quinta-feira, 10 de dezembro de 2015

Os Braganças



Fotos: três gerações de Braganças.


Publicado originalmente no Facebook/Lúcio Prado Dias, em 06/12/2015.

Os Braganças.
Por Lúcio Prado Dias.

Neste sábado aconteceu o 90º aniversário de Bragancinha – Francisco José Plácido Tavares de Bragança – figura admirável da história médica de nosso Estado, professor pioneiro da Faculdade de Medicina de Sergipe e cirurgião de escol que fez escola para alunos e admiradores. Eu me incluo entre eles.

Nenhuma outra família entronizada em Sergipe tem uma árvore tão geneticamente ligada à Medicina como a família Bragança. Isso como resultado do que pude observar em ligeira e despretensiosa consulta, gerada pela necessidade de obter dados para o nosso Dicionário Biográfico, que foi lançado em 2010. E o tronco principal dessa árvore está situada em Laranjeiras que, na segunda metade do século XIX, era a cidade mais próspera do Estado.

A povoação que se tornou Vila em 1832 situava-se geograficamente próxima da Capital, mas ficava longe pela precariedade dos meios de transportes, quase que exclusivamente através de barcos. Por outro lado, estava colocada num patamar de salubridade e comércio acima da antiga e da nova sede de governo, São Cristóvão e Aracaju.

O primeiro Bragança médico a chegar a Laranjeiras é Francisco Alberto de Bragança, no final dos anos 30 do Século XIX. Nascido em 1816, em Salvador, filho de Aleixo João de Bragança e Ana Joaquina do Sacramento, Francisco forma-se pela Faculdade de Medicina da Bahia, primaz do Brasil, em 1836. Curiosamente, ele possuía um irmão chamado Antonio Militão de Bragança, também médico e formado no mesmo ano, que chega a concorrer a uma cátedra na Faculdade de Medicina da Bahia, mas que, em função de doença, morre precocemente em Laranjeiras para onde se desloca em busca de tratamento. Em sua homenagem, Francisco dá ao seu único filho varão o nome do tio: Antonio Militão de Bragança.

Mas voltemos aos ancestrais. O ramo brasileiro da família Bragança começa com a chegada a Recife, em 1811, do comerciante português Aleixo João de Bragança, oriundo da província ultramarina de Gôa, do Portugal da Ásia. Sua vinda se dá em função do comércio de açúcar, que passa por grande prosperidade em Pernambuco. Ele casa-se com uma filha da viscondessa de Valcáver, Ana Joaquina do Sacramento, de descendência holandesa, dedicando-se à fabricação e exportação de açúcar. Desse casamento nascem dois filhos: Francisco Alberto de Bragança e Antônio Militão de Bragança, que se formam ambos em Medicina em 1836.

Após a formatura, Francisco aporta em Penedo, onde permanece por dois anos e depois segue para Laranjeiras onde fica por oito anos. Transfere-se para Estância, mas dois anos depois retorna para Laranjeiras, dessa vez em definitivo, onde prospera.

Homem culto e versado em humanidades, passa a dar aulas a uma jovem burguesa, regente de cadeira pública na província e que viria a se tornar sua esposa, em 1852: Possidônia Maria de Santa Cruz, dando origem assim ao ramo sergipano dos Braganças. Em janeiro de 1860, o casal recebe a honrosa visita do Imperador Pedro II, que vai a Laranjeiras para conhecer o Colégio Nossa Senhora Santana, cujas mestras principais são, além de sua fundadora, as suas filhas, Maria Vicencia, Mariana Apolinária e Tereza Virgilina.

Francisco Alberto de Bragança, ao lado do também médico José Cândido de Faria, funda o Hospital de Caridade Nosso Senhor do Bonfim, em 1840, que é administrado pela irmandade do Senhor Bom Jesus do Bonfim. Infelizmente, o hospital, por falta de recursos, deixa de funcionar 19 anos depois, em 1859, um ano antes da visita do Imperador. A grande epidemia de cólera morbus de 1855, que dizima quase metade da população de Laranjeiras, atinge mortalmente o médico José Candido Faria. Já o Dr. Francisco Alberto de Bragança morre aos 52 anos, em 30 de outubro de 1868.
Antônio Militão de Bragança, nascido em 1860, vive até os 89 anos de idade, falecendo em 1949. Para formar-se pela Faculdade de Medicina da Bahia, em 15 de dezembro de 1883, defende a tese “Paralisias Consecutivas as Moléstias Agudas”.

Recém formado, segue para o Rio de Janeiro, onde permanece por breve espaço de tempo, recebendo ensinamentos no campo da oftalmologia. Volta para Laranjeiras e monta consultório na rua Direita. No ano seguinte, transfere-se para Pão de Açúcar onde permanece por sete anos, voltando já casado para Laranjeiras em 1892, onde exerce suas atividades com grande competência e dedicação.
Em 1911, violento surto de varíola atinge a cidade e quase a despovoa, tal o número dos que fogem para Aracaju, a este tempo melhorada em seus aspectos sanitários e com maiores recursos de atendimento. Dr. Militão de Bragança escreve e publica relato científico com o título de “A Varíola em Laranjeiras”, trabalho muito rico em detalhes clínicos, epidemiológicos e profiláticos. Uma pandemia de gripe espanhola arrasa Laranjeiras em 1918 com centena de mortes, conforme o registro dos serviços públicos. Militão de Bragança é infatigável nessa luta. Respeitado pela sua dedicação à Medicina, progride de forma mais intensa em função de atividades paralelas de senhor de engenho e criador de gado, tanto em Laranjeiras como nas margens do São Francisco. Progressista e inovador inclui-se entre os primeiros a importar gado indiano e introduzi-lo nos rebanhos sergipanos.
Casado com Dona Maria da Silva Tavares, tem dois filhos, ambos homens. Antonio Tavares de Bragança, farmacêutico-químico e professor e Francisco Tavares de Bragança, sacerdote. Nessa geração, portanto, não há médicos entre os Braganças. Mas a lacuna dura pouco, isso porque Antônio Tavares casa-se com Maria Otávia Plácido Tavares de Bragança e dessa união nasce em 1925, Francisco José Plácido Tavares de Bragança, o “Sobrinho do Jesuíta”, carinhosamente chamado de Bragancinha, o “Chico”, nosso querido professor de Cirurgia, que atualmente reside em Maceió, o nosso aniversariante.

Cirurgião geral com formação em cirurgia do aparelho digestivo, ele atuou também na área de traumatologia atendendo no Pronto-Socorro do Hospital de Cirurgia e no INPS. Foi discípulo de Augusto Leite, Mariano de Andrade e David Rosenberg e, por indicação destes, ingressou no Colégio Brasileiro de Cirurgiões. Professor de Introdução à Cirurgia na Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Sergipe.

Para não quebrar a tradição, seu filho, Ricardo Viana de Bragança, escolhe também a Medicina como profissão, especializando-se em urologia, sendo hoje o Bragança da minha geração. Uma história que não para por aqui, uma vez que Ricardinho, filho dele, é o mais novo discípulo de Hipócrates, cursando o quarto ano da Residência Médica em Urologia.

Com uma história que atravessa três séculos, a Saga dos Braganças é capítulo memorável da nossa história contemporânea e árvore frondosa e bela da Medicina de Sergipe.

Fontes consultadas:
Camerino Bragança de Azevedo - “Dr. Bragança; Esse varão laranjeirense”. Rio de Janeiro, Editora Pongetti – 1971.
Antônio Samarone de Santana - “As Febres de Aracaju – dos miasmas aos micróbios”, Aracaju, 2005
Cônego Philadelfo de Oliveira - “Histórias de Laranjeiras”. Casa Ávila. 2ª Edição – 1981.
Discurso pronunciado pelo Dr. Francisco Alberto Bragança de Azevedo ao ensejo da instalação do Ginásio “Possidônia Bragança, na cidade de Laranjeiras, em 9 de março de 1958.
Alexandre Gomes de Menezes Neto – Trabalho escrito para a Academia Sergipana de Medicina, em 1999.
Texto e imagens reproduzidos do Facebook/Lúcio Prado Dias.

Postagem originária do Facebook/GrupoMTéSERGIPE, de 6 de dezembro de 2015.

domingo, 6 de dezembro de 2015

José Augusto Garcez, precursor da Museologia Sergipana.


Publicado originalmente no site Itabi Infonet (Museus em Sergipe)*

Notícias: José Augusto Garcez, precursor da Museologia Sergipana.

Enviado por Prof. Fábio Figueirôa em 11/12/2010 

No mês de maio, período em que se comemora a Semana de Museus no Brasil, faz-se necessário resgatar fragmentos da história de um homem que contribuiu significativamente para o desenvolvimento e formação do pensamento museológico sergipano.

De acordo com a museóloga Cristina Bruno, “a construção da memória da Museologia é uma tarefa que não pode ser realizada, muitas vezes, sem o estudo biográfico e a análise da produção de seus principais protagonistas” (Bruno & Neves. Museus como agentes de mudança social e desenvolvimento. São Cristóvão: Museu de Arqueologia de Xingó, 2008. p. 23). Esse é o caso da Museologia sergipana, pois a trajetória do colecionador e museólogo José Augusto Garcez, se entrelaça com a história cultural do Estado de Sergipe, principalmente nas décadas de 1940 e 1950 do século XX, onde exerceu uma forte influência para o desenvolvimento dos nossos museus.

Nascido em 1918, na Usina Escurial (São Cristóvão), filho de Silvio Sobral Garcez e Carolina Sobral Garcez, iniciou seus estudos secundários no Colégio Tobias Barreto, concluindo-os no Colégio Maristas, em Salvador. Mais tarde, ainda na Bahia, iniciou o Curso de Direito, que, por motivos de saúde, não chegou a concluir. Foi nesse momento de fragilidade física que, Garcez conheceu o médico Prado Valadares, de quem se tornou amigo e a quem dedicou um interessante texto biográfico, em 1938. Iniciando sua atuação como articulista, aos 20 anos, Garcez passa a contribuir com vários jornais na Bahia, no Rio de Janeiro, em São Paulo e, sobretudo, na imprensa sergipana.

Intelectual atuante e aficionado pelo universo da cultura, José Augusto Garcez fez parte de mais de uma dezena de instituições culturais, dentre elas o Instituto Histórico e Geográfico de Sergipe (IHGSE), a Sociedade Brasileira de Folclore, a Associação Sergipana e Brasileira de Imprensa. Ingressou na Academia Sergipana de Letras em 15 de novembro de 1972, tornando-se o ocupante da cadeira de número 22. Em 1953, fundou um dos mais importantes movimentos culturais do Estado, o Movimento Cultural de Sergipe, responsável pela edição de dezenas de livros, chegando à década de 1960, com 37 volumes publicados, revelando e destacando grandes nomes da literatura sergipana.

Imbuído do desejo de musealizar as raízes culturais de Sergipe, José Augusto Garcez fundou, em 1948, e manteve com recursos próprios, o “Museu Sergipano de Arte e Tradição”, o qual foi detentor de um grande acervo referente à cultura material de Sergipe, resultado de coletas feitas em suas viagens pelo interior do Estado. A partir de suas ações museológicas, Sergipe passa a se destacar no quadro da museologia nacional, acompanhando o período de efervescência do surgimento dos Museus de Arte Moderna. Nesse sentido, Maria Cecília Lourenço informa que, naquele contexto, “nem todos [os museus] são chamados de Museu de Arte (...). Outros contêm em sua denominação Museu de Arte e Tradição, como os do Estado do Sergipe, sediados em Aracaju (1948) e na cidade de Itaporanga D’Ajuda” (LOURENÇO. Museus Acolhem Moderno. EdUFS, 1999, p.89).

Foi no Museu de Arte e Tradição que o intelectual preservou, pesquisou e comunicou parte do patrimônio salvaguardado. Mesmo funcionando em um espaço inapropriado, o que limitava a expografia e dava um aspecto de grande reserva técnica ou depósito, a instituição cumpriu suas funções museais, conferindo-lhe destaque diante de sua funcionalidade e sendo bastante visitado. Foi nesse cenário que ocorreu um progressivo desenvolvimento das pesquisas e estudos da cultura material sergipana, desdobrando-se em algumas publicações, a exemplo de “Canudos Submersos” (1956), “Holandeses em Sergipe” (no prelo), “O destino da Província” (1954), dentre outros. Sua casa tornou-se um centro irradiador do pensamento museológico sergipano, sendo sua coleção uma chave reveladora para o seu entendimento, através da qual seus estudos construíam, reconstruíam e desconstruíam versões pautadas no processo da pesquisa de documentação museológica.

Como reza o ditado popular, “costume de casa vai à praça”, assim fez o colecionador, extrapolando para além da sua residência, os conhecimentos museológicos. Sabedor do poder do rádio, enquanto instrumento de educação e expansão da cultura, Garcez criou o programa “Panorama Cultural”, em 1949, na antiga Rádio PRJ 6, o qual se caracterizou pela divulgação das atividades de pesquisa desenvolvidas no âmbito do Museu de Arte e Tradição, entre elas poesia, literatura brasileira e sergipana.

Garcez foi o idealizador do Serviço de Pesquisa e Documentação Cultural-Científica, cuja função era resgatar documentos que versavam sobre a história sergipana, criando, também a Biblioteca Popular Tobias Barreto, fatos que atestam as idéias do colecionador em ressaltar os valores culturais de Sergipe.

Atuando em vários planos da Museologia, Garcez foi da prática à teoria com o seu livro “Realidade e Destino dos Museus” (Aracaju: Livraria Regina, 1958), sendo o responsável por uma obra pioneira de análise crítica e comparativa das primeiras instituições museológicas do Estado de Sergipe. Através da sua leitura é possível perceber a sua insurgente atuação em prol da cultura sergipana, sobretudo no campo Museológico, reivindicando melhorias para os nossos museus e, até mesmo, a criação de um museu para a cidade de Aracaju.

Partindo dessa breve análise da atuação de Garcez, podemos concluir que a sua preocupação com a musealização da memória cultural de Sergipe e a sua atuação prática – fazendo do Museu Sergipano de Arte e Tradição o primeiro espaço que efetivamente desenvolveu as funções básicas de uma instituição museal: a preservação, pesquisa e comunicação – torna-o precursor do pensamento museológico sergipano. Em 1976, parte da sua coleção foi vendida para o governo do Estado e passou a compor os acervos do Museu Histórico de Sergipe (São Cristóvão), do Museu Afro-Brasileiro de Sergipe (Laranjeiras) e do Arquivo Público Estadual, em Aracaju.

Em 12 de janeiro de 1992, aos 74 anos, José Augusto Garcez faleceu em Aracaju. Na ocasião, Luiz Antônio Barreto destacou que: “mais do que a foto antiga repleta de mortos, fica a memória, o gesto (...) abençoa[n]do a todos que buscavam na sua casa - mais que uma casa, um refúgio e um museu - o contato e o convívio da intimidade que a cultura sempre fez possível, pela linguagem do mesmo fazer” (José Augusto Garcez, um estranho homem. Revista do IHGSE. N° 31, 1992). Assim, entre os que fazem a Museologia sergipana hoje, resta uma dívida para com Garcez, homem cuja obra pode e deve ser resgatada e discutida.

Texto: Cláudio de Jesus Santos (Acadêmico do curso de Museologia e integrante do Grupo de Estudos e Pesquisas em História das Mulheres da Universidade Federal de Sergipe).

* O site Museus em Sergipe é uma publicação dos alunos do curso de Museologia, realizado como projeto final da disciplina Tópicos Especiais em Educação e Comunicação em Museus, sob a coordenação do Prof. M.Sc. Fábio Figueirôa. E-mail: museusemsergipe@infonet.com.br

Texto reproduzido do site: itabi.infonet.com.br

Foto reproduzida do blog: ensaiosmuseologicos.blogspot.com.br

Publicação originária do Facebook/GrupoMTéSERGIPE, de 01 de dezembro de 2015.