segunda-feira, 1 de fevereiro de 2016

Bonifácio Fortes



Publicado originalmente no site Osmário Santos,13/11/2004.

Bonifácio Fortes.
Intelectual de peso, o ex-juiz do Trabalho era um esquerdista sem ligação partidária.

Por Osmário Santos

Bonifácio Fortes nasceu a 26 de abril de 1926, na cidade de Aracaju/SE. Seus pais: Arício de Guimarães Fortes e Saudalista Passos Guimarães Fortes.

O pai era cirurgião-dentista e servidor público estadual, tendo chegado ao mais alto grau da carreira de funcionário público da época, o de diretor da Secretaria Geral do Estado, quando só existia no governo de Sergipe uma secretaria. No governo Eronildes de Carvalho, ocupou por cinco anos a direção de Departamento de Educação do Estado, atual Secretaria de Educação. Um homem que passou para seus filhos, Bonifácio e Lélio, exemplos de seriedade no trabalho, espírito público, amor pelos filhos, diante de uma vida levada com muita honra e decência.

Sua mãe dedicou muito amor e carinho aos filhos e por isso conquistou um lugar muito especial na vida de Bonifácio. Não esquece da avó Maria Cecília de Guimarães Rosa, da cidade de Laranjeiras, presença em sua infância num período em que foi acometido de problema de garganta.
Bonifácio conta que tem bons registros do seu tempo de menino, pelos veraneios nas praias de Atalaia Nova e Velha, passeios em Laranjeiras, muita pescaria de siri e muitas voltas de canoas e saveiros pelo rio Sergipe. “Uma infância cheia de alegria e meio sofrida por problemas de saúde”.

Vida estudantil.

Em 1932 entrou no Jardim de Infância Augusto Maynard, tendo como professora Marita Vilas Boas. Passou para o Colégio Nossa Senhora da Glória, que funcionava na rua Maruim entre Itabaiana e Santa Luzia, dirigido pela professora Maria Clara Freire, conhecida como Dona Clarita. Até fazer o curso médio no Colégio Tobias Barreto, estudou no colégio da professora Cecília, de 1933 a 1936.

No Colégio Tobias Barreto, do professor José de Alencar Cardoso, que tinha como um dos sustentáculo a professora Estelita Dias, concluiu o curso ginasial militarizado, oportunidade que de soldado chegou ao cargo de tenente. Uma experiência de ensino militarizado que considerou como trágico em sua vida, ou melhor... “Foi uma merda! Tinha um tal de um boletim diário, de araque, umas guardas, umas prisões, onde você fazia qualquer coisa em sala de aula e um bedel recalcado prendia a gente”. Fez questão de dizer que tudo isso era mesquinharia, comparando à grandeza do Colégio Tobias Barreto. “Zezinho Cardoso foi um grande educador. Muita gente é hoje alguma coisa na vida por causa dele. Ele não olhava a parte particular nem financeira. Não tinha noção de custo e receita e por isso o seu colégio era deficitário”.

Foram seus professores de ginásio: Luiz Figueiredo Martins (geografia), padre Jackson; Jacinto, Abdias Bezerra (matemática), Artur Fontes (que não era seu parente), Santos Melo (português), Lucílio da Costa Pinto (física), Bragança (física e química), Zequinha (ciências), Acrísio Cruz (português), Garcia Moreno (história natural), José Calazans Brando da Silva (história do Brasil). No Tobias Barreto, Bonifácio Fortes terminou o quinto ano e foi o orador da turma.

Estudou o curso clássico do Atheneu Sergipense no primeiro ano em que o curso tinha sido instalado no colégio.

Atheneu.

Falando da experiência de ter estudado num colégio administrado pelo professor Joaquim Sobral, Bonifácio rasga elogios por ter tido a felicidade de conviver com um homem democrático e de diálogo. “Havia uma turma que era chamada de Ponta dos Cascos. Dela faziam parte: Aloísio Sampaio, que hoje é juiz do Trabalho em São Paulo, Florival Ramos, Pedro Ribeiro, Valter Felizola, Clodomir de Souza Silva e Joaquim Calda”. Contando com o apoio dessa turma, conta que fundou o jornal “A Voz do Estudante” e conseguiu revitalizar o Grêmio Clodomir Silva do Atheneu, tendo conquistado o cargo de secretário.

Revela que o jornal era impresso pela bondade de Maynard Gomes, então interventor federal da ditadura de Getúlio Vargas. “Apesar de ser um homem áspero, carrancudo, era um homem bondoso, que compreendia a necessidade da mocidade demonstrar solidariedade à pátria, que naquela época estava atingida, pois estávamos em plena guerra e em plena ditadura. A Voz do Estudante dizia coisas contra a ditadura sem ninguém sentir”.

Bonifácio chegou a ser diretor do jornal estudantil. Ao chegar para comandar o jornal, contava com uma pequena experiência, por ter fundado na época do seu curso primário o Radial, que o chama de jornaleco, pois saía com poucas páginas e era todo datilografado. “Chegamos a datilografar 100 jornais. Primeiramente sozinho, depois, já no Tobias, contando com a participação de Geraldo Leite e Roberto Figueiredo Santos”.

Jornalismo.

O jornalismo foi algo intenso em sua vida. Sentindo o gostinho de uma redação de jornal, foi pedir a Francisco de Araújo Macedo, chefe do Partido Trabalhista Brasileiro (PTB), dono do Jornal O Nordeste, uma vaga para escrever esporte. “Esporte era minha mania”.

Por causa do cargo de juiz de Direito, deixou de escrever na imprensa no ano de 1962, após uma intensa jornada de trabalho, já que passou por inúmeros jornais, escrevendo de tudo, inclusive coluna de cinema. Chegou a ser secretário da Associação Sergipana de Imprensa. Escreveu no Sergipe Jornal, Gazeta Socialista, A Cruzada, Correio da Manhã e mais outros jornais da época. Atuou na imprensa baiana no Diário da Bahia (extinto). Passou pelo ardoroso jornal defensor de Getúlio Vargas, “O Nordeste”, e no ano de 1941 passou a escrever no jornal Folha da Manhã.

Em Aracaju, fez programa esportivo na Rádio Aperipê, na fase inaugural da emissora.

Confirma para a memória de Sergipe o que muita gente contestou após o depoimento de João Bezerra, quando focalizamos sua vida em uma das nossas reportagens, de que a primeira emissora de rádio em Sergipe não tinha sido a Aperipê e sim a DYD2, rádio Palácio do Governo.

“Funcionava na parte superior da garagem do palácio Olímpio Campos. Participavam dessa emissora: Marques Guimarães, João Bezerra e Alfredo Torres, que radiou a primeira partida de futebol, entre Sergipe e CRB, se não me engano em 1939. Ele sentado numa cadeira de juiz de tênis, no campo Adolfo Rolemberg, onde hoje funciona o Ipes. A emissora foi o embrião da Rádio Aperipê, que o pessoal chamava de Aperipeido”.

Foram seus professores no Atheneu: José Augusto da Rocha Lima, professor Donald, Joaquim Sobral, Paulo Sobral, Paulo Costa, que era diretor do Sergipe Jornal e ensinava história, professor João Monteiro, Cardeal Avelar Brandão, padre Félix, Abdias Bezerra, Oscar Nascimento e José Rollemberg Leite.

Queria ser médico.

Queria fazer Medicina e não fez por ser péssimo aluno em matemática. Por necessidade, já namorando com sua atual esposa, pensando em casamento, resolveu fazer Direito em Salvador.

Ingressou na Faculdade de Direito da Bahia no ano de 1945.

De imediato conquistou um espaço no Centro Acadêmico Rui Barbosa, da Faculdade de Direito, ocupando o cargo de bibliotecário.

Da comida da república da rua do Tijolo 15, reclama até hoje. “Comia chuchu, ensopado de mamão verde e uma outra carne enlatada”.

Na época de estudante, em Salvador, recebeu amparo da família José Passos Filho e sua mulher Ester Borges Passos. “O José era filho do padrinho José Canuto dos Passos. Eles me acolheram em hora de dificuldade”.

Ainda acadêmico, no ano de 1948, veio até Aracaju, enfrentando 12 horas de estrada, para fazer um curso de suficiência para ensinar história geral e história do Brasil. Passou diante de uma banca examinadora das mais exigentes, diante da presença dos professores Gonçalo Rollemberg Leite, Maria Thetis Nunes e Felte Bezerra.

Formatura.

Formou-se no ano de 1950 e chegou de volta a Aracaju como promotor substituto, função que já exercia desde o quarto ano de faculdade.

Família.

Foi ao altar em 21 de junho de 1952 com Marinalva de Azevedo Menezes, após um longo tempo de namoro. No início, Bonifácio contava com 15 anos de idade e Marinalva com 13 anos. Diz que conheceu a Mari, como chama carinhosamente sua mulher, no dia 6 de maio de 1943. “Foi na retreta, a música tocando e o pessoal circulando em volta da praça Fausto Cardoso. Os homens de um lado e as mulheres de outro. “Do casamento, os filhos: Arício José Marcel, André, Roseana Menezes, Fontes (falecida) e José Bonifácio. É o avô de 10 netos.

Promotor público.

Fez concurso para promotor público no ano de 1951, passando em primeiro lugar. Sem a promoção sair, tomou coragem e foi falar ao governador da época sobre a demora. “Fui ao governador Arnaldo Garcez e perguntei sobre a nomeação. Ele me atendeu muito bem e disse que não me nomeava porque os chefes políticos não queriam minha presença, por ser durão, cumpridor da lei, não permitindo violência. Cumpria com humanidade, mas cumpria a lei. Arnaldo me prometeu que na primeira oportunidade me chamaria para o serviço público. Ele fez isso, me convidando para ser diretor do Serviço Pessoal, cargo que representa hoje ser secretário do Estado. Depois, desmembrou Itaporanga da Comarca de São Cristóvão, me nomeando promotor de Itaporanga. Tomei posse, mas não cheguei a exercer, pois ele me voltou para o cargo em comissão. Como as eleições estavam se aproximando, perto do término de seu mandato, no fim de 52 para 53, ele sugeriu que eu fizesse concurso para juiz. Sendo um cargo estável, onde não me impediu de continuar dando aulas, fiz o concurso, fui provido e tomei posse em 6 de maio de 1953”.

Juiz de Direito.

Com 37 anos, foi juiz de Direito da cidade de São Cristóvão, iniciando em 53 até o dia 12 de agosto de 1963, quando assumiu o cargo de juiz do Trabalho. No seu ponto de vista, o fato mais notável como juiz de São Cristóvão foi ter fundado com a colaboração de alguns dos seus ex-alunos da Faculdade de Filosofia o ginásio de São Cristóvão. “Contamos com o apoio de lideranças locais, como Juca Freire, pai de Hamilton Ribeiro Freire, Manoel Ferreira, dona Acelis, Elisio Carmelo. Assim, fundamos o ginásio. Quem forneceu o prédio foi o então secretário de Educação do Estado, Antônio Garcia Filho, que me liberou o prédio do Grupo Padre Barroso. Minha vida foi uma loucura. Nestes dez anos de minha vida, foi uma coisa dentro da outra. Eu trabalhei, eu produzi – um filho em cima do outro – Foram três filhos em três anos. Viajava de ônibus, pois não tinha carro. Fui ter um carro aos pedaços de sexta mão, um jipe que andava com pneus carecas em 1963, no tempo em que entrei na Justiça do Trabalho. Até então ganhava uma porcaria!

Juiz de topete.

Quando perguntamos os motivos de sua ida para a Justiça do Trabalho, respondeu: uma história meio complexa, mas vou dizer a você e eu quero prestar meu testemunho. Sempre fui um juiz independente. E você sabe, gente que pretende ser independente rema contra a maré, pois ninguém é independente. Nós todos somos um joguete das classes poderosas. Mas quem tem um certo topete e sabe impor sua vontade, sua maneira de julgar, de viver, nem sempre é bem visto pelos seus superiores. Eu estava praticamente nesta situação. Vou dizer para você, como juiz do Tribunal de Justiça, de cinco processos que subiam em recurso para aqui, eu só tinha sentença provida em um.

Então, eu era incentivado pelo Dr. José Dantas Prado, que era o único juiz trabalhista daqui. Eu ia ganhar mais, muito mais. Quando saí, ganhava 90 mil réis, passei a ganhar 275 mil réis. Seria hoje desembargador, mesmo por antiguidade. Talvez eu tivesse morrido antes, pois não ia agüentar engolir tanto sapo. Talvez sobrevivesse... Ser juiz de Direito é muito chato”.

“Quanto era juiz de São Cristóvão, da lista para o cargo de desembargador, tive um voto. Três ilustres superiores desembargadores disseram de forma séria que tinham votado em mim. Você deduza como”.

Na Justiça do Trabalho, na Junta de Estância, ficou de 13 de agosto de 1963 a 13 de agosto de 1969. Como juiz do Trabalho, foram mais de 16 anos”. Na época, não havia fila, nem em Estância nem aqui. O trabalhador não esperava. Naquela época, tanto a primeira junta como a segunda funcionavam muito bem. O secretário era Wagner Ribeiro. Também tive ótimos secretários em Estância. Posso citar os nomes de Tavares Neto, Alonso José dos Santos, Murilo Maciel Barreto e Enerino.
Também tive grandes auxiliares na Comarca de São Cristóvão. Vou citar os nomes de três principais: Romualdo Prado, Elísio Carmelo e Jospe Onildo Prado”.

Aposentado, sente saudade de certas interpretações jurídicas e da sala de aula. Como professor, ensinou no Colégio Tobias Barreto, no Colégio Jackson de Figueiredo, Escola Normal, no Atheneu Sergipense, na Escola de Comércio as matérias de história do Brasil.

História Geral da América de 1952 a 54. Em faculdade, iniciou no mês de março de 52, na Faculdade de Filosofia, como professor de Estética. Substituiu professor Felte Bezerra na disciplina geografia humana. Foi fundador da Escola de Serviço Social, tendo dado a primeira aula da faculdade com o tema: “Nações de Direito”.

Na área jurídica, foi professor da Faculdade de Direito de Sergipe nas disciplinas: Direito Constitucional, Direito Administrativo, Teoria do Estado, Direito Internacional Público, Processo Civil III, Direito Processual do Trabalho, Direito Legislação Social, Direito do Trabalho, Direito Sindical, foi membro do Conselho Superior da Universidade durante 17 anos. Da pergunta: há quanto tempo deixou o ensino? “Graças a Deus deixei o ambiente da universidade, que não é mais a minha universidade que eu ajudei a fazer o estatuto, em março de 1991”.

- A quem o senhor atribui tal situação na universidade?
- A culpa é da política errada do MEC, em proliferar os cursos em excesso, sem haver seletividade necessária e situação de miséria em que as universidades estão vivendo. A pública está se descompondo. Estão fazendo da escola pública lixo. E o verdadeiro futuro deste país está numa boa escola pública. Não é discurso populista. Eu não sou populista, sou pela seriedade do ensino, pelo cumprimento específico dos programas, sou contra essa demora das partes terem a tutela jurisdicional do Estado, contra essa sacanagem que estão fazendo com o povo brasileiro”.

Conta que sempre foi esquerdista, sempre foi socialista, mas nunca se filiou a nenhum partido. “Sempre fui um homem patrulhado pela esquerda, pela direita, pelo centro, por todo mundo.

Fui chamando para depor no dia 22 de fevereiro de 1969, no 28º Batalhão de Caçadores. Fui muito bem acompanhado. No mesmo dia, depuseram lá: o Dr. Gonçalo Rollemberg Leite e José Silvério Leite Fontes. Não tinha nada contra mim. Depois, eu, juiz do Trabalho, julgando questões importantes da União, fui chamado para responder um depoimento com o delegado do Mistério do Trabalho, aqui em Sergipe. É ridículo, não? Depois passei um tempão sem poder tirar atestado de bons antecedentes. Vamos deixar bem claro eu não fiz oposição, evidente, nem clara nem embuçada, em nenhum dos governos da chamada ‘Revolução’. Eu aplaudia os atos que tinha que aplaudir e censurava o que tinha que censurar.

Cheguei a ter uma sala com nove gravadores, mas nunca proibi que ninguém levasse gravador. Teve um fato, estava preparando um esquema no quadro. Me sujei bastante de giz e ouvi uma voz lá de trás. Quando me virei para dizer que não era um pano e sim a bandeira nacional brasileira. Não perguntei quem foi. No dia seguinte, o serviço de informação da universidade mandou o ofício para saber quem foi.

Aplaudiu meu gesto. Vou dizer quem foi, Hélio Leão, que é meu amigo. Salvou muita gente. Ele e Dom Luciano salvaram muita gente, apesar de muita gente dizer que não, dizendo ser o contrário. Para mim, eles foram um anteparo do que queriam fazer”.

Da fundação do Clube de Cinema em Sergipe, declara que foi fundador da entidade cultural, idealizada por José Lima de Azevedo, Núbia Marques Nascimento, Maria Lúcia D’Ávila Rollemberg e José Apóstolo de Lima Neto, que era o gerente da Livraria Regina. “Um dos grandes esquecidos por Sergipe. As grandes publicações que existiram na década de 40, 50 e 60 foram feitas pelo espírito colaborador altamente positivo de José Apóstolo. Se não fosse ele, não havia essas publicações”.
Na sociedade de Cultura Artística de Sergipe, foi responsável pela sustentação administrativa da entidade, sendo secretário geral e pela parte de cinema.

É autor de várias publicações. “Em 60, já tinha escrito: Noções de Cinema – primeiro livro de cinema em Sergipe. Evolução da Paisagem Humana da Cidade de Aracaju. Estudos Jurídicos e Realidade Nacional. Felisbelo Freire, Governo Inácio Barbosa. São mais de 16 publicações e continuo a escrever, agora com muito mais tempo”.

Matéria publicada em 11.10.1992 — Bonifácio Fortes faleceu em 5.11.2004.

Texto reproduzido do site: usuarioweb.infonet.com.br/~osmario
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Imagem para ilustração de artigo, postada
pelo Grupo do Facebook/MTéSERGIPE.
Foto reproduzida do site: ihgse.org.br

Postagem originária do Facebook/GrupoMTéSERGIPE, de 30 de janeiro de 2016.

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