sábado, 27 de setembro de 2014

“É difícil viver de teatro no Nordeste”, diz Jorge Lins

Foto: Márcio Garcez

Publicado originalmente no site F5News, em 03/03/2013

“É difícil viver de teatro no Nordeste”, diz Jorge Lins.
Diretor teatral fala sobre paixão e desafios das artes cênicas

Por Adriana Meneses

Criador e fundador do Grupo Raízes, o diretor teatral Jorge Lins de Carvalho, às vésperas de completar 56 anos de idade, e 40 anos de carreira artística, fala, nesta entrevista a F5 News, sobre a paixão pelas artes cênicas e os desafios de lidar profissionalmente nesse segmento no panorama cultural de Sergipe. Nascido em Aracaju, Jorge Lins é formado em Ciências Jurídicas e Sociais pela Universidade Federal de Sergipe.

F5 News: Quando surgiu a sua paixão pelo teatro?

Jorge Lins - Quando eu estudava no Colégio Atheneu Sergipense, no início da década de 70, eu assisti a uma montagem sobre a vida de Santos Dumont e despertei para esse universo mágico que é o Teatro. Engraçado que quando criança nunca tinha ido ao teatro, sou de uma geração órfã de espetáculos e projetos culturais aqui na cidade. Minha família sempre teve uma ligação muito grande com as letras, com a leitura, mas Teatro eu nunca tinha sonhado em fazer. Agora, é lógico que sempre tive uma tendência grande em contar histórias, viver histórias... Quando menino, tinha 365 tampas de garrafas e todas elas tinham nome e eu inventava histórias diariamente com elas, brincando pelo chão. Mas Teatro mesmo, só aos 13, 14 anos...

F5 News:Você é formado em Ciências Jurídicas e Sociais, porém nunca trabalhou na área. O teatro contribuiu para isso?

Jorge - Na verdade, quando eu comecei a estudar Direito na UFS, não havia naquela época solução de sobrevivência vivendo do fazer cultural em Aracaju. Há 36 anos, a opção para quem queria ser artista era ir para o sul do País. Eu não queria sair da minha terra, aí na época me meti com jornalismo, lecionava em escolas, Cursos de Pré-Vestibular e fazia teatro e música. Eu sempre tive um envolvimento muito grande com a área da música. Não sei se o Teatro contribuiu para que não seguisse a carreira jurídica. Na verdade, eu não me considero assim um "homem do Teatro" embora, minha principal linguagem seja realmente o teatro. Eu me acho mais um produtor cultural. Então, se eu me perguntasse se a minha paixão pela cultura fez com que eu não seguisse a carreira jurídica, eu diria que, assim que eu encontrei uma maneira de sobreviver fazendo o que faço, não tinha como fazer mais nada.

F5 News: Ao longo dos seus 40 anos de carreira, quantos espetáculos você já dirigiu ou participou? Teve algum que marcou especialmente a sua trajetória artística?

Jorge – Como ator, acho que fiz mais de 40 espetáculos diferentes e participei de mais de 20 shows. Como autor, eu tenho mais de 140 textos escritos. Agora que estou tentando resgatar todos os meus trabalhos e criar um site só para isso. Tem uns 10 anos que não subo num palco, só dirijo e produzo os espetáculos. Eu tenho a impressão que a peça que mais marcou a minha trajetória e a que foi mais montada foi "Quem descobriu o Brasil?" que já foi montada por vários grupos de vários estados.

F5 News: Como é trabalhar com o teatro em Sergipe? Existe apoio do poder público?

Jorge - Trabalhar Cultura no Nordeste é muito complicado. Não existe uma estrutura profissional por parte dos órgãos e instituições, que estão acostumados a dialogar com grupos e propostas amadoras. Há uma carência enorme de produtores e gestores de Cultura em Sergipe e em todo o Nordeste. Já se ensaia algumas iniciativas por parte do Governo, nas três esferas (federal, estadual e municipal), mas nada que possa ser lido como uma política cultural. O nosso grupo trabalha quase que especificamente com o público, sem editais, verbas de patrocínio e apoio estatal. As nossas iniciativas mantêm o nosso trabalho, a nossa ação. Estreamos espetáculo atrás de espetáculo. Esse ano, já foi "As mulheres de Hollanda" e agora "Quintal de sonhos". Em abril, "Drummond, o poeta maior", "O menino do dedo verde" e "A chegada de Lampião no inferno". E não paramos, funcionamos como uma fábrica de ilusões.

F5 News: Que tipo de apoio poderia impulsionar a expansão do teatro sergipano?

Jorge - Deveríamos ter projetos de circulação permanente de espetáculos, adequar salas no interior do estado para que pudéssemos criar um circuito pelos principais pólos das regiões, circular pelas escolas, levar as escolas para o Teatro, as faculdades, fazer um trabalho gigantesco de formação de platéias. Se um dia eu tivesse o poder nas mãos para decidir linhas e ações dentro da área, a prioridade número um seria a formação de plateias. Formar cidadãos conscientes e com envolvimento com a arte é fundamental para a formatação de um novo Brasil, mais humano, justo e desenvolvido.

F5 News: Como o público sergipano se comporta diante das produções teatrais dirigidas e apresentadas por artistas locais?

Jorge - Eu acho que mudou muito e isso é uma conquista de várias gerações. Do pessoal que veio antes de mim - Amaral Cavalnati, Aglaé Fontes, Bosco Seabra, Newton Lucas, Oto Cornélio, Vieira Neto, Walmir Sandes -, ao pessoal da minha época - Tadeu Machado, Neu Fontes, Paulo Lobo, Luiz Eduardo Oliva, Isaac Galvão, Lindolfo Amaral, Isabel Santos - e do pessoal que está aí hoje na luta - Lindemberg Monteiro, Bruno Kelvernek, Raimundo Venâncio, Diane Veloso, Flávio Porto, entre tantos. A luta de toda essa gente por tantos anos foi criando uma plateia para a nossa produção. Hoje, já existe público para espetáculos sergipanos. Eu me orgulho muito de ter um público caloroso e gigantesco sempre nos meus espetáculos. Há algum tempo atrás, era impossível se encher teatro com produção local, hoje encho constantemente. Acho que o trabalho do Grupo Raízes é fundamental para esse público que se criou para artistas da terra.

Texto e imagem reproduzidos do site: f5news.com.br

Postagem originária da página do Facebook/Grupo MTéSERGIPE, de 27 de setembro de 2014.

Grupo Parafusos, da cidade de Lagarto, no estado de Sergipe.

Foto reproduzida do Facebook/Fan Page/Sergipe, como eu vejo.

Grupo Parafusos, da cidade de Lagarto, no estado de Sergipe.

Grupo formado por homens vestidos de anáguas de renda completamente branca, eles realizam movimentos em 360º sobre si mesmos, no sentido horário e anti-horário dessa forma parecendo a “volta” de um parafuso. Formado pelo padre José Saraiva Salomão, a origem do grupo remonta o ano de 1897. O grupo faz alusão à fuga de escravos das senzalas.

Fonte: Edivan Santtos/lounge.obviousmag.org

Postagem originária da página do Facebook/GrupoMTéSERGIPE, de 26/09/2014.

terça-feira, 23 de setembro de 2014

Antonio Maia - Arte e alma de Sergipe


Infonet - Blog Luíz A. Barreto - 03/10/2008.

Antonio Maia - Arte e alma de Sergipe.
Por Luíz Antônio Barreto.

Nascido em Carmópolis, em 9 de outubro de 1928, quando aquele lugar ainda era Carmo, ex-vila e povoado de Rosário, servindo pelo “Maria fumaça” do “Chemins de Fer”, Antonio Maia Cruz, levou de Sergipe, nos olhos e na alma, todos os sentimentos e crenças, valores e costumes, que alicerçaram a sua arte, a um tempo simples e grandiosa, com a qual enfeitou e deu ao Brasil uma linguagem estética popular. Passou pela Bahia, terra de tantos mistérios, e terminou no Rio de Janeiro, onde nos anos de 1950 chegou para viver, com suas irmãs, uma existência de quase 80 anos, repartida entre a sobrevivência e as múltiplas manifestações do seu talento de artista. Parecia difícil conciliar a carreira militar, na Aeronáutica, com os pincéis, espátulas, telas e tintas, interessando-se por técnicas e temáticas próximas do povo, fosse o seu povo, como os ex-votos, fossem os orientais com os Tarôs, baralho de 76 cartas, seriadas em quantidades distintas de lâminas, de uso adivinhatório, e o Origami, com suas dobraduras de papel, além de outras sutilezas da alma humana.

Outro sergipano – Artur Bispo do Rosário – nascido em Japaratuba, nas vizinhanças de Carmópolis, levou para o Rio de Janeiro a tradição dos estandartes, que tanto abrem desfiles e apresentações de grupos folclóricos e de procissões, como fixa cores, partidos, nos ciclos de festas, notadamente o natalino, agregado a Santos Reis e São Benedito, ornado pela cerimônia de coroação de Reis negros, costume que desde o século XVII tem registro no Recife, em Pernambuco, e no século XIX populariza-se em Sergipe, em volta das igrejas matrizes, de invocações de Nossa Senhora da Vitória e Nossa Senhora do Rosário, ou nas capelas dos engenhos de açúcar e das fazendas de gado.

A lúdica sergipana ambientou entre Japaratuba e Carmópolis o povoado Entrudo, e guardou, nos primeiros dias de janeiro, na velha Missão de Japaratuba, a guerra das cabacinhas (que já foi conhecida como Limões de Cheiro) junto da qual desfilavam blocos de Maracatu, Cacumbís, Reisados, Cheganças, e outros fatos folclóricos que sobrevivem, de certa forma desfocados, como representações simbólicas do povo sergipano, ainda que formem uma base, na qual está contida a tradição, sem prejuízo da cultura popular que viceja nos contatos sociais, como uma expressão de liberdade num casulo subalterno que a economia impõe.

Antonio Maia carregava com ele esse substrato estético dos desvalidos, como tinha na retina a paisagem da sua terra, hoje pontilhada de “Cavalos de Ferro” e cortada de canos que levam óleo e gás para os depósitos da PETROBRÁS. Foi em Carmópolis, em 1963, que foi descoberto petróleo fora da Bahia, abrindo uma perspectiva de exploração, ao tempo em que revelava grandes jazidas de evaporitos, das quais atualmente a Companhia Vale do Rio Doce minera o Potássio, na Mina de Taquari-Vassouras, no município de Rosário do Catete. O contraste entre a riqueza do solo e a pobreza da população é mediado, muitas vezes, pelo calendário de festas, devoções, usos e costumes, fatos folclóricos autenticados pela genuinidade, dinamicidade, expressividade e colegialidade, que são as características que identificam a tradição da cultura brasileira, dominantemente ágrafe e multiétnica.

Antonio Maia tinha, engaiolados no seu apartamento do Rio de Janeiro, santos dos mais populares. Tinha, escorrendo pelas paredes, tocando o chão, quadros com ex-votos, como a retirar dos caminhos nordestinos as promessas, abrigadas na Santa Cruz de beira de estrada. As oferendas votivas, que dá a cada promessa sua graça, cada santo seu poder, cada pessoa seu merecimento, marcaram, por décadas seguidas, a pintura de Antonio Maia, vista nas exposições. Cabeças, olhos fixos, pedaços de corpo, com suas cores e dimensões dão forma ao universo onde a promessa está na base do compromisso e é algo sagrado para os que selam o pacto silencioso com a divindade e com os santos.

Assim como Artur Bispo do Rosário costurou e bordou o manto que vestiria para seu encontro com Deus, Antonio Maia muniu-se de ex-votos para configurar sua arte, até morrer, recentemente (12 de julho de 2008), sem doenças ou reclamações. Dormiu, não acordou. Faria, daqui a mais alguns dias, 80 anos e era, sem favor, um dos mais autênticos artistas do povo brasileiro. Em tudo que buscasse inspiração encontrava a raiz da tradição, os matizes da cultura, recriando as formas com a espontaneidade da gente simples, que nas valetas da vida teimam em resistir. Sua arte tem a força das bandeirolas simétricas, estiradas nos cordões que enfeitam os terreiros de sua terra, nas noites juninas. E, mais que Volpi, Maia fez de sua arte um varal, a expor suas singularidades cromáticas sociais, traçando o norte de suas pesquisas, de parentesco concretista.

Um irmão de Antonio Maia – José Maia Cruz – doublé de notário e de artista, viveu em Maroim desenhando os rótulos das bebidas da fábrica Hanequim, e cuidando das pinturas da Matriz, mantendo-as restauradas como um adorno sobre as cabeças dos fiéis.

Sergipe pai e mãe, que perderam o filho há tanto tempo desgarrado, vive na arte desse migrante da permanente diáspora que agita o coração da terra, universalizando-se e universalizando-a.

Texto e imagem reproduzidos do site: infonet.com.br/luisantoniobarreto

Postagem originária da página do Facebook/GrupoMTéSERGIPE, de 22 de setembro de 2014.

Santidades: pobres e mestiços criam céu em Sergipe


Infonet - Blog Luíz A. Barreto - 02/08/2008.

Santidades: pobres e mestiços criam céu em Sergipe.
Por Luíz Antônio Barreto.

João Dantas Martins dos Reis registrou, na Revista do Instituto Histórico e Geográfico de Sergipe, editada em 1942, a existência de uma Santidade nas terras de Riachão do Dantas.

Foi a curiosidade intelectual de João Dantas Martins dos Reis responsável pelo registro, na Revista do Instituto Histórico e Geográfico de Sergipe, nº 16, referente aos anos de 1939-1940, editada em 1942, de uma Santidade nas terras de Riachão do Dantas. O magistrado, de uma das mais tradicionais famílias ambientadas em Sergipe, escreveu o seu pequeno artigo, datando-o de 1939, sobre o ajuntamento no povoado Carnaíba, dando umas poucas informações sobre o ajuntamento de pobres e mestiços, criando um céu “ao vivo”, no qual as pessoas tomavam nomes de santos e repartiam tudo, vivendo comunalmente, em todos os sentidos. O autor dá notícia da reação local, dizendo que “as autoridades do Riachão e cidadãos qualificados, alcançando o perigo, resolveram destroçar com o novo céu em formação.”

Arivaldo Fontes e Ariosvaldo Figueiredo, recentemente falecidos, tomaram o registro de João Dantas Martins dos Reis, amplificando-o para a posteridade, em seus livros. Silvio Romero também tratou do ajuntamento de Riachão do Dantas, como mencionou a passagem de Antonio Conselheiro por Sergipe, noticiada pelo jornal O Rabudo, de Estância, por volta de 1876. As Santidades motivam o Inquiridor Geral Heitor Furtado de Mendonça, quando da Visitação na Bahia, em 1592/1593. Alguns habitantes das terras de Sergipe, que então pertenciam a Bahia, responderam a processos inquisitoriais, e dentre eles são citadas as Santidades. Diogo de Campos Moreno, que foi Sargento-Mor no Maranhão, é autor do Livro da razão do estado do Brasil, possivelmente de 1612, faz referência a Santidades em Sergipe.

Correu um Processo, na justiça de Sergipe, sobre a Santidade das Carnaíbas. O Juiz Municipal de Riachão do Dantas, Antonio Exupero de Almeida enquadrou os integrantes do “céu”, ou “almas devotas de Nossa Senhora da Agonia”, em crime de resistência, certamente porque reagiram aos batalhões formados para destroçar o lugar. Pela ausência de um Promotor em Riachão, o Juiz nomeou o jovem Abdias Farias de Oliveira, para atuar na Promotoria do caso, tomando-lhe o juramento, em 24 de janeiro de 1876. Abdias de Oliveira mais tarde cursaria Direito, seria Juiz em Campos (atual Tobias Barreto) e entraria na carreira jurídica em Pernambuco, aposentando-se como Desembargador naquele Estado.

O ajuntamento de Carnaíbas foi influenciado, certamente, por Antonio Conselheiro, que estava em Sergipe em 1875, ano do fato que uniu autoridades armadas, no destroçamento da reunião de homens e mulheres. A Santidade enfrentou o batalhão com armas simples, paus e pedras, manejados com coragem e com fé.

Conselheiro atravessou o território sergipano, fazendo e arrastando adeptos, construindo pequenas igrejas e cemitérios, como ficou na tradição popular. A igreja de Mocambo, depois Nova Olinda, atual Olindina, junto a Itapicuru, na Bahia, foi obra do Conselheiro, há poucos anos derrubada, para em seu lugar surgir uma nova igreja. Sabe-se de gente de Sergipe formando sob a liderança de Antonio dos Mares, como também chegou a ser conhecido, e alojando-se no Monte Santo, como parece ser o caso de Estevam, cativo de uma viúva residente em Porto da Folha, na Província de Sergipe, que foi acusado de “ andar embriagado e insultar as autoridades”, como o Juiz de Direito da Comarca de Itapicuru, na fronteira da Bahia com Sergipe. Estevam e outras pessoas, como José Manoel, citados na Delegacia da Vila de Itapicuru, através do ofício datado de 28 de julho de 1876, dirigido ao Alferes Diogo Antonio Bahia, como “fanatizados e partidários do preso Antonio Vicente Mendes Maciel” atestam, com seus nomes, o envolvimento de sergipanos no cordão dos seguidores do Conselheiro, que 20 anos depois faria de Canudos uma epopéia de pobres e de mestiços, santificados pela mesma resistência: uma Santidade.

Há, nos jornais sergipanos, farto noticiário sobre Conselheiro em Canudos, na Bahia. Manoel Pedro das Dores Bombinho, mestre da banda de música de Simão Dias, na fronteira oeste de Sergipe com a Bahia, porta de acesso a Canudos, escreveu um livro, em versos, sobre a saga do Conselheiro, que permaneceu inédito desde 1897 até 2002, quando foi finalmente editado, em São Paulo, graças ao esforço de Marco Antonio Vila. Mas são raros os registros da presença do líder cearense, na década de 1870 no território sergipano.

A Santidade de Carnaíbas tem todas as características de um movimento messiânico, e apesar do nome de Antonio Vicente Mendes Maciel não aparecer no Processo por crime de resistência, em Riachão do Dantas, não quer dizer que não fosse ele um mentor, um inspirador e até mesmo um organizador. Dando-se o crédito devido a que ele estava, naquela ocasião, preso, em Itapicuru, a poucos quilômetros do território do Riachão do Dantas, mais fácil fica ligar sua influência no ajuntamento.

O jornal A Notícia, publicado em Aracaju, noticia, em 4 de dezembro de 1896, que seguiram várias tropas para Canudos, onde o “célebre fanático Antonio Conselheiro entendeu de estabelecer-se com seus sectários, subtraindo-se ao regime da lei e a obediência devida às autoridades federais e estaduais.” Na edição de 30 de março de 1897 o mesmo jornal refere-se a uma carta, datada de Divina Pastora, situada na região açucareira sergipana, em 14 de abril de 1895, tratando da adesão de filhos e moradores de Sergipe ao cenário do Monte Santo. Diz a carta, dirigida a Lellis Piedade: “A febre emigratória para Belo Monte, outrora Canudos, há chegado, nestes últimos tempos, ao último grau de intensidade no termômetro da ignorância deste povo cá do centro. É uma moléstia fanático-cerebral que vai contagiando até pessoas que supúnhamos refratárias à ação de tão estranho quão ridículo morbus. E como não ser assim, ilustre redator, se, naquela moderna Canaã, ao verbo poderoso de Antonio Conselheiro surgiu o rio de leite, imaginado de uma massa congênere a do cuscus de milho.”

O ingrediente da Cocanha, presente em Canudos, mas citado nos séculos anteriores em parte do nordeste brasileiro, também esteve incrustado nas Santidades, como parte do mito do encoberto, ou Sebastianismo, presente na formação da cultura do povo brasileiro.

Texto e imagem reproduzidos do site: infonet.com.br/luisantoniobarreto

Postagem originária da página do Facebook/GrupoMTéSERGIPE, de 22 de setembro de 2014.

Apenas Ontem


Publicado originalmente na página do Facebook de Petrônio Gomes.

Apenas Ontem.
Por Perônio Gomes.

Quando voltei, haviam construído um grande edifício em Aracaju, na esquina da rua Laranjeiras com a João Pessoa: era o prédio da “Moda”, de João Hora, o segundo a possuir um elevador; o primeiro ficava no “Serigy”, Praça General Valadão, depois Secretaria da Saúde. Os pavimentos superiores do prédio da Moda eram alugados para consultórios e escritórios diversos.

A “Livraria Regina” de minha infância estava a todo vapor, tendo à Frente o sr. José Apóstolo de Oliveira Neto, um perfeito cavalheiro, perito em seu ramo. José Apóstolo era fotógrafo nas horas vagas e tinha em seu acervo as mais belas fotografias da cidade. Cultivavam o mesmo passatempo os meus colegas do Banco do Brasil, Hugo Ferreira e Carlos José Cabral Duarte, irmão de Dom Luciano Duarte.

A loja de “P. Franco & Cia.” era a campeã dos eletrodomésticos, tendo por proprietário-gerente o sr. Francisco Franco, com sua proverbial tranquilidade. Comecei a comprar em sua loja os meus inumeráveis LPs, dos quais ainda guardo muitos exemplares, a despeito do ostracismo em que foram jogados. Aliás, minha primeira geladeira também foi comprada no mesmo endereço. Sabem que trabalhava na primeira fila do atendimento dos aparelhos domésticos? Heribaldo, dono do posto de combustíveis da rua de Laranjeiras e Raimundo, também empresário de sucesso.

O “Ponto Chic” continuava com o galardão de lugar principal da cidade, tal como nos meus tempos de menino, quando os frequentadores do Cinema Rio Branco se retiravam depois do espetáculo para o costumeiro sorvete. Depois, o passeio em volta da praça Fausto Cardoso para aquela “paquera” à moda antiga, misturada com medo.

“Marinete” ainda era o apelido dos ônibus, que faziam ponto na rua da frente. Ainda não se pensava na construção da Rodoviária pelo Governador Luiz Garcia, o que veio a acontecer pouco depois. As “marinetes” vieram substituir os meus queridos bondes, aqueles simpáticos veículos balouçantes que transportavam passageiros vestidos de linho branco e usando chapéus de panamá. Era comum o gesto de ceder o lugar a uma senhora e continuar a viagem no estribo do bonde, com terno branco e tudo...

A “Associação Atlética de Sergipe” era ainda o elegante clube da Vila Cristina, onde aconteciam as melhores festas, a “menina dos olhos” do dr. Bragança, que morava na rua de Itabaiana, esquina com a rua Boquim, onde mais tarde a “Varig” resolveu montar sua agência.

“A. Fonseca & Cia. Ltda.” era, de longe, a primeira no ramo de ferragens e materiais de construção, e continuava assim quando voltei. Depois, vieram os anos de crepúsculo, o definhamento progressivo, que tanto pode acometer o corpo dos homens quanto o fruto do seu próprio trabalho. Não falarei mais sobre o mesmo que aconteceu a tantas firmas que eu sempre julguei como verdadeiras rochas, esquecido de que somente um Rochedo existe.

Quando voltei, trazia no coração a ideia tola de encontrar minha cidade do mesmo modo, tal como os brinquedos que ia buscar quando voltava do colégio. Voltei para assistir à passagens dos anos difíceis, aqueles que marcam as transições inelutáveis da vida.

“Setenta anos é a vida do homem”, reza um dos Salmos. “Os mais fortes chegam aos oitenta, a maior parte ilusão e sofrimento.”

Fiz o possível para não escrever aqui nada que lembrasse o sofrimento, preferindo a parte da ilusão, a coisa mais parecida que existe com a esperança...

(imagem: sergipeemfotos.blogspot.com.br onde se pode ver em destaque o prédio de 'A Moda' na esquina, seguido de o "Ponto Chic", a "Livraria Regina" e a "Joalheria Safira").

Texto e imagem reproduzidos do Facebook/Fan Page/Petrônio Gomes.

Postagem originária da página do Facebook/GrupoMTéSERGIPE, de 22 de setembro de 2014.

Família Campos


Aida Campos:

Meu pai Laurindo Campos, ministro Geraldo Sobral e tios Lises e Maria Helena Campos.

Postagem originária da página do Facebook/GrupoMTéSERGIPE, de 27 de fevereiro de 2014.

Dr. Darcilo Costa, Carlos Henrique (Bonequinha)...


Olha aí o que Celsinho Celso Oliva mandou. Vejam:

Dr. Darcilo Costa, Carlos Henrique (Bonequinha), tio Adroaldo Campos, D. Carmelita mãe de Marcos, Dr. Heribaldo Vieira, Dr. João Aguiar, Dr. Paulo Moura, meu pai Laurindo Campos, Dr. Epaminondas e de branco Dr. Aloisio Abreu.

Confiram !!!!

Postagem originária da página do Facebook/Grupo Minha Terra é SERGIPE, de 8/06/2013.

Família Campos


Aída Campos em Capela/SE - Anos 70 - Acervo da família.

FAMÍLIA CAMPOS - Os filhos de Adroaldo Campos - Dudu da Capela - e Ocirema Alves Campos 

Lealdo Lima Campos, Aldo de Jesus, Laurindo Alves Campos, Adroaldo Campos Filho, Lisaldo Alves Campos, Lenalda Campos Duboc e Lises Alves Campos.

Postagem originária da página do Facebook/Grupo Minha Terra é SERGIPE, de 16/09/2012.

domingo, 21 de setembro de 2014

A Biblioteca de Petrônio Andrade Gomes

Petrônio, Lúcio e Henrique Batista na Biblioteca (foto).

Infonet - Blog Lúcio Prado - 18/01/2008.

A Biblioteca de Petrônio Andrade Gomes.
Por Lúcio Antônio Prado Dias.

A magnífica biblioteca do Dr. Petronio Andrade Gomes, um rico acervo com mais de 15 mil livros, além de documentos dos mais variados, sobre todos os assuntos, é a maior biblioteca privada de Sergipe, na visão de Cabral Machado.

A minha paixão pelos livros vem da infância. Desde cedo, gostava de ler, afinal não tínhamos muitas opções de lazer e entretenimento. Dos gibis em quadrinhos aos clássicos da literatura infanto-juvenil (“A Ilha do Tesouro”, “Moby Dick”, entre outros) aos contos policiais de Agathe Christie, os romances de Sidney Sheldon e as tramas bem urdidas de Frederick Forsyth, além dos livros de Jorge Amado, li quase todos.

As coleções de livros vendidas em bancas de revista eram uma atração à parte para mim, principalmente pelo seu baixo custo. A mesma coisa acontecia com a série de fascículos sobre os mais variados temas, que colecionava semanalmente e depois levava para encadernar. Fiz amizade duradoura com o Sr.Theódulo Cortez, que morava na esquina das ruas Propriá e Pedro Calazans e trabalhava com a encadernação de livros. Admirava demais o seu trabalho e só vivia por lá, trocando idéias sobre livros e literatura. Considerava-o um artista pela habilidade que possuía, para mim uma atividade nobilíssima. Nunca mais o vi.

Com muitos livros, comecei a ter problema de espaço para acomodá-los. Como arrumar convenientemente tantos livros sem comprometer outras necessidades do lar. Terminei por transferir todos os meus livros para a nossa clínica na Praça da Imprensa, somados com os de minha irmã, Magali, também uma apaixonada pelos livros. Pensamos em montar uma locadora, mas desistimos. Depois montei uma livraria, a Canal Livro, realizando o sonho louco de trabalhar com livraria no Brasil, um país de poucos leitores. Não deu certo. Com a venda da clínica, anos depois, resolvemos colocar esse acervo à disposição da FTC – Faculdades de Ciências e Tecnologia, que o colocou numa sala em sua sede na Rua Vila Cristina, criando a Biblioteca Jornalista Antonio Conde Dias. Todos os nossos livros estão agora lá, sendo devidamente cadastrados e organizados nas estantes.

Fiz esse preâmbulo para reforçar a opinião que tenho sobre a magnífica biblioteca do Dr. Petronio Andrade Gomes, um rico acervo com mais de 15 mil livros, além de documentos dos mais variados, sobre todos os assuntos. Lá temos nos reunido com alguma freqüência, trabalhando na preparação do nosso Dicionário Biográfico dos Médicos Sergipanos e a cada vez que a visito percebo que ela se supera em tamanho e organização. Há anos, num trabalho exaustivo e minucioso, ele vem recebendo adquirindo volumes e recebendo doações de bibliotecas inteiras de médicos falecidos e de outras personalidades sergipanas.

Petrônio Gomes, neurocirurgião formado pela UFS e com especialização no serviço do Dr. Paulo Niemayer, no Rio de Janeiro, é um colecionador vocacionado. Membro atuante da Academia Sergipana de Medicina e do Instituto Histórico e Geográfico de Sergipe, ele tem dedicado todo o seu tempo de descanso e lazer aos livros, com especial interesse às obras que versam sobre a história de vultos da nossa Medicina. Sua família tem tradição. Seu pai, o jornalista Petronio Gomes, é contista dos bons, escreve com freqüência nos jornais. Seu tio, Carlos Cabral, grande pesquisador da genealogia das famílias sergipanas, conseguiu reunir 70 mil nomes das mais tradicionais famílias sergipanas, trabalho que foi continuado por Ricardo Gomes, irmão de Petronio, mas interrompido em função de sua morte prematura. Todo este acervo está na biblioteca, esperando somente a hora de ser finalizado e publicado.

Manoel Cabral Machado, o grande escritor sergipano, disse recentemente em artigo publicado no Jornal da Cidade, com a autoridade e a experiência que possui, que a biblioteca particular do Dr. Petronio Gomes, esse “médico talentoso que cuida da arrumação das cabeças atrapalhadas”, é a maior que já viu. E realmente todos que a visitam ficam fascinados com o carinho que ele dedica aos livros e pelo compromisso que assumiu de preservar a história de uma forma tão decidida e arrojada. E à medida que o acervo cresce, os espaços se ampliam indefinidamente.

Se no passado recente os livros representavam, para regimes ditatoriais e de exceção, uma forte ameaça por propiciar a difusão de ideais libertadores, hoje eles sofrem, em função dos avanços tecnológicos, notadamente pela disseminação dos computadores pessoais, um claro processo de rejeição. E não são poucas as pessoas que querem se livrar desses “troços inúteis”. Não é assim que pensa o Dr. Petronio Gomes, nessa saga meritória que optou desenvolver.

Homens passam, livros ficam. Nesse histórico ano de 2008, que registra o 200º aniversário de fundação da primeira escola médica do país, a vetusta Faculdade de Medicina do Terreiro de Jesus, na Bahia, talvez a maior herança trazida por D. João VI e sua família tenha sido a Real Biblioteca. Hoje conhecida com Biblioteca Nacional, com sede no Rio de Janeiro, tem um acervo de mais de 10 milhões de itens, contando a história do Brasil e boa parte da história mundial, sendo uma das maiores bibliotecas do mundo.

Conhecer, contemplar e enaltecer a biblioteca do Dr. Petronio é dever imperativo de todos aqueles que entendem o valor do livro como instrumento de transformação social e de preservação da história.

Texto e foto reproduzidos do site: infonet.com.br/lucioprado

Postagem originária do Facebook/Grupo Minha Terra é SERGIPE, de 19 de setembro/2014.

Cabral, Mário Cartas Abertas


Publicado originalmente no Blog Luiz Eduardo Costa, em 18/09/2011.

Cabral, Mário Cartas Abertas.

Vem, outra vez, Marcelo Ribeiro a publicar mais um livro. Marcelo é um escritor que não apenas publica mais um livro. Pelos caminhos das letras que tem palmilhado, ele se foi tornando um mestre. Começou com poemas, fez um depoimento político, quase um libelo como ex-deputado que cedo desencantou-se. Poderá merecer pertinentes contestações, mas, ninguém retirará dele a autoridade moral que tem para produzir critica, até para se permitir ser contundente.

Mas essa é uma página definitivamente virada. O médico que fez uma breve opção pela política, deu consistência a uma outra vocação, esta, que o acompanhará por toda a vida: a do fascinante ofício do fazer literário. Nisso, ele encontra a prazerosa alternativa de plena realização existencial. Ganham os leitores, cresce a tradição cultural de Sergipe que anda a tentar reerguer-se. O novo livro de Marcelo Ribeiro, Cabral, Mário Cartas Abertas, é algo que ele doa para essa obra de agiornamento sergipano.

Interessante constatar que a admiração por Mário Cabral, o imenso afeto que uniu duas famílias, a de Cabral bem mais idoso, a dos Ribeiro, ai representada por Marcelo e seu irmão Wagner , o helênico poeta, nasceu a partir de um desencontro, de uma indignação. Jose da Silva Ribeiro Filho, pai de Marcelo, publicou uma ácida carta Aberta a Mário Cabral, protestando contra o que entendeu como ofensa a seu pai, honrado comerciante, que construíra vistoso prédio, depois transformado em lupanar imenso, e ao qual o aracajuano sarcástico, logo passou a chamar de Vaticano. A ofensa estava contida no livro Roteiro de Aracaju, ou¨ livrinho¨, como o classificou um magoado Silva Ribeiro. O leitor encontrará então, no livro de Marcelo sobre Mário, o desenrolar de uma exemplar recomposição, de atávica e constrangedora desavença numa amizade plena de convergências, culturais, humanas, uma visão de mundo forjada ao longo do tempo na parceria de dois irmãos ainda jovens, e um velho, com seus tormentos, suas ânsias, decepções, sonhos, e muito mais esperanças. Tudo isso se corporifica em cartas, naquele esquecido hábito epistolar, que resiste ainda ao celular e à Internet, cartas, trocadas entre Mário e Marcelo. O livro tem essa beleza, por não deixar de ser poesia, enquanto fluem depoimentos, excertos biográficos, opiniões, história, estórias. E, sobretudo, vida.

Texto reproduzido do blog: luizeduardocosta.blogspot.com.br
Foto: Divulgação.

Postagem originária do Facebook/Grupo Minha Terra é SERGIPE, de 20/09/2014.

De como João Gilberto aprendeu a tocar violão com...


O Livro "Lá do Lado de Cá - O País da Tropicália", de autoria do médico e escritor Marcelo da Silva Ribeiro, traz relatos de quando o cantor e compositor João Gilberto morou aqui em Aracaju, sendo aluno interno do Colégio Jackson de Figueiredo. Nessa época, conviveu com Ezequiel Monteiro, Bissextino e aprendeu a tocar violão com Carnera...

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Segue abaixo, capítulo extraído do livro "Lá do Lado de Cá" - O País da Tropicália, de Marcelo da Silva Ribeiro*

De como João Gilberto aprendeu a tocar violão com Dorothy Lamour.

João Gilberto morou em Aracaju. Foi aluno do Jackson. Aprendeu a tocar violão com Carnera. João Gilberto é amigo de Carnera e de Ezequiel Monteiro. Ah! É amigo também de Bissextino. E de Aécio Dantas. João Gilberto no início da carreira veio se apresentar no Ateneu e foi vaiado quando cantou “o pato... vinha cantando alegremente, quém, quém...”.

Frases soltas que aracajuanos, desde meninotes, habituaram-se a escutar. Excêntrico e arredio, o mito se presta a lendas, aqui e acolá. Provincianismo incluído, é com açúcar e com afeto que os sergipanos a ele nos referimos, satisfeitos em de sua história fazer parte. Mesmo que a gente do sul a nós insista em reservar pálidas e inconsistentes linhas. Saboroso observar que quando diziam da vaia, percebia-se a reprovação ao público, despreparado para as invenções do João. E vaia mesmo não houve, assegura o contista Paulo Fernando Teles Morais, presente ao espetáculo, arredio a conversas fiadas. A iniciativa de convidá-lo para comemorar o primeiro aniversário da Rádio Cultura de Sergipe foi do locutor L Santos, o Luciano Alves que adiante faria sucesso na rádio Globo do Rio de Janeiro. O avião que trouxe João chegou antes da hora prevista e Clodoaldo Alencar, o Alencarzinho, diretor artístico da rádio, recebeu ligação telefônica: “aqui é o João, João Gilberto. Como ainda não sei onde fica a rádio, vim para a porta do Jackson, onde estudei. Estou aqui com D. Judith e com o professor Benedito”. À mestra atribui João o hábito de, em qualquer cidade do mundo, sempre andar pelo lado externo da calçada quando se faz acompanhar de mulher ou idoso. Luciano, fã ardoroso, foi ?nbsp;s pressas buscá-lo. Hospedou-se no Hotel Marozzi, no centro da cidade, e ?nbsp; noite, Paulo Fernando foi com o amigo Ezequiel Monteiro – que morara no Rio enquanto escrevia para o suplemento literário do Jornal do Brasil, e lá fizera sólida amizade com João – apanhá-lo. Deram uma passada na Gruta sergipana, um bar localizado no centro da cidade, antes de se dirigirem ao Ateneu. No auditório, houve, sim, certa inquietação do público, principalmente da parte de pessoas mais maduras, acostumadas a ouvir sambas-canções, boleros, guarânias etc. Admiradoras de Nelson Gonçalves, Sílvio Caldas, Dalva de Oliveira, e naturalmente despreparadas para o choque gilbertiano. Mas a falta de entusiasmo não descambou para o desrespeito. Do Ateneu, João se deslocou para a Associação Atlética, para nova apresentação. Lá, recusou-se a cantar enquanto não fossem buscar o amigo Bissextino; a plateia impacientou-se e houve problemas com o som (o microfone chiava muito). O cantor, que ainda não era esse sucesso todo naquele novembro de 1960, aqui ficou uns 15 dias.

Segundo o radialista Alceu, irmão de Ezequiel, na véspera do show João ficou um tempo grande sentado na calçada da casa da mãe do amigo, admirando e até encetando conversa com um gatinho da rua.

Trocava o dia pela noite. Docilmente deixava-se arrastar: esteve na casa de várias pessoas, participou de noitada na boate Manon, ponto preferido dos boêmios. Cantou e tocou durante toda a noite no quintal – em volta dum pé de cajarana – do músico Macepa (excelente violonista de afinado ouvido, que fazia parte do grupo de Carnera). Informa Marcos Mutti que João, “que não bebia nem fumava”, empolgado com a beleza, elegância e inteligência da negra Diná, repetia a toda hora: Diná, Diná, Diná, Diná... Ficava dedilhando o violão muito tempo em busca duns acordes (“chegava a entrar em êxtase”) e não admitia que alguém tocasse ou iniciasse conversa. E pedia para Dadá, uma preta enorme que ?nbsp;s tardes vendia doces, mãe de criação de Macepa, cantar inúmeras vezes uma canção folclórica: “Severo é bom, é bom demais, Severo é bom, é bom rapaz; o defeito que ele tem é ter ‘os pé’ pra trás; Severo é bom, é bom demais...”. A insistência de João, que a queria cantando assim a noite inteira, chegava a irritá-la. Sem paciência, Dadá reclamava: “eita homem chato”. João “era simpático, um homem elegante, mas exasperante”, afirma Mutti.

Alencarzinho (ele e o radialista Sodré Júnior eram companheiros de João nas andanças noturnas) diz que o cantor se ria muito ao ouvir a súplica: “por favor, vá embora da cidade. A gente trabalha e precisa dormir. Não aguentamos tantas noites em claro”. O ídolo de João, Orlando Silva, o cantor das multidões, certa vez viera se apresentar num final de semana. E, registra Murillo Melins, “devido ao sucesso retumbante e ?nbsp; paixão que nutriu por uma moça sergipana, filha de tradicional família da terra, ficou por aqui mais de trinta dias, fazendo serenatas para sua bem-amada, ou aceitando convites para cantar em residências, em fazendas de seus fãs, onde havia mesa farta e muita pinga”. Ia muito ao sítio Guarujá, localizado em Socorro, município vizinho de Aracaju; calabresa era seu tira-gosto preferido.

Mostrou-se João embevecido com o sossego da pequena cidade: saía pela rua Arauá, perto do colégio, e dizia que aquilo era uma beleza – a existência das casas, o namoro na porta, moradores nas janelas, e as pessoas colocando, ?nbsp; noite, cadeiras na calçada para ouvir a Hora do Brasil (janelas abertas e o rádio, símbolo de status, na sala da frente). “Em breve, nada disso vai mais existir, vão destruir tudo. Vão construir edifícios e ninguém vai poder conversar de fora para dentro das casas”. Gostava também de passear, com Luciano, pela rua da Frente, admirando o reflexo da lua no leito do rio. A rádio não teve condições de honrar o compromisso de pagar os 80.000 (cruzeiros?). João recebeu, bem-humorado, a metade: “vocês só me pagam isso e vieram com tantas exigências... de outra vez paguem melhor. Mas eu vou aceitar...”. Deixou saudades. Tempos depois, recebe Clodoaldo uma ligação telefônica: “estou aqui na pensão Margarida (na Av. Sete de Setembro, em Salvador, perto da Vitória); peça a Ezequiel para ele vir me ver”. Recebeu a visita.

A verdade é que, bom traço do baiano, João se manteve fiel ?nbsp;s amizades há muito aqui semeadas: Carnera, Bissextino, Ezequiel Monteiro, Aécio, Salvador, Luciano. Quando no dia 15 de março de 1996, uma sexta-feira, se apresentou no EMES, referiu-se com muito carinho aos velhos amigos e falou em algumas ruas (Laranjeiras, João Pessoa) com intimidade de filho da terra. Evocou, bem-humorado, a época em que aqui viveu. Cantou música de Bissextino. Os colegas de turma no Colégio Jackson de Figueiredo, Aécio Dantas e Salvador, foram carinhosamente recebidos no hotel Del Mar, após o show. Aécio foi esperado no corredor: “Aecinho você é f... ; veio aqui atrás de mim”. Apesar de instalado numa suíte, o calor era terrível: ar condicionado desligado e janelas fechadas, “para não estragar a voz”, justificou a Mamede, filho de Aécio. Houve um momento em que João e Salvador sumiram. Voltaram rindo: “quando eu encontro com Salvador, tenho de tocar Bahia com H e mais umas duas canções para ele”. Salvador, um humilde mulato de baixa estatura e nariz de “árabe ou turco” (alvo de brincadeiras do João) já merecera apreço do ex-colega quando, ao tomar conhecimento da sua presença em São Paulo, João o alojou no luxuoso Maksoud Plaza, onde estava hospedado. Gostava Aécio de contar uma conversa com João (este no Rio) ao telefone. “João, Salvador me procurou esses dias e disse: “o senhor poderia me dar uma ajuda, pois estou passando uma dificuldade...” Após um considerável silêncio, respondeu João: “Aecinho, eu não acredito. 

Salvador lhe chamar de senhor??!”. Mas, no encontro do Del Mar, com discrição encarregaria Aécio de converter 300 dólares em reais e repassá-los ao amigo pobre. Há cerca de 5 anos, Aécio ligou para o cantor e lhe disse ter uma notícia que não era boa. Ouviu: “Aecinho, então não dê, não”. Desse modo desconhece até hoje a morte de Salvador.

Tão marcante a sua estada no colégio que, no dia seguinte ao show, montou num táxi e foi visitá-lo. Encontrando-o fechado (era um sábado), contou com a benevolência do vigia para percorrer as instalações. Certamente, lembrou-se dos castigos aplicados pela rigorosa diretora (ele e Aécio não eram exemplos de bom comportamento) e dum colega seboso, que retirava catota do nariz e casca da ferida da perna com a mão direita e levava as imundícies ?nbsp; boca, enquanto tomava café. Passaram João e Aécio a pegar nas asas das xícaras com a mão esquerda. Tudo isso fora motivo de conversas com Aécio. E se alguma dúvida pairar sobre a simplicidade de João, uma informação adicional: por falha do garçon, que não colocara abridor de garrafas na suíte, o universal João abriu Cocas e garrafas de água mineral na fechadura da porta. Sem reclamar.

Conta Eduardo Oliva que inicialmente estranhou, quando há anos tomou conhecimento – através de sergipana amiga do astro – no Rio de Janeiro, de que João Gilberto dizia que gostaria de, quando voltasse a Aracaju, descer na Ponte do Imperador e encontrar um longo tapete vermelho que o levasse até o Jackson, distante cerca de 450 metros. Demorou Oliva a entender o modo oblíquo de demonstrar afeto pela cidade.

Urcino Fontes de Araújo Góes, o Carnera, procurou conciliar atividades de funcionário público (Correios) com a de único representante de produtos farmacêuticos no Estado. Mas sua ocupação maior e melhor era a de boêmio e seresteiro. “Meu tio não era muito de trabalhar, gostava mesmo era de uma farra. E me levava, ainda criança, para apresentações, com o seu Regional, em diversas cidades do interior”, relembra, prazerosamente, a médica e jornalista Ilma Fontes. Folião de primeira, pioneiro do carnaval em Sergipe, em 1937 fez dupla com a cunhada Jenny – ela desfilou como rainha do carnaval e Carnera como rainha moma. Detalhe ponderável é que o apelido decorrera de gozação com sua exagerada magrém – com 1,75 m de altura, nunca passara de 40 quilos, enquanto o boxeador Primo Carnera, que se apresentara em Aracaju, era um forte campeão mundial de todos os pesos.

Dorothy Lamour? Ora, o episódio que passo a contar é do tempo em que os aviões Catalina amerrissavam no Sergipe, rio que banha a cidade. Pequenos barcos apanhavam os passageiros e os trazia para a Ponte do Imperador, o atracadouro construído para receber D. Pedro II em sua viagem, de navio, ao Estado. Um dia espalhou-se por toda a cidade o anúncio da visita da diva norte-americana. Símbolo sexual da época – ousara exibir belíssimas pernas no filme Tarzan –, Dorothy fora miss Nova Orleans e chegou ?nbsp; Belacap, em 1947, para filmar Road to Rio, onde fazia papel de uma brasileira. Decidira, sorte nossa, vir (acompanhada de seu partner) dourar os sonhos dos sergipanos. Homens e mulheres se acotovelavam na balaustrada para admirar a chegada da musa. Preocupado com o comportamento da multidão, o partner deu um jeito de escapulir, mas a deusa, com vestido sensual e pernas ?nbsp; mostra, seguiu em frente. Somente já bem perto do cais foi reconhecida pelo excelentíssimo prefeito da capital que, bem-humorado, digeriu a galhofa: “mas é o nosso querido Carnera!”. Para essas patacoadas, Carnera contava com a mãe, boa costureira.

Perfeitamente compreensível que a paixão dos dois pela música tenha reforçado a amizade, mas Carnera conheceu Juveniano de Oliveira por intermédio de negócios. Morador de Juazeiro da Bahia e casado com Dona Patu, trouxe Juveniano (um comerciante que tocava cavaquinho e saxofone), o filho João – veio também outro filho – para estudar interno no colégio particular tradicionalista, dirigido com mãos-de-ferro pelo casal Oliveira, localizado na praça da Catedral, no centro da cidade. No livro Chega de saudade, Ruy Castro se equivoca: “aos onze anos, em 1942, seu pai mandou-o para um colégio interno, o Padre Antônio Vieira, em Aracaju”. O Antonio Vieira é conhecido colégio da capital baiana. Recomendado pelo pai, pôde o menino tímido usufrir da liberdade de frequentar a residência de Carnera. Afável, Urcino fez das diversas casas onde morou refúgio de amigos boêmios. Era casado com Anayde Marsillac, uma professora de violino que, íntima de partituras, muito proveito trouxe para as atividades musicais do marido e seu grupo. Anayde dirigiu o Conservatório de Música e foi violino spalla da Orquestra Sinfônica de Sergipe. Em casa, ministrava Carnera aulas para cerca de uma dezena de pessoas. Devido ?nbsp; amizade com o pai, destinou um violão especialmente para o aluno João Gilberto, enquanto ele por aqui esteve. E levava-o para assistir a apresentações do Regional na rádio Aperipê, localizada no último andar do Instituto Histórico e Geográfico de Sergipe, a cerca de trezentos metros do Jackson. Esse fato empalidece a afirmação de Ruy Castro de que “aos quatorze anos, numa das férias em Juazeiro, um padrinho boêmio deu-lhe um violão. Era o que ele precisava. Aprendeu a tocar pelo Método Elementar Turuna, daqueles vagabundos, impressos em papel-jornal...”. Após passar um tempo em São Paulo, onde trabalhou na rádio Pan-América, preferiu Carnera voltar para a província.

Entrelaço o movimento Bossa Nova com o Estado de Sergipe. Acredito terem sido os anos 1942, 1943, 1944 e 1945 determinantes na carreira de João Gilberto, nascido em 1931. Evidentemente, trazia ele propensão musical, mas um clima propício a fez germinar. Saliente-se a operosidade do grupo musical. Carnera, o professor-amigo, era uma espécie de Johnny Alf do violão em Sergipe, todos gravitavam em sua volta.

Em entrevista por telefone – o jornalista em Nova York e ele no Rio –, disse João Gilberto a Nelson Motta não ter esquecido a noite aracajuana em que assistiu ao show do pernambucano Guio de Morais tocando violão. Registra Nelson: “teve certeza de seu desejo, seu destino e sua missão na vida: criar luz com seu som. Naquela noite, o menino João se sentiu como que iluminado. Ele acredita, duvidando, que em parte seria alegria por simplesmente estar fora do colégio interno por algumas horas, mas a emoção reveladora cravou aquela noite remota em sua memória”. O episódio deve ter redobrado sua disposição em haurir boas lições de Carnera.

Os músicos sergipanos eram de alta qualidade e muito importantes foram, para João, as incursões ?nbsp; Rádio Aperipê. Confessou a Motta que ficara muito impressionado com as apresentações, na emissora, dum conjunto sergipano liderado por Raymundo Santos, o Vocalistas Juvenis. Lembra Nelson que os conjuntos vocais sempre foram, mais que os solistas, “a paixão e a maior influência de João e muitas vezes ouvindo-o, ouve-se a síntese de um conjunto vocal que se harmoniza em uma só voz acompanhada pela orquestra implícita de seu violão e a escola de samba minimal de sua batida”. Nunca esconderia ter admirado Anjos do inferno, Namorados da lua (com Lúcio Alves), Quatro ases e um coringa. Quando se mudar de Juazeiro (deixou Aracaju aos 15) para Salvador, aos 18 anos, antes de seguir para o Rio, João estreitará relações com emissoras de rádio baianas – sua intenção era se tornar cantor de rádio e crooner. E no Rio fará parte do Garotos da lua.

Já idoso e adoentado, esteve Carnera no meu consultório médico e pude observar o brilho dos seus olhos miúdos de camundongo e um satisfeito riso contido ao falar da amizade e do carinho a ele devotados pelo ex-aluno. “Ele me liga (dos EUA) em horários ‘diferentes’ e passa horas ao telefone, varando a madrugada, recordando os velhos tempos. ‘Bom mesmo era ouvir Aos pés da Cruz e Coqueiro velho’, costuma dizer. Até hoje João é um homem simples desse jeito”.

Carnera se foi. Mas permanece em João. No menino e na celebridade. Nunca se lhe apagará, creio eu, a imagem do exímio profissional da música popular que o acolheu em Sergipe e o iniciou na arte do violão, deu-lhe as primeiras dicas, ensinou-lhe os primeiros toques, ouviu seus primeiros acordes. Aqui, podemos supor, deu os primeiros passos no aperfeiçoamento da sua arte. Tornou-se grande inventor, mas conserva a antiga e louvável mania de cultivar amizades e gratidão. João é cerebral, esquisito; chega a ser, dizem, instrumento musical, mas também é amoroso e amorável. Afiança Egberto Gismonti: “uma pessoa extremamente benevolente e que mantém aquele sentimento de afeto, de carinho”. São indeléveis, para um adolescente recatado, impressões positivas, principalmente se entranhadas por um bom sujeito como Urcino Góes, o simpático e solícito Carnera, na época com cerca de 22 anos de idade. Num dia muito especial, Dorothy Lamour.

Marcelo da Silva Ribeiro, é médico e escritor.
marceloribeiro.se@gmail.com

Postagem originária do Facebook/Grupo Minha Terra é SERGIPE, de 19/09/2014.

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Lá do Lado de Cá ­ O País da Tropicália

Luiz Antonio Barreto*

Marcelo da Silva Ribeiro amplia de forma magistral a sua presença na literatura sergipana, publicando LÁ DO LADO DE CÁ – O País da Tropicália, vigoroso ensaio sobre a cultura musical do Brasil, contextualizando fatos que marcaram a evolução da sociedade brasileira, com o tempero de uma pitada de memória, como uma escrita testemunhal de si, evocando a quadra de sua presença na Bahia, como aluno da velha e mítica Faculdade de Medicina, entre 1969 e 1974.

O ensaio, gênero atribuído a Montaigne (Essais, 1580) parece existir na fronteira entre a história, pela verdade que exprime, e a crítica, pela beleza literária cumprindo um papel conotadamente didático. O ensaísta é, por definição, um bom escritor, que processa a troca de idéias com o leitor. Marcelo da Silva Ribeiro tem, na sua obra, as medidas para vestir o capelo do ensaísta, oferecendo ao leitorado brasileiro, notadamente sergipano e baiano, uma lição marcada pelo ritmo do tempo, pelo andamento dos fatos, pela sintonia com a realidade.

LÁ DO LADO DE CÁ – O País da Tropicália é um documento essencial, que faltava ao Brasil e a bibliografia brasileira, para explicar as tramas e armadilhas que tomaram corpo e assustaram os brasileiros. Marcelo da Silva Ribeiro acende o lume das suas lembranças e com ele invade o silêncio, para contar, criticamente, a história dos nossos tempos modernos. É uma obra densa, bem ordenada, bem conduzida, munida de todas as atrações para ser lida e refletida. Não é livro para ser folheado por olhadelas fortuitas, mas ser relido, anotado, como algo que marca, fortemente, a fronteira de um tempo sem gentilezas e sem doçuras.

Parece que Marcelo da Silva Ribeiro reabriu a congregação da Faculdade de Medicina da Bahia para acompanhar, com olhar admirado, o desfile dos fatos, entre ruídos suspeitos e alegrias incontroláveis. E assim vai buscar, no passado da velha escola de médicos, os embates de religião e de ciência, de salvação e de evolução, que serviram de rotunda para reprovar as FUNÇÕES DO CÉREBRO, que o mulato Domingos Guedes Cabral levou como Tese para encerrar seu curso. Qual Torquato Neto, Glauber Rocha, Caetano Veloso, Capinam, Gilberto Gil, Tom Zé, Guedes Cabral asilou-se em Laranjeiras (podia ir para qualquer lugar do Brasil), declarou-se livre pensador, foi Orador do Gabinete de Leitura de Maroim, preparou Laranjeiras para a pregação republicana e para a instalação da Igreja presbiteriana, antes de voltar para a Bahia e lá morrer, ainda muito jovem, com 30 anos, em 1883.

A música brasileira, seus autores, intérpretes, figurantes e platéias, aparece por um corte que Marcelo da Silva Ribeiro no cenário e no tempo da Bahia, recuperando um pedaço de vida cultural, artística e dos embates decorrentes da ruptura do regime democrático, que levou à luta, com as armas possíveis e disponíveis, uma geração de talento musical que renovou a história da música, dos espetáculos, do cinema, das artes plásticas, e que se debruçou sobre o Brasil, qual luta de David e Golias. O livro faz um mergulho, com todo o estilo, para melhor tratar a temática do ensaio, de modo a fazer da escritura pessoal uma referência, amalgamada nas relações que o tempo em que viveu em Salvador lhe permitiu faze-las e mantê-las, com intimidade necessária para corrigir equívocos, desfazer versões, restaurar a qualidade das informações.

Sem dúvida alguma LÁ DO LADO DE CÁ – O País da Tropicália não apenas será lido e reconhecido como o melhor livro de Marcelo da Silva Ribeiro, mas como um dos mais aplicados ensaios sobre a música popular brasileira. Tendo alguns títulos que obtiveram aplauso público, como o PT SAUDAÇÕES, tratando de sua experiência como político, nas entranhas de um partido contraditório, e como Deputado Estadual à Assembléia Legislativa do Estado de Sergipe.

Bem escrito, correto nas fontes, fiel as recolhas de informações, bem ilustrado, o livro de Marcelo da Silva Ribeiro preenche o vazio ensaístico que havia em Sergipe, renovando a literatura sergipana e contribuindo para a releitura do Brasil, principalmente da segunda metade do século XX.

*O escritor e historiador Luiz Antonio Barreto é membro da Academia Sergipana de Letras.

Texto e foto reproduzidos do site: alexandresanttos.com.br

quinta-feira, 18 de setembro de 2014

Manoel Cabral Machado.


Publicado originalmente no site Osmário Santos, em 05/02/2009.

Manoel Cabral Machado.
Por Osmário Santos.

Manoel Cabral Machado nasceu a 30 de outubro de 1916, em Rosário do Catete, Sergipe.
Quem nunca avistou Manoel Cabral Machado nos arredores da cultura sergipana, sem dúvida, não circula, pouco sabe e bem que parece alheio às coisas da terra.

Cabral Machado é um político com uma longa carreira, professor e advogado. É também um grande intelectual que não deixa o tempo passar sem registrar, com seus trabalhos literários, as coisas e a gente da nossa cidade.

De tradicional família sergipana, Cabral Machado passou sua infância no interior, solto, livre, brincando com os demais meninos, com todas as peraltices que tinha direito. “Meu pai não limitava meus amigos de infância e, nisso, brinquei à vontade e aproveitei bastante, até chegar o tempo de internato no colégio Salesiano”.

Cabral Machado era um péssimo jogador de futebol. Mesmo assim, fazia um esforço e participava das horas de recreação, embora não se sentisse realizado com a bola. Seu negócio era outro e, logo na primeira oportunidade, os padres e os seus companheiros de colégio puderam perceber o talento do jovem Cabral, quando deu os seus primeiros passos no campo literário, fazendo uma crônica no jornal que circulava no colégio com o nome de “A Tebaidinha”. O nome do jornal representava a lembrança do sítio dos salesianos que tinha o nome de Tebaida.

Depois passou a ser o orador da turma de alunos nas festas do colégio. Confessou que, no início, aceitou as idéias dos padres naquilo que ele tinha de falar, mas logo deu um basta e suas idéias ficaram livres. Do tempo do Salesiano, lembra que enfrentou o palco e interpretou inúmeros personagens, fazendo teatro, uma das boas coisas da sua época de internato.

Depois, chegou ao Atheneu, que foi pequeno para comportar o estudante Cabral Machado. Sempre com boas notas, não se contentava somente com o ambiente de sala de aula. Suas produções literárias, crônicas, poesias já eram publicadas na imprensa. Já despertava a política, até então, hibernada por muito tempo. Chegava a época do Cabral Machado, certeiro nas críticas e fiel às suas convicções.

Cabral Machado, no seu tempo de Atheneu, conviveu com um colega de grande valor. Seu nome: Lises Campos. Era uma revelação no cenário artístico sergipano. “Um jovem poeta modernista, muito inquieto, amigueiro, escrevia bem e era de Capela. Naquele tempo, em Aracaju, a febre tifo era uma coisa terrível e o Cabral nos disse que perdeu vários colegas por causa dela, inclusive o Lises”.

“Lises pegou a tifo e lutou muito, chegando a falecer. Então, a sua morte foi um trauma enorme. Nós levamos o corpo. No enterro, a estudantada toda acompanhou. Levamos até o campo santo e, lá no cemitério, eu fiz um discurso. Foi a primeira vez que eu falei em público, de improviso.

Antes, eu falava nas solenidades do Salesiano, mas sempre lendo. Lembro que foi um choro enorme, porque toquei a sensibilidade dos estudantes, mostrando quem era o Lises, a sua inteligência, o companheiro das nossas jornadas. Então, eu passei a ter destaque a partir daí”.

No ano de 1934, Cabral Machado tomou uma posição quanto ao seu envolvimento com a política estudantil. “Eu fui com Fernando Maia, irmão do médico Lauro Maia e Luciano Mesquita, sobrinho de Jacinto Figueiredo, assistir a uma sessão integralista. Fiquei entusiasmado e entrei no Partido Integralista Brasileiro. A mocidade daquele tempo estava assim dividida: ou era integralista ou era comunista. O Lises não era nem comunista nem integralista. Mas Joel era da linha comunista e terminou integralista.

O meu integralismo morreu na Bahia quando chegou a guerra. Foi pela tomada de posição do partido, pois toda a vida fui contra Mussoline. Lembro que, nesse tempo, Seixas Dória era integralista, e foi o meu chefe lá na Bahia. Ele fazia uma pilhéria quando dizia que o chefe era eu. Quando passei a estudar na Bahia, já encontrei o Seixas no integralismo. Mas a guerra acabou com o integralismo”.
Por não ter o curso complementar de Direito em Aracaju, Cabral foi passar uma temporada em Salvador. Fez vestibular e sua grande satisfação foi ter obtido o honroso segundo lugar. Formou-se e chegou a ter planos de trabalhar em Ribeirão Preto, em São Paulo. Essa idéia surgiu depois de participar de um congresso de Direito do Trabalho no ano de 1941, um ano antes de sua formatura. Pensou em morar em Itabuna, participando de um escritório de advocacia, junto com colegas de curso, mas terminou mesmo por aqui. Em 1943, seu pai faleceu, ficou muito
entristecido e, já formado, foi à luta.

Cabral Machado conta que a sua família tinha boas relações com o interventor do Estado de Sergipe, Maynard Gomes.

“Minha mãe falou com a mãe de Maynard. Eu fui criado, chamando a mãe de Maynard de vovó Iaiá, lá em Rosário. Então, ela fez uma carta para o filho, pedindo uma colocação para mim. Com a carta, eu me apresentei ao interventor Augusto Maynard Gomes. Daí, o genro dele, Zezé Garcez, convidou-me para ser secretário do prefeito José Garcez Vieira. Eu comecei minha vida como secretário do prefeito. Antes, eu tinha sido nomeado promotor público substituto da cidade de Neópolis.

Todos os promotores substitutos em Sergipe eram leigos. Eu, cheguei formado, bacharel, com o título, dizendo que eu passei com distinção no segundo lugar, e não consegui tomar posse no cargo, mesmo sendo nomeado, pois me exigiram inscrição na Ordem dos Advogados. Na OAB, eu só podia me inscrever com a carta e minha carta de bacharel tinha sido encaminhada para o Ministério da Educação para o devido registro. Mesmo assim, não consegui o registro provisório e não pude tomar posse do cargo”.

“Em minha vida, isso foi bom, pois iria para Neópolis e quem sabe. Aqui, fiquei como secretário do prefeito e, em pouco tempo, estava eu falando por aí, fazendo discurso. Nesse cargo, lembro-me que o primeiro discurso foi na inauguração de uma rua com o nome de general Augusto Medeiros Chaves. Coincidência das coisas: esse general foi o herói sergipano da Guerra do Paraguai. Ele era amigo de meu pai e, uma certa feita, deu-me de presente um brinquedo do qual eu não me esqueço nunca – um navio de corda”.

Na ocasião em que ocupava o cargo de secretário da prefeitura, Cabral Machado foi convidado por Leite Neto, que era o secretário geral do governo Maynard Gomes, para ser o diretor do departamento de serviços públicos, que hoje corresponde à Secretaria de Administração. Na política sergipana, surgiu o Partido Social Democrático. Com Leite Neto, Cabral foi aos palanques em plena campanha do PSD, contribuindo com a sua inflamada oratória nos comícios. Em 1945, caiu o poder de Maynard.

“Veio o golpe, Getúlio caiu. O Poder Judiciário assumiu o governo de Sergipe, com Hunaldo Cardoso. O PSD caiu e nós fomos para a planície e ainda fomos para a batalha a fim de eleger o General Dutra. Em 1946, nós elegemos José Leite para o governo do Estado e eu fui candidato a deputado estadual, perdendo a eleição por cinco a dez votos”.

Não sendo eleito deputado e com a vitória de José Leite, foi convidado a assumir o cargo de secretário da Fazenda, fazendo uma grande revolução. “O Estado não tinha crédito no comércio.
Devia bilhões, mais que o orçamento. Eu assumi a responsabilidade de colocar em ordem as finanças públicas, sendo o maior trabalho que tive. José Leite chegava preocupado para construir o Colégio Estadual e me perguntava se eu conseguiria o dinheiro. Eu respondia que ele podia fazer o Colégio e eu arranjaria o dinheiro”.

Não foi brincadeira para Cabral Machado enfrentar a estrutura fazendária do governo naquela época. Apertou o cinto demais para conseguir aumentar a arrecadação do Estado.

“Eu mandei botar posto fiscal onde meus amigos de partido passavam com contrabando. A pressão foi grande. José Leite chegou a falar que iria fazer falta. Quando eu senti que a barra estava pesada demais, cheguei à conclusão que estava na hora de me afastar do cargo. Eu fui fazer uma revisão no imposto territorial que, naquele tempo, pertencia ao Estado. Mandei fazer uma revisão do cadastro do valor das propriedades. Todo o interior se revoltou contra mim por essa reavaliação. Deixei o cargo de secretário da Fazenda e passei a exercer o cargo de secretário de Governo”.

Em outra campanha política, Cabral Machado disputou, novamente, a cadeira de deputado na Assembléia Legislativa e conseguiu eleger-se. Na época, era governador do Estado Arnaldo Garcez e Cabral passou a ser o líder do governo no Legislativo estadual. Passou para uma segunda legislatura com um episódio histórico. “No dia da posse de Leandro Maciel, fui vaiado, por ter dito que a eleição tinha sido fraudulenta na Assembléia Legislativa. Foi uma vaia”.

Passou para uma terceira legislatura, já no governo Luís Garcia. Depois de um bom período como deputado estadual, chegou a pensar no seu futuro. “Eu não tinha nada no Estado. Mais adiante eu não seria eleito deputado. Ficaria sem nada, só com o meu empreguinho vagabundo, que não dava para viver. Eu, casado, com cinco filhos. Pensando nisso, fui fazer o concurso de Consultor Jurídico, Procurador do Instituto do Açúcar e do Álcool. Passei em primeiro lugar, sendo nomeado. Fiz a campanha de Seixas Dória, já sendo procurador, porém sem me candidatar mais a deputado. Veio a queda de Seixas Dória e o Celso de Carvalho me convidou para ser secretário de Educação. Em seguida, saí vice-governador do Estado no governo de Celso. Depois, como vice de Lourival”.

Durante o governo de Lourival Baptista, foi criado o Tribunal de Contas, e o governador ofereceu ao seu vice o cargo de conselheiro. Eu fiquei sem aceitar, não queria. Meus amigos insistiam para que eu aceitasse. Meus amigos políticos pediam para que eu não aceitasse. Como estava meio chateado com o meu partido, o Social Democrático, pelo fato de Lourival ter feito uma constituição, colocando uma emenda onde o vice-governador só assumiria o governo depois de dez dias, eu aceitei. Antigamente, o governador só saía do Estado, passando o cargo para o vice.

Este cargo era importante. Então, eu queria que o meu partido votasse contra essa emenda. Mas, o partido, com um medo danado do governo, votou com o governo. Daí, aceitei o cargo no Tribunal de Contas. Fui eleito o seu primeiro presidente e, durante quinze para dezesseis anos, fui eleito presidente pela terceira vez, aposentando-me”.

Deixando o Tribunal de Contas, Cabral Machado recebeu o convite para o cargo de consultor jurídico do Tribunal da Justiça. “Quando estava ainda como consultor jurídico, o governador Valadares me convidou para ser o procurador geral do Estado e, até hoje, eu estou aí. Esta, em síntese, é a minha vida política.

Em minha vida política, sempre fui um idealista. Acredito no político reto, que sirva para o bem do povo. Acho que só há duas atividades importantíssimas no homem: primeira, a atividade religiosa. Segunda, a atividade política, atividade que o homem vai servir ao seu próximo, o seu irmão. Sempre tive vocação para a vida política e sempre dou de mim o que posso dar de trabalho, de dedicação, de esforço de seriedade. Sou um homem que faz tudo dentro da minha consciência para dormir feliz com a minha família”.

Em 1944, casou com Maria de Lourdes no mês de dezembro.

Texto reproduzidos do site: usuarioweb.infonet.com.br/~osmario
Foto reproduzida do blog iconografiaamado.blogspot.com.br

Postagem originária da página do Facebook/MTéSERGIPE, de 17 de setembro de 2014.