moraes Neto (@genetonmneto) a notícia de que a GLOBONEWS exibirá no sábado,dia 2 de fevereiro às 20:30 o documentário "GARRAFAS AO MAR:A VÍBORA MANDA LEMBRANÇAS" sobre o nosso Joel Silveira,o sergipano que se transformou no maior repórter do Brasil.

Será o resultado de material em audio e vídeo colhido pelo Genetom durante 20 anos de convivência com Joel,convivência que ele considerou equivalente a um prêmio na Loteria do Jornalismo. O documentário tem a participação dos atores Othon Bastos e Carlos Vereza que interpretam textos de Joel.

Genetom diz que percebeu que já era hora de passar adiante o que viu e ouviu do velho repórter, que fazia um jornalismo literário de altíssimo nível mas que hoje, para ele, "o barco afundou" porque a sua impressão,depois de mergulhar no que chamou de "Planeta Joel", é a de que, em nome da objetividade o jornalismo brasileiro soterrou jornalistas com marca pessoal. Joel era tudo isso e mais um pouco. Foi considerado "a víbora" por sua língua afiada e a forma como descrevia a sociedade de sua época,com irônica realidade. Notabilizou-se como repórter da 2a Guerra Mundial e creio que foi uma espécie de Ernest Hemingway brasileiro.

Foi Secretário de Cultura de Sergipe durante o Governo Valadares, terra que amou e referenciou sempre. Durante aquele governo tive pouquíssimo contato com Joel em duas ou três ocasiões,mas sempre muito rápido,porque eu morava em Florianópolis fazendo Mestrado e pouco vinha a Aracaju. Uma vez,durante uma das minhas férias do mestrado,Fernando Sávio,outro grande jornalista falecido,chamou-me para ir com ele tomar "uns goles" com Joel. Preferi ficar na paquera que corria solta no Bar do China, e este é um dos poucos arrependimentos que guardo,perdi a oportunidade duma boa noitada com dois gênios do jornalismo e do bom papo,duas fontes da sabedoria da vida e da imprensa. Seu retorno a Sergipe para ser Secretário de Cultura rendeu muitas histórias pitorescas,algumas até "folclóricas", criou ciumeiras, possessões,intrigas, mas também boas lições, visão de cultura, muito humor,bom papo regado ao indefectível uísque.

Amaral Cavalcante e Clara Angelica Porto que tiveram o privilégio de conviver com o gênio de Joel naquele período, poderiam muito bem nos brindar com histórias da sua passagem por Sergipe na segunda metade dos anos 80. São dois exímios contadores de histórias e podem muito bem nos legar o que representou aqueles tempos e como foi conviver com a "víbora" da imprensa brasileira,o repórter implacável,a língua sempre afiada, o aguçado observador dos costumes, o homem que impressionou o lendário Assis Chateaubriant já no primeiro encontro a ponto de contratá-lo para cobrir a Segunda Guerra para "O Cruzeiro"com a conhecida recomendação do "vá mas não me morra!". A exemplo do que fez Genetom Neto, Amaral e Clara,dois frequentadores assíduos deste Face, bem que poderiam nos legar com a memória daqueles tempos,daquela passagem,do homem Joel e do mito.

Post da Linha do Tempo/Perfil do Facebook/Luiz Eduardo Oliva, compartilhado por Amaral 
Cavalcante no Facebook/Grupo Minha Terra é SERGIPE, em 20 de janeiro de 2016.

sexta-feira, 15 de janeiro de 2016

Quem é esse Acrísio Torres Araújo?






Quem é esse Acrísio Torres Araújo?

(homenagem a um imortal falecido).

Por Antônio FJ Saracura, escritor.

O cearense ganhou fama de andarilho, está em todo mundo negociando redes, empreendendo turismo, nas boas posições do serviço público, donos de grandes empresas ou de oficinas em fundo de quintal, trabalhando duro. Construiu São Paulo, se bem que, nessa empreitada, teve ajuda dos demais conterrâneos do Nordeste.

Eu poderia falar de muitos desses nômades, a começar por José de Alencar, um dos mágicos que encantaram minha juventude, escritor clássico e imortal da Academia Brasileira de Letras. Mas ficarei com Acrísio Torres Araújo, que também escreveu livros, foi imortal da Academia Sergipana de Letras e professor catedrático da Universidade de Brasília. Um meio sergipano que aportou em Aracaju sutilmente, na década de 60...

Acrísio não está mais em nosso meio. Na sua ânsia de correr mundo, foi para o céu no final de 2015. Nas três últimas décadas, nem morava em Aracaju, onde pouco aparecia: uma vez, na célebre recepção a João Oliva Alves na Academia Sergipana, e depois, em rápidas e esporádicas visitas sociais.

Eu o conheci na época em que militei na imprensa, rádio “Cultura” e Jornal “A Cruzada”, 65 a 68. A idade tem me privado o acesso fácil aos arquivos que guardei com zelo à vida toda. Ou nem é a idade! Talvez a chave às camadas mais profundas tenha se perdido nos atropelos de uma vida intensa, ou a fechadura emperrou pelo excesso de dados guardados estufando a porta. Hoje, pouco consigo recuperar sobre Acrísio Torres...

Ele veio visitar um irmão e ficou por aqui. Teria cansado na caminhada ao sul que todo cearense tem que fazer na vida? Então, começou a fazer contatos, a criar amigos, estabelecer território. 

Aproximou-se de mim na redação do jornal “A Cruzada”, estabelecida na rua Propriá, num terreno que ainda hoje existe, entre mangueiras frondosas. Eu era o redator-chefe e estava fechando uma edição conflituosa. Ele apareceu à minha frente e, vendo-me assoberbado, estendeu-me a mão e, com um sorriso dócil (talvez doce mesmo), disse que voltaria depois, queria conversar comigo sobre jornalismo. Entendeu que eu não poderia ser interrompido naquele momento. Fiquei-lhe devendo obrigação por isso. No dia seguinte, ou em outro qualquer, depois que a edição do jornal foi para a rua, ele apareceu. Apertei sua mão como a de um amigo de velha data.

Fizemos camaradagem e passamos a andar juntos pela cidade, entrevistando pessoas, documentando situações, debatendo temas polêmicos, tomando cerveja e quebrando caranguejo nos quiosques da Atalaia. Aprendi com ele a ciência das patinhas do caranguejo. Não mais importava se havia carne entranhada ou apenas felpas. O sabor, o prazer estava agora no ritual: o martelinho de madeira batendo cadenciado; a patinha reagindo, querendo escapar. Os sentidos imersos naquela cerimônia. O mundo inteiro apagava-se. Não mais uma mesa de bar, não mais manchetes ofensivas ou tipos empastelados, mas um altar de consagração.

Acrísio possuía um automóvel. Quando eu estava disponível, ele aparecia. Fomos ao bispo, e o levaria ao Papa se morasse em Aracaju. Talvez tenhamos ido, em alguma tarde morna, ao sítio Saracura, na Terra Vermelha de Itabaiana... Sempre o destino irreversível e inconsciente. Os meus amigos passaram a ser também os dele. E, em troca, ele conseguiu para mim muitos novos amigos que conquistara com seu jeito afável de cativar.

Fino, leve, rosto afilado, andando sempre ligeiro, olhos à espreita. O biotipo dos habitantes dos meus povoados rústicos. Poderia ser um professor do grupo escolar nas Flechas, um plantador de amendoim no Pé do Veado, um negociante de farinha no mercado de Aracaju. De avental branco seria um autêntico enfermeiro dos arquivos mortos, que passou a ser com dedicação religiosa.
Quando entrei na Petrobras, Acrísio comemorou. E, tal qual um pai zeloso, ou um irmão mais velho, buscou-me ensinar a lidar com muito dinheiro (como se fosse), e a investir para o futuro (como se eu não soubesse).

Terrenos é a melhor opção, dizia agoniado. Aracaju vai explodir...

Varamos um areal imenso, cruzamos riachos e nos batemos em um sítio de cajueiros que estava sendo loteado, no meio do mundo. Acrísio comprara dois lotes e reservara uma quadra para mim. Queria-me como vizinho. O idoso proprietário abaixou o preço, dividiu o valor de acordo com meu salário. Relutei, perdi-me em dúvidas e não comprei. O terreno ficava no coração do atual bairro Jardins.

Acrísio envolveu-se com os velhos livros da Epiphânio Dória, com os arquivos empoeirados do Instituto Histórico e do Acervo Público, de onde saiu sua obra literária, a começar com a História de Sergipe, um opúsculo para subsidiar seus alunos. Ganhou fôlego. O livro preencheu um vazio, transformou-se em um sucesso de vendas. E foi seguido por outros, geografia, literatura...

Acrísio mergulhou no colunismo da Gazeta de Sergipe, e eu abandonei o jornalismo. A Petrobras e a faculdade de Economia me absorviam inteiro, e ainda era pouco. Daí a pouco, como um cearense nômade, em São Paulo, Brasília e outras plagas, iniciei uma vida de quarenta anos povoada de algoritmos, filas de espera, tempos de resposta, bugs escorregadios, aplicativos redondos e outros nem tanto assim. E sempre havia um romance socado no list dos programas, como refrigério, para arejar a cuca. Varei o mundo...

Um dia, em Brasília, no Centro Comercial Gilberto Salomão, bati-me com o amigo cearense, que desde a remota Aracaju, não via, nem soube mais. Trajava um avental branco, e trazia sob o braço um amarrado de livros (três ou quatro) como e fosse uma matalotagem de retirante. Imaginei-o espanando arquivos, aprisionando desgarrados fantasmas. Juro que era ele. Abordei-o e levei o maior fora: “Quem é esse Acrísio Torres Araújo?”.

(publicado no jornal do dia 07/01/2015).

Postagem originária do Facebook/GrupoMTéSERGIPE, de 11 de janeiro de 2016.

domingo, 10 de janeiro de 2016

Pinduca - um débito a saldar, como dizia Luiz Antônio Barreto


Publicado originalmente no site do Jornal do Dia, em 12/05/2015.

Pinduca - um débito a saldar, como dizia Luiz Antônio Barreto
Por Raymundo Mello*

O sempre lembrado Pesquisador e Escritor Luiz Antônio Barreto, em seu blog "Pesquise - Pesquisa de Sergipe/Infonet" (02/04/2005), registra: "Sergipe e Aracaju devem a Pinduca uma homenagem que reconheça de público e agradeça a sua contribuição à arte e à cultura, e especialmente, à música, e, mais especialmente ainda, à percussão, e que faça a ponte entre Aracaju de ontem e as gerações de hoje, para que o artista brilhante possa rever as paisagens da sua terra, onde certamente aprendeu o ritmo, a ginga, a malícia, da música popular, tão expressiva em sua percussão, nos grupos folclóricos que resistem, heroicamente, a tudo".

Quem é o 'Pinduca' que Luiz Antônio Barreto cita? É o sergipano, nascido em Propriá em 03 de maio de 1926, e que já mostrou todo o seu talento em Sergipe durante os anos que organizou e dirigiu a "Pinduca Rádio Orquestra", composta pelo que havia de melhor entre instrumentistas locais, a maioria integrantes da Banda de Música do 28.º BC. Ensaiavam, sob a regência do Maestro Pinduca, em uma casa situada à rua Santa Luzia, entre as ruas Maruim e Estância, ao lado da residência do então fotógrafo Walmir Almeida.

Era empolgante, bonito de se ver, músicos experientes, com larga folha de serviços prestados ao mister, coordenados pelo então jovem maestro de 15 a 18 anos, que organizou sua orquestra baseado nas apresentações cinematográficas e discos de cera-de-carnaúba das famosíssimas bandas de Glenn Miller, Tommy Dorsey, Xavier Cugat e outras grandes figuras do cinema americano. Componentes bem trajados, estantes bem organizadas e músicos de prestígio como Mozart, Santana, Armando, Waldemar, Assis, Raimundo, Bodinho, Cavalcante, Dema, Eronildes, Ivo e outros, todos pertencentes a bandas militares (Exército e Polícia), além dos experientes civis Bonfim, Bissextino, Carlito e José, percussionistas, e, ao piano, o Maestro Pinduca e seu irmão Pinduquinha (Luiz e Antônio). Em paralelo, para 'pocket-shows', atuava então o "Trio Serenade" - Pinduca (piano), Joãozinho (saxofone) e Bissextino (bateria). Isso antes, muito antes, de 'Zimbo Trio', 'Tamba Trio' e muitos outros de presença nacional.

Daqui, o Maestro Pinduca rumou para Salvador (BA) com sua família, onde integrou-se à orquestra "Britinho e seu Stukas" como pianista, maestro e arranjador, animando grandes clubes da 'boa terra', além de participar das emissoras Rádio Excelsior, Rádio Sociedade e Rádio Cultura da Bahia. Criou o conjunto musical que fundou a 'Boite Xangô' do então famosíssimo 'Hotel da Bahia' e até 1958, com João Mello, Margarida de Lima (cantora e esposa do maestro), Codó, Bonfim, seus irmãos Joãozinho e Antônio e um guitarrista havaiano que não lembro o nome, trabalharam e enriqueceram a área artística e musical baiana que já estava sem Dorival Caymmi e Walter Levita que também foram para o Rio de Janeiro.

O Maestro Luiz Almeida D'Anunciação, ou simplesmente 'Pinduca', é percussionista, concertista, autor, compositor, com formação nos Seminários de Música da Universidade Federal da Bahia (1956 a 1959), fez estudos de percussão na Universidade do Colorado, em Boulder, Estados Unidos. Foi aluno de vibrafone de Phil Kraus, em Nova York, de marimba com José Bethancourt, em Chicago, e estudou percussão cubana com José Helario Amat e Lino Neiva Bethancourt, em Havana, 1996.

Pinduca preparou o 'naipe' de percussão da Orquestra Sinfônica Brasileira nas excursões à Europa, Estados Unidos e Canadá, sob a direção do Maestro Isaac Karabtchevsky, sem deixar suas funções de Professor/Orientador na implantação do Curso de Percussão da Unidade Federal de Santa Maria, no Rio Grande do Sul, depois de ser integrante, por 18 anos, do elenco da TV Globo, como percussionista, arranjador e regente.

Autor do "Manual de Percussão", em 4 volumes, divididos em 14 cadernos e 2 livros distribuídos em: Instrumentos da Rítmica Brasileira (do Birimbau a Tambores de Percussão Direta); Técnica para Instrumentos Barrafônicos; Estudos de Técnica para Caixa-clara; Técnica para os Instrumentos da Percussão Complementar. Escreveu e lançou "Os Instrumentos Típicos Brasileiros na Obra de Heitor Villa-Lobos".

Como compositor, Pinduca é autor de diversas peças, destacando-se a 'Pequena Suíte para Vibrafone', 'Um Choro para Radamés Gnattali' e várias outras peças que, como seus livros, correm o mundo em CDs.

É rica, muito rica, a biografia artística do sergipano Pinduca, que já mostrou todo seu talento em Sergipe, no Brasil e no mundo.

Em 2005, esteve rapidamente aqui em Aracaju, veio prestigiar o lançamento de livro 'João Ventura - Cidadão de Aracaju' de autoria do seu amigo e companheiro de arte por tantos anos, João Mello, e, posteriormente, veio lançar um seu trabalho e receber uma homenagem da SOFISE (Sociedade Filarmônica de Sergipe).

Estão em débito com Luiz Almeida D'Anunciação - o Maestro Pinduca -, o Estado de Sergipe, a cidade de Aracaju e a cidade de Propriá, que não podem e não devem se furtar em homenagear tão importante figura artística, divulgada no mundo inteiro.
Gente da Cultura, mãos a obra!!!

P.S. - Um fato pitoresco na vida artística do maestro: a Orquestra "Britinho e seus Stukas", lá pelo final dos anos 50 foi contratada para o 'baile de aniversário da Rainha da Inglaterra', no Clube Inglês, em Salvador (BA). Ora, 'stukas' era o nome que identificava os aviões alemães que fustigavam a Inglaterra durante a Segunda Guerra Mundial, causando grandes danos, com bombardeios indiscriminados. Lá pelo meio do baile, os 'Servos da Rainha da Inglaterra', após alguns whiskys a mais, resolveram atacar a orquestra e partiram contra os músicos, que, aterrorizados, deixaram o salão, às correrias, com seus instrumentos embaixo dos braços. Só o Maestro Pinduca permaneceu no palco, protegendo seu instrumento (o piano de cauda) - não dava para correr com ele embaixo do braço.

* Raymundo Mello é Memorialista
raymundopmello@yahoo.com.br

Texto reproduzido do site: jornaldodiase.com.br/noticias
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Imagem Pinduca, postada por MTéSERGIPE. Foto: acervo Luiz Antônio Barreto.


Postagem originária do Facebook/GrupoMTéSERGIPE, de 8 de janeiro de 2016.

sábado, 9 de janeiro de 2016

The Voice Kids: João Pedro é recebido por fãs em Aracaju

João Pedro chegou abraçado à bandeira de Sergipe.
Crédito - TV Sergipe.

Trecho de reportagem publicado originalmente no site Gshow,
em 05/01/2016.

The Voice Kids: João Pedro é recebido por fãs em Aracaju

(...)Sergipano foi recebido por familiares e fãs que estão na torcida para vê-lo na final do programa.

Trecho de reportagem de Anderson Barbosa de Aracaju.

Para o sergipano João Pedro Borges, 2016 não poderia ter começado melhor. No domingo, 3, o garoto de 11 anos subiu no palco do programa The Voice Kids, da Rede Globo, e soltou a voz cantando The Show Must Go On, do Queen, impressionando jurados e milhares de brasileiros que acompanhavam a apresentação...

Trecho de reportagem reproduzida do site: gshow.globo.com

Postagem originária do Facebook/GrupoMTéSERGIPE, de 6 de janeiro de 2016.

Projeto pesquisa a 2ª Guerra em Sergipe através do cinema

Andreza apurou que Sergipe estabeleceu uma ligação com a Segunda Guerra.
Crédito - Fapitec/SE.


Publicado originalmente no site Destaque Notícias, em 5/01/2016;

Projeto pesquisa a 2ª Guerra em Sergipe através do cinema

Quais filmes foram veiculados durante a Segunda Guerra Mundial em Sergipe? Esse questionamento levou a professora e doutora em História, Andreza Santos Cruz Maynard, a desenvolver um projeto de pesquisa para resgatar os filmes históricos que foram veiculados durante esse período nos principais cinemas de Aracaju.

A pesquisadora Andreza explica que o estado de Sergipe estabeleceu uma ligação direta com a Segunda Guerra Mundial, em função dos torpedeamentos dos navios brasileiros, que ocorreram no litoral sergipano. Naquele período, o cinema era um dos meios de comunicação para informar a população sobre o que ocorria no mundo.

O projeto tem por objetivo analisar como o cinema de Aracaju permitiu aos sergipanos entenderem a Segunda Guerra Mundial. Segundo a pesquisadora, o cinema tinha um importante papel no dia a dia da cidade de Aracaju na época da guerra, principalmente, os filmes norte-americanos. A pesquisa é baseada na documentação escrita de Sergipe, nos filmes, e na coleta de documentações fora do país, principalmente, em Washington nos Estados Unidos.

Filmes americanos

De acordo com a pesquisadora Andreza, os filmes norte-americanos sobre a Segunda Guerra ganharam espaço em Sergipe. “Esses filmes vão ser cada vez mais norte-americanos, pois, o cinema deles já era muito bem organizado e influente. Os filmes norte-americanos, que incorporavam a guerra, trabalhavam com a venda do interesse”, explicou.

Nesse período, os principais temas de filmes eram: espionagem, bombardeio aéreo, aviação, submarinos e nazismo. Segundo Andreza, foram temas que interessavam ao público e foram adicionados em outros meios de comunicação, como o rádio e o jornal impresso.

A pesquisadora ainda destaca que o cinema em Sergipe proporcionava interações sociais, pois recebiam pessoas de diferentes classes econômicas e formava opiniões sobre a Segunda Guerra Mundial. Neste período, os cinemas que funcionavam na cidade de Aracaju eram o Rio Branco, Cinema Guarani, Cinema Rex, São Francisco e Vitória.

Os resultados alcançados com a pesquisa serão transformados em exposições no início de 2016. “O projeto prevê duas exposições como produto final, uma primeira exposição pré-eliminar e uma exposição com todo o resultado. Além de um livro para que os aracajuanos vejam e compreendam como foi importante este momento para a história da cidade”.

Fonte e foto: Fapitec/SE.

Texto e imagem reproduzidos do site: .destaquenoticias.com.br

Postagem originária do Facebook/GrupoMTéSERGIPE, de  6 de janeiro de 2016.

sexta-feira, 8 de janeiro de 2016

Lembranças do BNB e dos irmãos autistas de Lagarto






Publicado originalmente no Facebook/Carlos Alberto Déda, em 16/09/2015.

Lembranças do BNB e dos irmãos autistas de Lagarto.

Nos anos sessenta, a Agência do BNB em Simão Dias era uma das maiores em operações de crédito rural do Nordeste. Seu zoneamento alcançava vários municípios de Sergipe e Bahia.

O número de clientes era tal que antes mesmo de iniciar o expediente a porta do Banco era tomada pela clientela, não obstante se ter uma rigorosa e programada agenda de atendimento.

A razão do grande número de interessados eram os baixos encargos dos financiamentos. O Banco financiava a atividade rural com juros 7% ao ano, e nem se falava em correção monetária. Tais financiamentos eram formalizados por contratos de mútuos, com um montão de cláusulas, alguns com pacto adjeto de hipoteca. A única exceção era o empréstimo para aquisição de bovinos para engorda, realizado com base em uma Resolução nº 64, do Banco Central, e formalizado através de Nota Promissória, com juros de 12% ao ano. Somente após 1967, com o Decreto Lei 167, é que surgiram as Cédulas de Crédito Rural, nas quais se datilografavam as mesmas cláusulas dos contratos e não se admitiam rasuras.

Para atendimento de tantos clientes, a agência necessitava um número alto de funcionários. A razão disto é que naquela época todos os documentos e cálculos bancários eram realizados manualmente. Os registros dos cálculos de juros e movimentação dos empréstimos eram feitos em fichas com lápis grafite, conferidos, e depois de datilografados eram submetidos a nova conferência. De ver-se que tudo era realizado com auxílio apenas das máquinas de datilografia e das calculadoras FACIT (máquina com manivelas que, impulsionadas com o movimento dos dedos, realizava operações de multiplicar e dividir).

Daí a razão pela qual nos concursos para bancários se exigia um razoável conhecimento de cálculos (porcentagem, juros e regra de três), redação, datilografia e contabilidade.

Nos dias de hoje os bancos contam com modernos computadores e dispensam parte da mão de obra. Com os caixas eletrônicos e a movimentação via internet, raramente temos contatos com o reduzido número de bancários.

Mas deixemos esta parte pra lá e vamos reavivar a memória com os causos que nos interessam.

Nos anos sessenta a Agência do BNB em Simão Dias contava com mais de trinta funcionários (Ver foto). O número de colegas era suficiente para realizarmos um campeonato interno de futebol de salão, patrocinado pelo BNB-Clube. O meu time era o Anápolis Futebol Clube (nome que eu sugeri), o grande campeão e que foi notícia no jornal “Comunicado ao Funcionalismo”, editado pela Assessoria de Relações Pública da direção geral do BNB em Fortaleza (ver foto abaixo).

Naquele tempo, andavam pela cidade dois rapazes excepcionais de origem lagartense. Eram irmãos, ambos autistas. Não me recordo o nome deles, mas eram conhecidos como os andarilhos calculistas de Lagarto. Vagueavam por este Brasil afora, endurecendo o couro dos pés. Baixinhos, brancos, com cabelos desalinhados, usando chapéus de palha e calças com as pernas ligeiramente arregaçadas sem cobrir os pés descalços. Um tinha um olhar fixo e vago; o outro, com estrabismo, desviava os olhos para tudo em sua volta, demonstrando uma curiosidade incontrolável. Um era calado; o outro conversava, era portador da síndrome do sábio ou savantismo (um distúrbio psíquico, com grande habilidade para cálculos matemáticos, instantâneos e com precisão).

Pois bem. Quando eles chegavam à Agência do BNB todos se reuniam para testar as habilidades do excepcional. Em um piscar de olhos, bastando saber a data do aniversário, ele dizia com exatidão o dia da semana em que a pessoa nascera. Com uma memória fantástica ele realizava os cálculos de multiplicar e dividir com uma rapidez impressionante, ganhando de longe para a FACIT, que era operada pelo colega Mário Jorge, o mais rápido nos cálculos com referida máquina.

Posteriormente, a Agência recebeu a “moderníssima” máquina elétrica Divisumma GT24, que realizava rapidamente as operações de dividir e multiplicar. Aí, então, aguardamos com interesse o aparecimento dos simpáticos irmãos andarilhos, para se testar a rapidez e a precisão do moço calculista.

Quando surgiu a oportunidade, registramos em um papel os números com vários dígitos para a realização de operações de multiplicar e dividir. Ao tempo que digitávamos os números para a máquina, informávamos ao autista prodígio. Instantaneamente ele nos dava a resposta, que anotávamos em um papel, enquanto a Divisumma barulhenta agitava o mecanismo para, segundos depois, mostrar o resultado (igualzinho ao já fornecido pelo excepcional). Ficávamos pasmos.

Embora sofresse deficiências psíquicas, o rapaz de Lagarto era imbatível na rapidez e na precisão ao realizar cálculos matemáticos.

Daquela época a esta parte, nunca mais tive notícia dos andarilhos de Lagarto. Possivelmente, se vivo estiver, o autista sábio ainda realize os cálculos com precisão e maior rapidez que os modernos computadores.

Por onde andarão os amigos irmãos autistas dos velhos tempos?

Aracaju, 15/09/2015
Beto Déda.

Texto e imagens reproduzidos do Facebook/Carlos Alberto Déda.

Postagem originária do Facebook/GrupoMTéSERGPE, de 2 de janeiro de 2016.

quinta-feira, 7 de janeiro de 2016

A Armadilha


Publicado originalmente no Facebook/Petrônio Gomes, em 10/12/2015.

A Armadilha.
Por Petrônio Gomes.

Há uma pequena escada em nossa residência que conduz a um pavimento construído sobre a garagem e demais dependências de serviço. São apenas quinze degraus, mas o declive é íngreme, de tal modo que as pessoas idosas devem usá-los com extrema cautela. Queda de velho é uma desgraça.
Nossos netos, entretanto, subiam e desciam por eles como se estivessem numa calçada, deixando-nos, às vezes, com a respiração suspensa, saudosos do tempo em que nossas articulações não nos envergonhavam. Aos sábados, particularmente, a escada virava passarela de tempestade, com trânsito cerrado em ambos os sentidos.

Certo dia, tentando apelar para a diplomacia, chamei Tiago para uma conversa. Ele tinha seis anos, idade de ouro do homem, quando nada no mundo faz medo. As quedas mais incríveis não passam de pequenos incidentes. Nessa idade, mulher também nada significa, só serve para atrapalhar. Tiro por mim: filme bom era aquele do mocinho contra os bandidos, com tesouro escondido e cavalo ensinado. Filme de amor era um purgante!

Tiago já figurava em meus registros como formador de quadrilha, pois sempre foi o aliciador dos companheiros mais novos para o seu grande leque de peripécias. Durante nossa entrevista, inventei que um gato costumava subir as escadas do meu sétimo céu, onde moram meus livros, meus discos e meus sonhos, além dos chocolates que costumava guardar para ele e seus comparsas. No final, pedi sua valiosa cooperação, no sentido de capturarmos o traiçoeiro felino, mas, na verdade, o que eu estava pretendendo era ocupá-lo com uma tarefa que mantivesse a quadrilha em sossego.
Tiago ouviu tudo sem dizer uma palavra, mas uma ideia já havia começado a faiscar em sua cabeça. Eu conheço o meu gado.

No dia seguinte, ao voltar da cidade, segui direto para o meu refúgio. Mas parei no meio da escada, diante de uma complicação que tentarei descrever: no quarto degrau, de baixo para cima, havia uma lata de leite condensado vazia. No fundo da lata, estava amarrado um cordão, que, através de um pequeno furo, o prendia a um pedaço de pau. Segui o cordão, que se achava enroscado no corrimão da escada, pelo lado de fora. Em cima, no alpendre, a ponta do cordão havia sido presa a um cabo de vassoura, e esta, por sua vez, estava colocada entre as grades do pequeno parapeito.

Debrucei-me para concluir o exame. E vi, lá em baixo, um balde com água até às bordas, colocado em local estratégico, isto é, sob a linha vertical do cabo de vassoura. Vários objetos estavam colocados depois do balde, inclusive engradados vazios, garrafas e uma gaiola velha, tudo com a finalidade de dificultar a fuga do gato, que, a esta altura, já deveria ter entrado em pânico. Sentei-me no quinto degrau, de cima para baixo, encostei a cabeça na mão e chamei Tiago. Ele apareceu, vestido numa capa esvoaçante, presa ao pescoço por uma fivela; tinha também um chapéu preto na cabeça, pois esta indumentária era o traje favorito de um vingador qualquer.

Tiago estava visivelmente contrariado com a interrupção do meu chamado, mas compareceu. Quando lhe perguntei que diabo era aquilo tudo na minha escada, ele me olhou com extrema paciência e explicou:
- Vovô, o gato vai subir a escada, não vai? O senhor não disse que ele sobe todo dia? Vai subir e achar a lata. Vai pensar que tem comida na lata, mas não tem. Quando ele meter a cabeça na lata, a corda tira a vassoura do lugar, lá em cima. O gato vai pensar que a vassoura está presa e termina caindo no balde. Quando sair do balde, não vai poder passar por cima das garrafas e da gaiola, porque está apavorado.”

Depois afastou-se, balançando a cabeça diante da lentidão do meu pensamento. Deixei no mesmo lugar a armadilha do meu neto e pedi a todos os familiares que me deixassem com minhas reflexões.
Eu inventei a história do gato para comprar silêncio. Tiago inventou uma armadilha que, se funcionasse, faria mais barulho do que ele e sua quadrilha.

Na manhã seguinte, já esquecido de tudo, tropecei na vassoura, escorreguei na corda e agarrei, molhado de suor, o corrimão da escada. Por um triz, não caí lá em baixo, dentro do balde. Pois queda de velho é uma desgraça.

Texto e imagem reproduzidos do Facebook/Fan Page/Petrônio Gomes.

Postagem originária do Facebook/MTéSERGIPE, de 2 de janeiro de 2016.

Homenagem a Dr. José Augusto Barreto


"Aproveitamos o Natal para uma visita de reconhecimento e gratidão ao velho mestre, nosso professor José Augusto Barreto e à sua inteligente esposa Dona Ceça... Um final de tarde agradabilíssimo. Quem estiver imaginando que foram amenidades e salamaleques engana-se redondamente, o Dr. José Augusto nos brindou com a leitura de algumas reflexões que ele anda escrevendo sobre o nosso Brasil e a medicina. Nossa homenagem ao médico e professor José Augusto Barreto". (Antônio Samarone).

Texto e imagem reproduzidos do Facebook/Antonio Samarone.

Postagem originária do Facebook/GrupoMTéSERGIPE, de 2 de janeiro de 2016.

José Carlos Teixeira

Ex-deputado sergipano lembra dos momentos da ditadura e do Golpe Militar.
Crédito - Marina Fontenele/G1.


Publicado originalmente no site f 24, em 31/03/2014.

‘Foi um momento traumático', diz ex-deputado de Sergipe sobe golpe de 64.

Por: G1 Sergipe.

José Carlos Teixeira, 77 anos, foi deputado federal de Sergipe por quatro vezes consecutivas e acompanhou de perto toda a agonia do período da ditadura no país. Nesta segunda-feira (31) ele relembrou o golpe militar há exatos 50 anos e contou como foi a sessão do dia 2 de abril de 1964 no Congresso Nacional, quando foi declarada aberta a vacância da presidência da república, vaga até então ocupada por João Goulart, o Jango, que ainda estava em território brasileiro. A sessão extraordinária foi convocada às pressas ainda durante a madrugada e marcou a história do Brasil ao oficializar golpe político. Teixeira também já foi prefeito de Aracaju e vice-governador do estado.

“Foi um momento traumático e difícil e eu estava ali para defender a democracia. A sessão iniciou, os microfones foram abertos e nós difundimos as nossas ideias. Eu falei que o golpe não era o caminho para uma democracia e que eles estavam cometendo um absurdo, um erro injustificável. Estávamos todos perplexos, sem rumo, sem saber como iria ser dali para frente”, lembra José Carlos.

Dias antes dessa sessão emblemática os parlamentares já se preocupavam e discutiam sobre os rumos que o Brasil. “O voto ali era mais de contestação ao absurdo que estavam praticando. A gente tem pensamento firme e decidido para expor as nossas ideias que representam a opinião pública. Evidentemente que tinha uma turma do ‘deixa para lá para ver como é que fica’ e ‘do não vamos dar murro em ponta de faca’, mas eu continuei firme contra toda e qualquer influência externa de parlamentares que não tinham compromisso com a verdade naquela hora difícil. Eu disse a eles para não perdessem tempo comigo tentando me corromper”, afirma Teixeira.

O parlamentar sergipano prestou solidariedade ao então presidente do Brasil. “Pedi ao deputado Pedro Simão que me representasse junto a João Goulart dando ele a minha solidariedade e que ele não tivesse dúvida que meu voto seria contra o golpe militar, mas que lamentavelmente não pudemos evitar porque foi tudo muito rápido”.

A repressão a várias categorias e a violência consequência dela não foram suficientes para intimidar José Carlos. “Nós já esperávamos algum ato de violência contra detentores do mandato na oposição, mas fomos cumprir com o nosso dever, mas em nenhum momento tive medo. Não hesitei em nenhum instante porque não faço concessões a atos que não sejam pró-democracia. Minha presença na vida pública é para cuidar do desenvolvimento de Sergipe e não para atender a chamados para interesses pessoais”, finaliza.

Texto e imagem reproduzidos do site: f24.com.br

Postagem originária do Facebook/GrupoMTéSERGIPE, de 2 de janeiro de 2016.

As Lembranças de Murillo Melins

Imagem ilustrativa postada MTéSERGIPE, reproduzida do Facebook/Murillo Melins.

Publicado originalmente no Jornal do Dia, em 31.12.2015.

As Lembranças de Murillo Melins.
Por Luiz Eduardo Costa.

Neste começo de janeiro o memorialista Murilo Mellins anda um tanto triste. Lembra-se do aniversário que faria dia 3 o amigo Decinho, sempre comemorado com muito uísque, apesar do dinheiro escasso. O scotch era falsificado, caseiro, e colocado em garrafas de Old Parr através de um sistema engenhoso que Nelson de Rubina, especialista em todas as tramoias, ensinava a fazer. As ressacas eram demolidoras.

Murilo, para vencer a tendência depressiva que os Natais despertam, vai rememorando casos e alinha episódios relacionados ao ridículo moralismo da província subjugada pela hipocrisia. Dois deles:
A empresária da moda Dona Vivinha tinha uma ¨maison¨ que levava o seu nome, e era frequentada pela grã-finagem com dinheiro, ou fingindo que o tinha. Havia um único modelo de maiô, era discretíssimo, inteiro, e com um saiote que descia até a metade das coxas. Junto estava escrito: Traje de banho permitido pela Ação Católica.

Esperava-se com muita ansiedade, naturalmente entre os homens, o anunciado espetáculo da performática vedete Luz Del Fuego. Ela exibia-se nua, tendo a envolvê-la uma jiboia que lhe cobria o sexo, enrolando-se pelas coxas e subindo por entre os seios. Com essa jiboia Luz Del Fuego fazia uma coreografia sensual, a maior ousadia da época, tolerada em alguns palcos do Rio e São Paulo.

O espetáculo em Aracaju era um desafio às normas, conveniências e fingimentos vigentes. Seria no Cinema Rex, na rua Itabaianinha, local hoje da agência central do Banco do Nordeste. No dia, formou-se, com antecedência de horas, enorme fila de marmanjos excitados. Aparece então o Chefe de Polícia, professor Monteirinho, para comunicar, até contristado, que, a pedido do Arcebispo o espetáculo fora vetado pela polícia. No mesmo instante passa em frente o automóvel Ford, preto, dirigido pelo Arcebispo, que viera observar se a ordem estava sendo cumprida. Recebeu uma vaia estrepitosa e saiu cantando pneus.

Texto reproduzido do site: jornaldodiase.com.br

Postagem originária do Facebook/GrupoMTéSERGIPE, de 2 de Janeiro de 2016.

Aracaju também é minha



Publicado originalmente no blog Luciano Correia, em 17/03/2014.

Aracaju também é minha.
Por Luciano Correia.

A inevitável força do acaso me jogou para todos os cantos do mundo desde cedo, de uma maneira tão irremediável, que resultei me sentindo em tantas cidades e ao mesmo tempo em nenhuma delas. Esse mundo do trabalho e da vida que nos impõe uma desterritorialização, me fez órfão de endereço fixo. No dizer dos Titãs: “Não sou de nenhum lugar/ sou de lugar nenhum”. E antes que soe lamuriento, vos asseguro: isso não é bom nem ruim, melhor ou pior do que poderia ter sido. Apenas um registro de coisas como o pouco tempo que a vida me deu para reviver na doce e pequena Macambira os primeiros sinais de vida, justamente aqueles que nos marca, lapida e garimpa pelo resto de nossos anos. Anos depois, talvez já muito tarde, busquei em vão retomar laços perdidos, mas, como a Itabira de Drumond, fotografia na parede, a “minha” cidade já não existia: Macambira vive na minha memória.

Em Itabaiana cheguei aos dez e fiquei até os dezessete, tangido pela aprovação em Engenharia na UFS. Mas lá ficaram os demais, a maioria deles, pai e mãe principalmente, razão que fez dela um razoável porto seguro, onde sei que tenho cama cativa. A Aracaju que parecia a parada final só me abrigou por três anos, o suficiente para a Engenharia desistir de mim, antes que eu dela. Fui viver, conforme Gil e Caetano, na Cidade da Bahia, uma estranha gente que nos via como “o quintal da Bahia”, proféticas premonições de que um dia, muito tempo depois, surgiria aqui um grupo de empresários musicais dispostos a nos devolver a condição de colônia, colonizados que nos mostrávamos entre requebros e abadás.

Vivi uma Salvador que trazia nos becos da velha cidade o fantasma ainda fresco de Gláuber Rocha, o cinema “de arte” dos Bairris, as festas na faculdade de Medicina do Canela, cerveja e pilombeta no Terreiro de Jesus, as putas do Maciel, o projeto Pixinguinha no TCA, todas as peças de Nelson Rodrigues na Escola de Teatro da UFBa. A residência estudantil das meninas na Araújo Pinho, a residência de Jacobina, as mijadas nas centenárias árvores do Campo Grande. Alegre Bahia onde busquei régua e compasso para outros traços. Triste era a Bahia oficial que eu ignorei do começo ao fim. Tanto que no carnaval eu largava antecipadamente minha morada, no Corredor da Vitória, antes do primeiro baticum. Ia descansar minha cabeça em amores sergipanos numa Atalaia Nova bucólica, de tantas lendas e tantos ais.

E assim fui por aí, Oropa, França e Bahia. Começando pelo Paraná, depois Cuba, a francesa São Luís do Maranhão, outro tanto em Maceió, mais cinco anos entre o Rio Grande do Sul e seis meses em terras de Espanha. Comigo houve de ser assim: sempre estou indo, sempre voltando. Aracaju nunca me foi estranha. Aqui, faço cara feia ou bonita sempre que me aprouver, porque sou dono do meu sorriso. Aqui recomeço como se nunca tivesse nada interrompido. Aqui sou unha e carne, fogo e paixão, encantamento e enfado, onde minha dialética se aplica no correr dos dias e noites.

A primeira Aracaju era o lugar para onde Papai ia todos os meses para os deveres de sua Exatoria em Macambira e voltava com a pasta cheia de maçãs, aquela fruta nobre, deliciosa, de algum lugar que só poderia ser muito distante de nossas jacas e pitombas. Era o lugar que eu pensava onde moravam aqueles artistas do álbum de figurinha Coleção 69, Roberto Carlos, inclusive. Lembro de Mamãe demonstrando um certo ciúme de Ângela Maria, a cantora, sei lá eu por quais motivos. Mas, como ela morasse ali onde Papai ia com uma frequência capaz de criar limo, não tive dúvidas: “Papai deve estar comendo esta moça”. Ele chegava com sua pasta de documentos e eu corria, antes das minhas irmãs, para pegar uma das maçãs destinadas aos cinco filhos (Serginho só veio depois, já em Itabaiana). Jamais, em toda minha vida, senti o cheiro de maçã como o da pasta de Papai, um maravilhoso aroma também colado à minha memória de forma definitiva.

Por essa mesma época, comecei a fazer viagens curtas para as visitas a um dentista, no cruzamento dos calçadões. Papai parava sua imensa Rural na Rua da Frente, cujo rio Sergipe me foi apresentado por Mamãe como sendo “O Mar”. Hoje, sabedor de que as palavras não contêm os atos e os pensamentos, sei muito bem que minha mãe se referia a uma boca de barra, nem tanto rio, nem mar ainda. Depois vieram outras e outras Aracajus, sobrepondo-as umas sobre as anteriores como camadas, a minha vida feita aqui, com paradas, idas e retornos, mas com o sentimento de que acabei grudando nela, como parte de mim, a cidade a quem eu recorro quando, em algum lugar mais remoto, alguém me pergunta de onde sou. Para não alongar a resposta, nem tornar minha localização um exercício penoso a quem pergunta, dou minhas coordenadas: ”Sou de Aracaju, Sergipe, no nordeste do Brasil”.

Texto e imagem reproduzidos do blog: luccorreia.blogspot.com.br


Postagem originária do Facebook/GrupoMTéSERGIPE, de 2 de janeiro de 2016.