quinta-feira, 28 de fevereiro de 2013

2012 - Centenário do Ex-governador José Rollemberg Leite.


Memórias de Sergipe
Publicado pelo Jornal da Cidade.Net, em 1 de outubro de 2012.

Sergipe comemora o centenário de nascimento do ex-governador José Rollemberg Leite.

José Rollemberg Leite nasceu a 19 de setembro de 1912, em Riachuelo, Sergipe. Seus pais: Sílvio César Leite e Lourença Rollemberg Leite. Tem doze irmãos: seis do primeiro consórcio de seu pai, e seis do segundo. Sua infância foi vivida em Riachuelo até os dez anos e, depois, em Aracaju.

O sr. Sílvio César Leite era médico e passou sua vida, exercendo a Medicina em Riachuelo. Era o irmão mais velho do Dr. Augusto Leite e, por vezes, os dois juntavam seus conhecimentos no modesto hospital de Riachuelo, numa sala de operação de poucos recursos. De seu pai, José Rollemberg assimilou bem a simplicidade, o amor à família e o espírito de ter uma grande preocupação para não ser prejudicial a quem quer que fosse.

O menino José Rollemberg tinha gosto das coisas da fazenda e ajudava seu pai na administração. A fazenda era situada numa região de muito movimento por causa da Usina Central. Nossa propriedade era exatamente vizinha e os proprietários da Central eram meus tios. Naquela época, era a principal usina de Sergipe.

Logo foi para os bancos escolares. A fazenda ficou para os fins de semana e os períodos de férias. O primário foi iniciado em Riachuelo. Depois passou a freqüentar o Colégio Salesiano em Aracaju, e daí foi estudar fora do Estado. Terminei o primário em Salvador, num colégio de jesuítas, o Antônio Vieira, onde fiz todo o curso secundário.

Do primeiro tempo de escola, alguns professores deixaram marcas na vida de José Rollemberg. Quando estudava aqui em Aracaju, no Salesiano, o padre Selva. Posteriormente, foi o bispo em Mato Grosso. Era um italiano que fez uma grande reforma no Colégio Salesiano. Por ter estudado com padres jesuítas, teve o privilégio de receber uma educação com muito rigor e conhecimentos. Tive magníficos professores e dou graças a Deus por ter sido educado no Colégio Antônio Vieira.

Na época, havia poucos colégios em Aracaju, e muitas famílias mandavam seus filhos estudarem em Salvador. O Colégio Antônio Vieira tinha uma quantidade grande e o Colégio Maristas outra quantidade. José Rollemberg lembra os nomes de colegas de estudos do seu tempo em Salvador.

Augusto Franco e seus irmãos. Os Francos da Usina Central, Sílvio Franco, Antônio Franco. Da minha família eu, Gonçalo e Leite Neto. Havia outros, mas já desapareceram. Lourival Baptista foi, também, meu contemporâneo no Antônio Vieira.

Estudando fora, longe de casa, quando a saudade apertava, não esquecia de escrever cartas. Infelizmente, perdi minha mãe logo cedo. Eu só tinha oito anos quando ela faleceu. Mas eu tinha uma convivência muito grande com meu pai e meus avós maternos. Eu considerava minha avó materna como uma segunda mãe, pois ela era dedicadíssima e era uma pessoa excepcional. Tive uma boa convivência com a segunda família que o meu pai constituiu. Com a minha madrasta, com o tempo, tivemos uma convivência muito boa, tendo ela falecido há pouco tempo. Eu me correspondia muito com o meu pai através de cartas.

No ano de 1929, trocou a cidade de Salvador por Ouro Preto, Minas Gerais. Fez o curso superior em seis anos e, no ano de 1935, saiu como engenheiro de minas e civil. Em Ouro Preto, foi contemporâneo de Fernando Porto. Ele se formou dois anos antes de mim. Fomos companheiros de casa, morávamos juntos.

O avô materno de José Rollemberg, Gonçalo de Faro Rollemberg, foi chefe político em Sergipe. A política só se manifestou no tempo de faculdade, quando José fez política estudantil.

Comecei a me interessar por coisas políticas, participando do diretório acadêmico, quando cheguei a ser presidente. Isso entre 1932 e 1934. Não havia, propriamente, luta política. Naquela época, era uma luta mais estudantil, interna, envolvendo a vida da escola.

Quando se formou, retornou a Sergipe disposto a enfrentar o seu primeiro emprego de engenheiro.

Encontrei meus irmãos Leite Neto e Gonçalo numa luta política interna, fazendo oposição ao governo. Meu pai achou prudente que eu não ficasse aqui e fosse para o Sul. Fui trabalhar a convite de um colega em Ouro Preto na implantação da indústria de alumínio. Passei lá um ano e poucos meses. Foi um tempo muito significativo em minha vida. Foi muito proveitoso para mim, profissionalmente, e não sei se não foi um erro ter voltado tão cedo para casa.

Atraído pela família, deixou Minas e foi trabalhar na indústria de óleos vegetais do tio Antônio Franco. Em pouco tempo, ingressou no magistério sergipano e na construção civil. Naquele tempo, havia, após o curso ginasial, os cursos complementares. Havia os cursos de Engenharia, Direito e Medicina. Fui convidado para lecionar Física no curso de Engenharia.

Gostou de ensinar. Era um professor contratado pelo Estado. Quando surgiu a primeira oportunidade de um concurso para ser professor catedrático, inscreveu-se. Foi aberto o concurso para a cadeira de Ciências Físicas e Naturais do Atheneu. Fiz e passei. Na ocasião, estabeleceu-se uma polêmica muito grande, se o governador me nomeava ou não. A não ser a prova escrita e a prova de laboratório, as demais eram públicas. Prova de defesa de tese, aula prática e prova oral. Havia um fluxo grande de pessoas que iam assistir, inclusive, o governador de Sergipe, Eronildes de Carvalho, o qual, como opositor da minha família, não podia perder e se fez presente. Fez uma guerrinha de nervos, mas, dentro do prazo, fez a nomeação. O governador era tão radical que demitiu meus irmãos no dia em que eu cheguei formado em Aracaju. O meu irmão Gonçalo era procurador da prefeitura, e Leite Neto era o diretor da penitenciária.

Depois de conseguir a vaga de professor catedrático do Atheneu, entusiasmado com o magistério, José Rollemberg Leite foi ensinar em todos os colégios que existiam na cidade. Naquele tempo tinha o Colégio Nossa Senhora de Lourdes, o Colégio Salesiano, o Tobias Barreto e o Atheneu. Eu lecionava nos quatro.

Sempre foi um professor querido dos seus alunos. Sempre levei a sério. Nunca faltava aula e me dedicava aos alunos. Com a chegada do ensino superior em Sergipe, com as escolas isoladas, José Rollemberg estava em sala de aula dando sua contribuição, continuando o magistério, exercido como sacerdócio na Universidade Federal de Sergipe.

No magistério sergipano, José Rollemberg Leite ensinou a várias gerações. Muitos foram seus alunos. De vez em quando, recebia uma carinhosa saudação. Ex-alunos que cumprimentam o mestre, agradecidos pelo saber recebido. Um gesto de admiração, que parece consistir em uma mistura de surpresa, de prazer e de aplauso, como disse Charles Darwin.

Foi professor de Matemática e Física nos colégios Salesiano, Tobias Barreto e Nossa Senhora de Lourdes em 1937/1941. Professor de Ciências, Física e Matemática do Colégio Estadual de Sergipe. De Matemática e de Administração Escolar da Faculdade de Ciências de Filosofia. Professor de Física Industrial de Administração de Obras da Escola de Serviço Social de Sergipe. Professor de Estatística Geral do Instituto de Matemática da Universidade Federal de Sergipe. Professor de Estrutura e Funcionamento do Ensino do Primeiro e Segundo Graus e de Princípios e Métodos de Administração Escolar da Faculdade de Educação da Universidade Federal de Sergipe.

Uma grande satisfação do professor José Leite: Acompanhar a vida dos ex-alunos. Três dos meus ex-alunos foram governadores do Estado; outros foram senadores, deputados, no comércio, na função pública.

José Rollemberg fala sobre sua entrada na vida pública. Estava completamente fora de política quando houve a mudança da situação em Sergipe. Saiu o governador Eronildes e entrou o capitão Mílton Azevedo, representando a corrente do general Maynard. Para minha surpresa, ele chegou num dia e, no dia seguinte, eu recebi um chamado. Nunca tinha ido ao Palácio. Ele não me conhecia e também não o conhecia. Disse-me que, por referência, achava que eu deveria ser o diretor de Educação. Naquele tempo, chamava-se diretor da Instrução. Aleguei que era apenas um professor. Ele ponderou que eu poderia me adaptar e aceitei.

Foi no ano de 1941 que entrei na administração pública. Era o diretor da Instrução e era, ao mesmo tempo, diretor da Escola Normal, com o gabinete na Escola Normal Rui Barbosa. Isso foi em julho. Em dezembro, Mílton Azevedo me chamou e disse: “Estou precisando que você assuma a Diretoria de Obras do Estado”. Respondi-lhe que estávamos em festas e que era melhor deixar passar esse período. No dia 2 de janeiro de 1942, fui até o Departamento de Obras que acumulava Obras e Estradas e assumi, sem solenidade, e passei a trabalhar como diretor da Educação e diretor de Obras. Saiu Mílton Azevedo e chegou Maynard. Ele não alterou minha situação, reuniu os auxiliares do Mílton e disse que aguardássemos nos cargos uma solução definitiva. No dia seguinte, chamou-me e pediu que permanecesse como estava. Tenho muito orgulho de ter servido tanto no governo de Mílton como no de Maynard. Quando Maynard deixou o governo, eu fui trabalhar no Senai. Quem instalou o Senai fui eu.

José Rollemberg Leite recebeu a comunicação do presidente em exercício do PSD, Dr. Gervásio Prata, anunciando seu nome para concorrer ao governo do Estado numa coligação do PSD com o PR. Aceitou e foi disputar o cargo, fazendo frente a Luiz Garcia da UDN.

Foi uma eleição muito disputada. Nessa eleição, o General Maynard também foi candidato a senador. Ele, como membro do Tribunal de Segurança Nacional, havia condenado Luís Carlos Prestes. A essa altura, Prestes estava anistiado e veio a Sergipe, contra Maynard e contra mim conseqüentemente, e fez um dos maiores comícios de Sergipe na Praça Fausto Cardoso. Contou a versão dele sobre o fato que o levou à condenação, o que provocou, oito dias depois, a resposta de Maynard. Foi um comício espetacular. Agitou muito a opinião pública. Por outro lado, o apoio dos comunistas a Luiz Garcia movimentou a ala católica que passou a apoiar ostensivamente o meu nome, através da Liga Eleitoral Católica. Movimentou a opinião pública, na ocasião, mas desapareceu logo depois. Não se firmou como corrente política.

Sobre a leitura de um manifesto da Igreja a favor de sua candidatura feita em latim durante a missa do domingo em Laranjeiras pelo vigário da cidade. O padre de Laranjeiras leu o comunicado do bispo em latim. O padre era udenista.

José Rollemberg tem uma opinião sobre os homens públicos. Havia muito respeito entre os homens públicos antigamente. Divergiam politicamente, mas, pessoalmente, se respeitavam muito. De modo que nunca houve rompimento de relações. Por exemplo, o Dr. Leandro Maciel, que tradicionalmente era adversário de Leite Neto e nosso, mantinha boas relações tanto com Leite Neto como conosco.

Falando sobre a primeira campanha, ele disse: era uma campanha difícil, pois, naquele tempo, os meios de comunicação eram poucos. Lembro-me que a margem do São Francisco tinha de ser visitada de canoa. O interior de Sergipe era visitado de jeep ou a cavalo. Hoje as campanhas políticas são feitas com facilidade. A pessoa sai de manhã e volta para dormir em casa. Antigamente, nós passávamos dias e dias no interior. Nosso primeiro comício foi na cidade de Gararu, marcando o início da campanha. Foi numa feira. Nunca tinha feito comício. Lembro-me do Dr. Marcos Ferreira que nos acompanhava, fazendo o discurso e o sujeito vendendo feijão diante dele, tranqüilamente. Fiquei decepcionado. Era em cima de qualquer banco.

Aprendeu a habilidade política com o irmão Leite Neto. Ele era muito hábil, mas eu não o sou. Ele não brigava. Quando encontrava dificuldades, procurava contorná-las. Não sei se sou muito diplomata. Mas aprendi muita coisa com ele. Ele era um bom político. Um bom irmão, bom pai de família.

Do ano de 1947 a 1951, José Rollemberg Leite, eleito pelo povo, governou Sergipe, dando prioridade à educação. Em seu governo, foi construído o atual prédio do Atheneu. O prédio do Atheneu, que funcionava onde hoje é a Secretaria de Educação, estava insuficiente para as necessidades escolares. Já no governo do Maynard, havia uma preocupação de se fazer um outro prédio. Eu era diretor de Obras do Maynard e estava por dentro do problema. Inclusive, como diretor de Obras, eu era responsável pela elaboração dos projetos. Nessa ocasião, foi feito o projeto do Colégio Estadual de Sergipe.

Fui ao Rio de Janeiro, contratei um arquiteto, mas o Maynard não pôde fazer a obra. Quando fui para o governo, pedi ao Departamento de Obras o projeto, e este não existia mais. Como eu tinha guardado em casa uma cópia. Foi um projeto que previa ampliações. Eu fiz a parte inicial, dois pavilhões. Arnaldo Garcez fez o auditório, e Lourival Baptista fez outro pavilhão.

Do tempo de Maynard, José Rollemberg Leite marcou sua passagem como diretor de Obras, abrindo muitas estradas pelo interior sergipano. Prosseguiu o trabalho em seu próprio governo. Mas, foi no campo da educação que deixou a grande marca.

Só em colaboração com o Ministério da Educação, nós fizemos cerca de duzentos e cinqüenta Escolas Rurais no interior. Eram escolas que tinham a sala de aula, uma área coberta para recreio e a residência da professora no mesmo pavilhão. Dedicamo-nos muito a essa parte porque, como diretor de Educação, eu ficava horrorizado com a situação em que as escolas funcionavam no interior, em casas precárias, adaptadas para o ensino.

Foi no governo José Leite que surgiu o ensino superior em Sergipe. Fizemos a Escola de Química e de Economia. Quando saímos do governo, já existiam quatro escolas superiores no Estado. A escola de Filosofia, Dom Luciano nos procurou e ajudou com recursos financeiros. Para a Faculdade de Direito, o governo deu o prédio.

Quando assumiu o governo, encontrou Aracaju sem água e sem luz. A luz era racionada. Cada dia, uma zona da cidade tinha energia e água faltava, pois as bombas dependiam de energia. Primeiro, resolvemos o problema de água e, com a luz, montamos uma nova usina que funcionou até vir a CHESF. Isso levou o dinheiro que tínhamos para investirmos e sobrou pouca coisa para as construções sobre as quais falamos.

Foi para o governo pela segunda vez, por indicação presidencial e aprovação, sem contestação da Assembléia Legislativa. Petrônio Portela foi encarregado pelo presidente da República para fazer uma sondagem nos Estados. Quando chegou aqui, encontrou uma divergência tremenda. O grupo de Lourival estava, naquela ocasião, rompido com o grupo Franco e com o grupo Sobral. Eu, como presidente da ARENA, servi de algodão, arrumando as coisas para Petrônio Portela. Esses grupos indicaram onze nomes, e Petrônio levou a lista.

Antes de ir, Petrônio Portela disse que daria resposta através do presidente do partido. De modo que esta sala vivia cheia de pessoas interessadas na resposta, entendeu? Até que um dia, fui chamado ao telefone pelo Raimundo Diniz, um ex-aluno meu e que continuava me chamando de professor. Ele era deputado e me disse que tudo estava resolvido. Daí eu perguntei quem era. Ele respondeu: ‘Está falando’. Entendi que era ele, pois era amicíssimo de Petrônio e dei os parabéns. Nisso, entrou o Godofredo Diniz a quem o Raimundo já tinha comunicado e me disse que o candidato escolhido era eu. Eu precisava testar isso. Petrônio, quando eu fui senador, brincava muito comigo e me chamava de “Silêncio Profícuo”, pois dizia ele que ficavam os políticos de Sergipe conversando e eu escutando. Petrônio, ao telefone, pilheriou comigo com o negócio de “Silêncio Profícuo”, convocou-me para Brasília e não disse para ninguém. Só quem estava sabendo em Sergipe era Godofredo e eu. Quando ele tornou público minha indicação, o pessoal então ficou sabendo que não era nenhum dos onze.

No seu segundo governo, construiu a atual Estação Rodoviária de Aracaju, o Palácio da Justiça, abriu muitas estradas, agora com asfalto e, na educação, o seu primeiro ano de administração foi dedicado à recuperação da rede física do ensino. Aliás, foi apenas dos prédios públicos. Passou um ano recuperando apenas o que estava danificado.

Falando sobre João Alves, ele diz: não fui um grande padrinho para ele. Ele é que foi um grande auxiliar. Eu conhecia pouco João Alves. Conhecia bem o pai dele que foi meu companheiro quando eu trabalhava no Departamento de Obras Públicas. Ele ali trabalhava e se revelou uma pessoa muito capaz, o velho João Alves. Depois o perdemos de vista. O João Alves Filho era construtor. Eu apreciei muito uma exposição que ele fez num curso da ADESG sobre problemas de Aracaju e eu fiquei com aquilo. Quando houve oportunidade, encontrei-me com ele numa obra em que ele acabara de construir: a Maternidade do Dr. Hugo Gurgel. Fiz o convite para ir em minha casa. Ele apareceu aqui, aceitou a prefeitura, se dedicou e foi o sucesso que todos nós sabemos. Convidei João Alves Filho para ser meu auxiliar no governo no cargo de prefeito da capital. Ele tomou gosto pela política depois.

Sua rotina é a seguinte: Acordo às cinco horas. Dou uma hora de caminhada por aqui mesmo. Vou à fazenda duas vezes por semana. É aqui perto. Uma em Socorro, e a outra em Laranjeiras. Não tenho o mesmo gosto que tinha antes. Vou sempre à missa, pois sou católico, graças a Deus. As coisas marcantes da vida são coisas de família mesmo e, na vida de estudante, dois momentos: a entrada e a saída da escola. Dos cargos públicos, a gente não tem saudades. Dos títulos, o que marcou mais foi o de professor. Tenho a grande satisfação de ter servido a uma série de cargos públicos.

Assim é José Rollemberg Leite, uma das mais dedicadas figuras da história política de Sergipe. Senador em 1965 e 1971; governador de 1937 a 1951 e em 1975; e Secretário de Transportes Obras e Energia de 1984 a 1988. Participou de diversos colegiados: Conselheiro do Conselho de Administração da Escola Técnica Federal de Sergipe; Conselheiro do Conselho Rodoviário de Sergipe; Conselheiro do Conselho de Educação do Estado de Sergipe; Conselheiro do Conselho Superior da Universidade Federal de Sergipe e Conselheiro do Conselho de Administração da Cohab, Deso, Prodese e Hospitase no quadriênio 1988 - 1991.

Foi condecorado pela Ordem do Mérito Aeronáutico e chegou a fazer publicações como “A Natureza da Luz”, “Agro-indústria do Açúcar no Nordeste”, “Xisto Pirobetuminoso”, “Siderurgia no Brasil” e “O Brasil e a Energia Nuclear”.

No dia 15 de julho de 1939, casou com D. Maria de Lourdes Silveira Leite. Do casal, dois filhos: Libório Silveira Leite e Eduardo Silveira Leite.

Foto e texto reproduzidos do site: jornaldacidade.net/osmario-leitura

Postagem originária da página do Facebook/MTéSERGIPE, em 27 de fevereiro de 2013.

Seixas Dórea, O "Réu Sem Crime"

Discurso de posse como Governador de Sergipe - 1962.


Com Ulysses Guimarães, na luta pelas "Diretas Já".


Preso em Fernando de Noronha, em 12 de abril de 1962.

Publicado no site Marieta Borges, em 6 de fevereiro de 2012.

Morreu Seixas Dórea, O "Réu Sem Crime"
Por Marieta Borges.

Morreu João de Seixas Dória, o governador deposto em Sergipe e que, durante meses, dividiu um mesmo espaço com Miguel Arraes, em 1964, em Fernando de Noronha... Ele mesmo fala desse tempo de inquietação, no livro “Eu, réu sem crime”, onde recorda o sua prisão e confinamento no arquipélago: “Quando fui preso, os militares me levaram para a sede da 5ª. Região Militar, em Salvador (BA). Depois de quatro dias, fui transferido para o Recife e de lá para Fernando de Noronha. Passei alguns dias isolado e depois me transferiram para o quarto onde estava Arraes. Ali convivemos durante quatro meses. Saíamos juntos para tomar banho de sol. Até que fui solto e levado outra vez para Salvador, quando achei que seria morto”,

Na obra deixada, em nenhum momento o ex-governador sergipano relata a prática de tortura física, como acontecia nas cadeias do continente, onde pessoas perderam suas vidas batendo de frente com o regime imposto pelos militares. Contribuía para isso o reto proceder do então Governador noronhense, Cel. Jayme Augusto da Costa e Silva.

Este governador, João de Seixas Dória, fazia parte da chamada “bossa-nova” - a UDN - e foi um dos primeiros a se aliar à Frente Parlamentar Nacionalista. Isso lhe valeu ser considerado um “esquerdista” e fez com que fosse cassado, preso e remetido para Fernando de Noronha. Confinado em Salvador, à espera de ser mandado para a ilha, escreveu ao Presidente da República, Castelo Branco, pedindo que fosse feita uma devassa no seu governo, para que ficasse provado que lá não havia subversivos nem corruptos... Não foi atendido. Libertado, tempos mais tarde, escreveu seu livro de memórias (publicado no Rio de Janeiro, pela Editora Codecri, em 1980), incluindo nele a carta enviada ao Presidente da República, pedindo para ser julgado de forma justa, e que não teve resposta.

Nas memórias do ex-governador de Sergipe, está o susto vivido numa noite, em que Miguel Arraes foi levado de repente do quarto onde estava preso junto com ele, com a desculpa de que ele “iria dar um depoimento”. Passaram-se horas e horas e nada dele voltar. Às tantas ouviu-se um estampido e um grito no pátio. Apareceu um Sargento anunciando: - “Aquele tiro, Dr. Seixas, eliminou o ex-governador Arraes”. Abalado com a notícia, sofreu a perda do companheiro, a quem tanto admirava. Não quis comer. Não conseguiu dormir. No dia seguinte, encontrou-se com Miguel Arraes, vivo. Tudo não passara de um ato de terrorismo psicológico. Este fato é contado pelo próprio Seixas Dória, e também por Bento da Gama Batista, outro preso político na ilha, na obra “1964- agonia em Fernando de Noronha: depoimentos sobre o cárcere da ditadura militar”, editado pela Ed. Universitária da UFPB, em 2000.
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Agora, Seixas Dória se foi, aos 94 anos. Entrevistado por mim, em 2010, em Aracaju, afirmou não sentir mágoa de ninguém, ainda que tivesse sido injustiçado...

O Governador de Pernambuco, Eduardo Campos, neto de Miguel Arraes, o companheiro de cela de Dória, expressou os sentimentos de Pernambuco ao governo de Sergipe, pela perda do importante político. Resta-nos – a todos – sua importante obra, existente no acervo do “Programa de Resgate Documental sobre Fernando de Noronha”, nos dois volumes doados, um retrospectivo dos tempos de prisão, e outro, reunindo artigos publicados em jornais, em tempos diversos, muitos dos quais também falando em Fernando de Noronha.

E foi o arquipélago onde amargou sua prisão que lhe prestou uma homenagem televisiva, num especial levado ao ar na TV Golfinho, no dia seguinte à sua morte, recordando momentos vividos por ele em sua trajetória política e, em especial, a foto que consta do seu prontuário, feito no dia de sua chegada na ilha: 12 de abril de 1964.

João de Seixas Dória: um nome para não ser esquecido!

Fotos e texto reproduzidos do site: marietaborges.com

Postagem originária da página do Facebook/MTéSERGIPE, em 27 de fevereiro de 2013.

quarta-feira, 27 de fevereiro de 2013

Jorge Carvalho Entrevista Amaral Cavalcante - 1/2


Entrevista com Antônio do Amaral Cavalcante
Data: 09 de março de 2011
Local: Residência de Jorge Carvalho

Jorge Carvalho - Gostaria que você dissesse seu nome completo, o local. a data do seu nascimento e o nome dos seus pais?

Amaral Cavalcante – Meu nome é Antônio do Amaral Cavalcante, nasci na cidade de Simão Dias, Sergipe, na Praça Barão de Santa Rosa, no dia 11 de julho de 1946. Sou filho de José Cavalcante Lima e Corina Hora do Amaral.

Jorge Carvalho - quantos foram os seus irmãos?

Amaral Cavalcante – Fomos cinco, todos nascidos em Simão Dias: José Nery, o mais velho, depois eu. Tereza, a primeira mulher e depois Édila. Jorge, o mais novo, é o único que já faleceu.
  
Jorge Carvalho - Quem foram os seus avós paternos?

Amaral Cavalcante – Pelo lado paterno, Corcino Cavalcante, por sinal um caboclo bonito e elegante. Conta-se que a mãe dele teria sido pega a “dentes de cachorro”, expressão usada antigamente para indicar a apreensão de índios pelos capitães do mato, a mando dos coronéis. Vô Corcino, sempre de terno e bengala, tinha a pele morena, avermelhada, o cabelo preto penteado liso até a nuca e os lábios finos sob um bigode amarelecido pela inalação do rapé, que era o seu vício. Minha avó, Teresinha Néry Cavalcante, dos Néri de Campo do Brito, era a temida matriarca da família. Era mandona e andava pela nossa casa, quando em visita, ordenando com a voz esganiçada e balançando no cós da saia um misterioso molho de chaves que nada mais destrancavam, a não ser os segredos das nossas traquinagens. Pelo lado materno, eram a minha avó Maroca que eu conheci muito pouco e vovô Hermínio Amaral, muito querido por todos nós. Hermínio era afável e conversador. Sofria de uma hérnia nos “quiba” que o fazia carregar um estranho volume entre as pernas e lhe obrigava a caminhar com um gingado engraçado. Era um velhinho de brancura afogueada, curvado sobre a bengala de jacarandá, cheio de bom humor e amorosidade. Quando o conheci ele já não morava com a minha avó Maroca; arranchara-se lá em casa num quarto no quintal, onde, além do catre, havia uma mesinha com jarro e bacia de ágate, éter, pipeta e outros utensílios essenciais à sua assepsia diária que nós, os netos mais velhos, fazíamos com gosto, por dez tostões. Já com a velha Maroca, convivi pouco. Morava na Rua do Coité numa casa com móveis impecavelmente lustrosos e um fabuloso quintal onde imperava um frondoso sapotizeiro, delícia da meninada. Somente lá, no casarão solitário da Vó Maroca, comíamos a delituosa merenda de farinha com açúcar cristal chamada “farofa doce”, proibida definitivamente em nossa casa por provocar cáries e, quem sabe até, barriga d’água.
  
Jorge Carvalho - Descreva a casa onde você passou a sua infância.

Amaral Cavalcante – Morávamos na esquina da praça Barão de Santa Rosa, em Simão Dias, à sombra de palmeiras centenárias, onde ao cair da tarde a cantoria agoniada das cigarras nos enchia de melancolia. Era uma casa com fachada em azulejos portugueses com 12 janelões envidraçados, amplos salões e muitos corredores. No salão principal, o das visitas, mantinha-se um conjunto de cadeiras de braço e sofá de palhinha rodeando uma mesinha de junco onde se expunham os únicos objetos propriamente decorativos da sala: um cristal tão bruto quanto o gosto estético do meu pai, uma florista de alabastro levantando a saia e um caramujo gigante (tão raro naquelas bandas) onde eu costumava ouvir, como numa cornucópia, o barulho de hipotéticas ondas. O mar, tão incompreensível para mim, ainda era uma quimera distante. Seguindo o corredor central chegava-se à sala de jantar com duas vetustas mesas para muitos comensais e uma envidraçada cristaleira, onde se guardavam as sobras ancestrais das louças e cristais familiares. Dali chegava-se à cozinha dominada por um velho fogão à lenha de ferro trabalhado, rodeado de prateleiras onde serenavam os alguidás, os tachos de cobre, os panelões de barro e as cuias de temperar. Ainda hoje, quando sonho com a casa onde nasci é na cozinha onde a minha saudade vai parar. É lá onde reencontro a família cuidando de prover com os cheiros instigantes do cominho e da hortelã miúda, a memória do meu paladar, Éramos vizinhos do doutor Salustino, onde se hospedava o político Celso de Carvalho quando em visita à cidade. Lá, teria morado também o Barão de Santa Rosa. .
  
Jorge Carvalho - Na casa viviam você, seus irmãos... e mais quem?

Amaral Cavalcante – A casa transformou-se em hotel, ou como se chamava naquele tempo, numa pensão. Minha mãe era industriosa e quis transformar aquela casa com seus 12 espaçosos quartos em hospedaria. Graças a isto conheci grandes artistas circenses como Marinêz, Jackson do Padeiro, Wilson Simonal, Milionário e Zé Rico, o cantor José Augusto e palhaços sergipanos como Gravatinha e Batalhinha, que foram nossos hóspedes. Era a época dos caixeiros viajantes e, dentre tantos, recordo o velho Seu França, a serviço de “A. Fonseca”, pai do imberbe Zé Brasil que o acompanhava e que depois se tornou um legendário repórter policial no Diário de Aracaju. Dos hóspedes mais memoráveis lembro-me de um mestre do Tarô que se instalava regularmente lá em casa e recebia a fina flor da sociedade simãodiense em consultas cabalísticas. Era uma frágil figura de hábitos esquisitos e olhar perturbador que recebia no quarto as suas consulentes. Instalei-me muitas vezes no quarto vizinho aprendendo, quando conseguia decifrar os seus murmúrios, o jeito certo de falar ao coração das pessoas. Acho que vem daí, da compartilhada habitação na minha casa ancestral, que me restou a capacidade de conviver com o inusitado e a escolher a diversidade como um modo de viver.

Jorge Carvalho- Na família, os meninos tinham alguma tarefa laboral, alguma responsabilidade com o trabalho?

Amaral Cavalcante – Todos nós cumpríamos tarefas. As meninas, principalmente, cuidavam de se embonecar, incentivadas por Corina, mas nos dias de feira (quarta e sábado), tinham que ajudar na cozinha. Nós não tínhamos geladeira já que naquele tempo, geladeira era um engenho improvável numa casa interiorana. Não tínhamos nem energia elétrica regularmente. As luzes, aliás, acendiam à noite, graças a um velho motor de usina que funcionava por três dias e passava oito meses sem funcionar. Mas os filhos homens tinham outras tarefas, como, por exemplo, encher a caixa do banheiro com água comprada do Tanque Novo, bombear água da cisterna para o consumo da casa, lavar o chão, cuidar do galinheiro, varrer o quintal, fazer compras a qualquer momento, ir com o carrinho de mão para a feira e trazer, duas vezes por semana a feira da pensão. Como não havia geladeira, as provisões tinham que ser temperadas e cozidas no mesmo dia, então, o preparo da comida era uma tarefa comum. Sobrava-nos o domingo para acompanhar o pai Liminha em suas aventuras exploratórias pelos arredores, a capturar catende com laços de cipó, explorar banhos de tanques barrentos em malhadas de amigos e visitar sítios de cajus e mangas. Meu pai era um chefe de excursão muito divertido. Para ele, a nossa tarefa era a de sermos crianças.

Jorge Carvalho - Em Itaporanga, como era a sua casa?

Amaral Cavalcante – Era na rua principal, entre a casa do Juiz Dr. Joãozito Garcez e a de Dona Tinôr – uma senhora negra de muita elegância - onde se hospedava o pároco local. Em frente, estava o sobrado de Madrinha Zazá, matriarca da família Sobral, ao lado do velho sobrado de Dona Pombinha, matriarca dos Garcez, que inda mantinha uma convivência rural, com amplos pastos para criação de gado e um curral, embaixo do sobrado, onde eu bebia todas as manhãs um copão de leite tirado inda quentinho do peito da vaca. Exatamente em frente morava Dona Riso - Risoleta – em cuja casa só se entrava pisando sobre uma passarela de tapetes finos e escorregadios que ela estendia sobre o piso excessivamente encerado. Dona Riso era tida como fofoqueira, mas eu gostava muito dela porque ela me dava doces e nos fornecia, aos domingos, um litro de água gelada, disputadíssimo na mesa de Emiliana. Eu a vi depois de muitos anos, quando revisitei Itaporanga, a alma tomada por forte emoção e aflorada sensibilidade. Pois ela, ao me ver na sua porta, não perdoou: - Antonio, já casou? - Não... e o seu filho Josafá, aquele bonitão que se mandou pra São Paulo e que, depois, voltou com um dileto amigo muito amado, já casou? Ela mudou de conversa e me convidou a entrar, a desfilar perigosamente nos seus enganosos passadiços.
Quase em frente a minha casa morava o escritor católico Antonio Conde Dias, pai de Magali, Marcos e Lúcio Prado. Com eles dividi grandes momentos da minha infância em Itaporanga. Era uma casa enorme, administrada com pacientes cuidados por D. Natália, a mãe, cujo quintal, povoado de fruteiras, se estendia até as margens do rio Vaza Barris e para onde convergia a melhor molecada da nossa rua. Foi uma convivência feliz e criativa a que eu tive com eles. Uma das nossas invenções foi um inusitado jornal, o “Itaporanguense”, escrito à mão em papel pautado e que era levado de porta em porta para que as pessoas o lessem. Ficávamos sentados no batente aguardando a devolução daquele único exemplar e dos trocados que o leitor nos quisesse dar. Durou uns três números, mas foi de capital importância para a minha formação, porque era um trabalho feito em equipe e continha o melhor do nosso esforço intelectual. Dele participavam Marcos, Eu e Danilo, filho do poeta José Sampaio, cuja esposa, D. Jacy, Danilo e irmã Liana, transferiram-se para a casa dos Conde Dias quando o poeta, acometido pelo câncer que o levou, precisou hospitalizar-se em Aracaju.
Na mesma rua, um pouco adiante, estava o Museu de Artes e Tradições de José Augusto Garcez, outro universo de descobertas e experiências intelectuais, onde eu convivi com o ainda incompreensível universo da história, pacientemente revelado pelo Dr. Zé Augusto, em meio à baforadas do seu indefectível charuto e às ordens gritadas ao seu fiel Quasimodo, o negro Delegado, para me trazer, como provas do que me contava o patrão, um trabuco da guerra cisplatina, um charuto mordido por Getúlio Vargas ou a fotografia de um poeta beduíno chamado Freire Ribeiro, que costumava conversar com o Rei David, ou ainda a fotografia de um belo negro chamado Santo Souza que ele me jurava ser o maior poeta do Brasil. Era esse o universo que me cercava em Itaporanga d’Ajuda: velhos casarões e amplos quintais.

Jorge Carvalho- E em sua casa, o que lhe aguçava a inteligência?

Amaral Cavalcante - O quarto de tia Dos Anjos era cheio de baús de livros, muitos de capa grossa, alguns profusamente ilustrados. Quando saciei minha compulsão infantil por giletar as figuras, passei a lê-los com certo entusiasmo. Não lembro mais do que tratavam, mas a descoberta do universo literário, o gosto pela página escrita me apresentando um mundo além do meu travesseiro, o ritual das palavras domadas no papel com sabedoria, me encantaram e até hoje me fascinam. |No quarto de Dos Anjos, sobre uma cômoda de jacarandá periclitante das pernas, havia balanças, pipetas, fogareiros, ampolas e outros aparelhos incompreensíveis onde ela exercia uma espécie de alquimismo, cozinhando pedras e amassando plantas, em busca da pedra filosofal. Até que um dia, graças a um começo de incêndio, a velha Dos Anjos foi terminantemente proibida de continuar com suas experiências cabalísticas.
Meu primeiro contato com a declamação de textos foi com os discursos de Dos Anjos, guardados nos velhos baús. Eram escritos em papel pautado com bela caligrafia e tratavam de temas escolares como “O Dia da Arvore”, “O Grito do Ipiranga”, “O Natal”, “O valor do Saber"... e assim por diante. Depois que aprendi a lê-los em voz alta ela me ensinou a recitá-los com “garbo e sentimento patriótico”, para as visitas. Daí passei a ser uma atração em convescotes, onde declamava os discursos de Dos Anjos em troca de alguns trocados. (Continua...)

Postagem originária da página do Facebook/MTéSERGIPE, em 26 de fevereiro de 2013.

sexta-feira, 22 de fevereiro de 2013

Jorge Carvalho Entrevista Amaral Cavalcante - 2/2


"Um dos defeitos do artista incensado é tentar monopolizar a atenção dos amigos. Eu não quebro a regra. Posto aqui outro trecho da entrevista que dei a Jorge Carvalho, que vocês poderão ler ou guardar para mais tarde". [Amaral Cavalcante].

Jorge Carvalho - Eram de Simão Dias os seus avos maternos?

Amaral Cavalcante – Infelizmente, tive poucas informações sobre a minha descendência materna, fato que só percebo agora. Conheci poucos parentes maternos. Além dos avós maternos e do meu tio Valério, dono da principal sorveteria da cidade, convivi com Anete, uma tia meio tan- tan que morava conosco e Raimunda, meio irmã de minha mãe por parte de pai, apelidada de “Abelhinha” porque era miúda de glúteos proeminentes e fabricava balas de mel. Hoje, acho que esta lacuna se deu por causa do surto de Hanseníase que acometeu Simão Dias. Alguns parentes da minha mãe pegaram a doença e foram segregados no Leprosário em Aracaju. A ocorrência de “leprosos” em qualquer família era, naquele tempo, motivo de segregação compulsória, uma vergonha inominável e resultava em segredo a ser guardado a sete chaves no círculo familiar Sei que Ponphilo, tio avô de Corina, era um comerciante abastado, mas tivera sua fortuna e família destruídas pela ocorrência da Hanseníase, como tantas outras em Simão Dias. A nós, as crianças, não chegaram maiores informações sobre eles. Isto nunca me fez bem.

Jorge Carvalho -E a família Cavalcante, você sabe de onde vem?

Amaral Cavalcante – Não havia lá em casa alguém que se preocupasse em guardar documentos ou repassar fatos de preservassem a memória da família. Sempre fomos sertanejos demais, doloridos e furtivos. O Cavalcante é do meu avô Corcino, nascido em Campo do Brito. Sua esposa Terezinha, filha de José Nery, sei que vem do povo de Campos. Minha tia-avó, Maria dos Anjos, iniciou o seu magistério lá, como professora rural no povoado Jabeberi onde eu estive, meninote ainda, em companhia dela para o casamento de Maria Luíza, filha de uma sua afilhada chamada Pureza. Lembro-me bem dessa tumultuada viajem em carroceria de caminhão e,depois, em carro de bois, debaixo de uma trovoada cataclísmica, com providencial pernoite forçado numa casa de fazenda onde nos serviram bolachas com café. Nunca vi mais gostosas. Na ocasião do casamento com muito forró e comida farta, homenagens foram prestadas à Duzanjos. Transferida para Itaporanga D’Ajuda, Duzanjos tornou-se a respeitável mestra das principais famílias itaporanguenses: os Sobral, os Garcez .... Ela era presbiteriana, tinha uma cultura literária razoável e gostava de empreender debates teológicos com o pároco local, o vizinho Padre Arthur Moura Pereira. Foi ela quem me alfabetizou e me incentivou às primeiras leituras.

Jorge Carvalho - Na sua memória, quais eram os momentos mais marcantes na sua família?

Amaral Cavalcante – A nossa casa era bastante freqüentada. Minha mãe jogava ”buraco” muito bem, conhecida pelas espertezas que, quando descobertas, rendiam acaloradas discussões. Meu pai era divertido e sociável, embora gostasse de botar apelidos nas pessoas, o que vez por outra lhe rendia algumas mal-querenças. Liminha fabricava os licores e os tira-gostos servidos por Corina atraiam muita gente, até desconhecidos, que davam uma passadinha para bebericar e comer dos quitutes da pensão. Nos festejos juninos, as duas grandes mesas se enchiam de manauês, canjicas, cocadas de todo tipo, pés de moleque, beijus e outras guluseimas do cardápio junino, alem, é claro, da profusão de licores de diversos sabores, alguns experimentais e insuportáveis como o de tomate e outros, como os de jenipapo e araçá que tomávamos revirando os zoinhos. No São João, também era de lá de casa que saía o batalhão da Praça Barão de Santa Rosa para a tradicional guerra de buscapés que se intensificava a cem metros dali, na Ladeira de Roque Boca Preta. Era a turma da praça contra a patuleia, cada turma municiada com sacas de pitus, cestos com buscapés de limalha, bombas de breu e até apetrechos mais inofensivos como o traque “peido de velho” e o “dicuri doido”, usados para aumentar o furdunço. O maior feito de coragem era descer a ladeira e soltar os fogos cada vez mais perto do inimigo. Liminha, o destemido, uma vez conseguiu tocar fogo numa saca de pitus imprudentemente largada no pé da ladeira, sagrando-se então o inesquecível campeão daquela contenda. Vejo agora, ao rememorar estes tempos, o quanto éramos felizes. Nós não éramos ricos, mas naquele tempo a pobreza digna era uma riqueza considerável, de grande valor social. Morávamos muito bem e minha mãe, caprichosa, sempre sacrificou outros confortos para nos vestir condignamente, tendo como parâmetro a moda de Aracaju. Para minhas irmãs ela não regateava ao encomendar vestidos de cambraia bocada com fitilhos cor-de-rosa, sapatilhas de cetim, truces delicadas... e para nós, meninos, casacos de frio com feche éclair usados pelos cauboys americanos, calças Levis e camisas Ban Lom, comprados na loja “Dernier Cri” do conterrâneo Zé Rico, templo da moda na Rua João Pessoa, onde ela mantinha uma elegante caderneta de compras. Uma vez Corina voltou de Aracaju com um chinelo “Haviano” azul celeste, que eu lhe encomendara “pelo amor de Deus” e que provocou a ira de Liminha: - Filho meu não sai por ai com esta sandalhinha afeminada”. E eu só pude usá-la depois que toda a cidade já a usava. Então, os momentos memoráveis são tantos... mas você quer saber de uma coisa? Os meus melhores momentos naquela casa foram quando, detardinha, sentado na soleira de ardósia da porta principal eu lia os poemas de Acenso Ferreira, as aventuras de Pedro Malazarte, os amores da princesa Theodora nos livros de cordel, as aventuras do guerreiro Carlos Magno no sertão do Cariri, a História da Mulher que Virou Cachorro, as pelejas do Cego Aderaldo...enquanto nas palmeiras da praça o canto das cigarras me embalava com o seu gemido cortante. . Essa doce melancolia me fez poeta.

Jorge Carvalho – Então, você era feliz?

Amaral Cavalcante – Muito, muito! Eu era um menino feliz naquela casa enorme. Mesmo para o padrão de casas do interior, a minha era muito grande. Em Simão Dias há um hábito – eu não sei explicar isto que não vi em nenhum outro lugar: as casas têm porta de frente e portão de fundos. As ruas estreitas eram ruas de portões de fundo, como áreas de serviço onde outra cidade se cumpria. O portão dos fundos da minha casa servia, por exemplo, para o descarrego das carroças de lenha, para a entrada da feira , para tratarmos de assuntos funcionais. O serviço era pelo portão dos fundos. Então, esta casa e esta situação me proporcionavam um universo muito grande de fugas, uma área destinada às brincadeiras infantis, de espada, de bang -bang... brinquei muito de bang- bang. Como a casa era cheia de corredores e esconderijos, a brincadeira da meninada lá, era constante. São estas coisas que ocupam a cabeça de um menino. Restam duvidas de que eu feliz?

As festas também aconteciam na Praça. .Pertinho da minha casa ficava a casa paroquial, onde morava, no meu tempo, o vigário padre Mario Reis, homem rigido. exigente e colérico. Foi o primeiro a deixar a batina para usar aquela veste clerical, o que causou uma estranheza muito grande entre nós. Mas a natureza dele me proporcionou uma convivência saudável com a autoridade constituída. Ele era o diretor do Ginásio Carvalho Neto, onde eu exercia certa liderança como presidente do Grêmio Estudantil, e tinha de comandar greves e piquetes solidários às orientações políticas da União Sergipana dos Estudantes Secundaristas. Brigávamos no Ginásio, mas ao cair da tarde éramos ouvintes solitários da sua extensa coleção de discos em 78 rotações, com musicas dos grandes mestres executados em um gramofone à manivela. Meu gosto musical vem dali. Calados, ressentidos, nada dizíamos um ao outro. Era sentar e ouvir.

Postagem originária da página do Facebook/MTéSERGIPE, em 20 de fevereiro de 2013.

quarta-feira, 20 de fevereiro de 2013

João Melo e a Música (Sergipana e Brasileira)


Infonet - Blog Luíz A. Barreto (07/01/2011).

João Melo e a música (sergipana e brasileira)
Por Luiz Antônio Barreto.

Ao que parece, a gravação do disco da Casa Edson, na voz do popular Baiano (Manoel Pedro dos Santos, 1887-1944) intitulado LUNDU DO NORTE, foi o primeiro registro da musicalidade sergipana. Na verdade versos e melodia do Lundu do Norte eram da Taieira de Lagarto, cujo estribilho ainda hoje ecoa em Sergipe: Inderé, ré, ré, Jesus de Nazaré, certamente retirados de Festas e Tradições Populares do Brasil, de Melo Morais Filho, livro publicado em 1901, e que contou com a grande colaboração de Silvio Romero, pesquisador das festas de Santos Reis e de Nossa Senhora do Rosário de sua terra natal. Silvio Romero registrou muitos cantos populares de Sergipe e do Brasil, que ainda hoje sõ cantados pelo povo em Laranjeiras, Japaratuba, Itabaiana, São Cristóvão, Pirambu, e outros lugares.
O poeta Francisco Leite BITENCOURT SAMPAIO (1834-1895), nascido em Laranjeiras, advogado formado em São Paulo, com banca bem freqüentada, fundador da Federação Espírita Brasileira, é o autor da letra da clássica modinha QUEM SABE , música do maestro Carlos Gomes, em 1859. A composição não envelhece, tem sido regravada, mantendo-se como a mais bela página do cancioneiro popular do Brasil: (Tão longe/ de mim distante/onde irá/onde irá/ meu pensamento).

HERMES- FONTES, o poeta da Fonte da Mata, nascido em Boquim, em 1888, viveu no Rio de Janeiro até 1930, militando em revistas e jornais e deixando vários livros de versos e pelo menos duas composições, em parceria com Freire Júnior, aplaudidas e imortalizadas: LUAR DE PAQUETÁ e A BEIRA MAR, gravadas por cantores contemporâneos como Orlando Silva e Carlos Galhardo, e ainda hoje circulando no mercado fonográfico.

Em 1931, o jornalista e poeta Orestes Barbosa (1893-1966), célebre autor de páginas imortais da seresta brasileira, esteve em Aracaju, publicou artigo, no jornal A TRIBUNA,edição do dia 28 de abril, sobre o livro O BRASIL NA HISTÓRIA, do sergipano Manoel Bonfim. Em 1932, em parceria com Eduardo Souto, lançou SERGIPANA, Fox-canção, gravado por Francisco Alves, louvando a cidade de Aracaju, como o fado faz com Lisboa, tornando-a mulher nas letras e melodias imortalizadas.

O sergipano de Aracaju LUIZ AMERICANO Rego (1900-1960), filho do mestre de banda Jorge Americano, serviu ao Exército como músico, em Maceió, antes de mudar-se para o Rio de Janeiro onde tornou-se um dos mais importantes instrumentista – clarineta e saxofone -, integrante de grandes e históricos grupos cariocas, autor de vários sucessos do disco, como LÁGRIMAS DE VIRGEM.

CARVALHINHO, cujo nome de batismo era José Prudente de Carvalho, nasceu em Aracaju em 1913, morrendo no Rio de Janeiro, em 1970. Autor dos clássicos carnavalescos MADUREIRA CHOROU (1957), em parceria com Júlio Moreira, e QUEM SABE, SABE (1956), com Joel de Almeida, campeões de vendagens, que ainda hoje são lembrados pelos brasileiros.

Muitos outros nomes, desde o Frei de Santa Cecília, de São Cristóvão, passando por Manoel Bahiense, de Laranjeiras, Joaquim Honório e o cônego Vitorino Fontes, de Estância, o pianista Carlos Dantas, a pianista Helena Abud, o maestro Ubirajara Quaranta, os cantores Pedrinho Rodigues, José Bitencourt, Baltazar, Edildecio Andrade, que era a voz e o violão do Trio Iraquitã, o maestro PINDUCA – Luiz da Anunciação, nascido em Propriá, figuram entre os sergipanos que tiveram participação destacada no cenário da música brasileira.

Foi, sem dúvida, JOÃO MELLO, baiano sergipanizado em Boquim e em Aracaju, o nome de maior relevo que Sergipe apresentou ao Brasil, como instrumentista (violonista), compositor e cantor, que assinou grandes e repetidos sucessos na discografia da MPB. Além das qualidades de profissional da música, JOÃO MELLO exerceu, por muitos anos, a produção musical da gravadora PHILIPS n Brasil, com os seus selos competitivos. Isto criou para JOÃO MELLO a oportunidade de enriquecer o cenário musical brasileiro, através do lançamento de artistas que alcançaram destaque nacional.

É difícil distinguir qual a face do artista que ganhou mais brilho, se o cantor afinado, chamado de O CANTOR MÁXIMO DE SERGIPE, se o violonista de batida nova, que precedeu a João Gilberto, o compositor dos rtimos brasileiros, o produtor musical, ou, ainda, o correto apresentador do VIDEOTECA APERIPÊ MEMÓRIA, NA TV Pública de Sergipe, ou, ainda, as apresentações, no Teatro Ateneu, abrindo portas para os novos que na própria terra se mostram sensíveis aos movimentos teatrais e musicais brasileiros.

JOÃO MELLO morreu há um ano, em Aracaju, cercado da admiração dos amigos e da veneração de uma família que foi, sempre, a sua torcida, os seus críticos e também os seus admiradores. JOÃO MELLO deu a Sergipe um lugar na MPB, e deixou um nome que precisa, pelo menos uma vez por ano, ser revisitado, homenageado, na preservação do mérito justo da sua biografia. JOÃO MELLO é uma síntese da arte musical sergipana, embaixador junto ao País, artista de muitos talentos, que se renova nas gravações recentes de suas composições.

Legenda: Sergipinho, composição de João Mello, um canto de amor e de saudade.

Foto: Álbum de família.
Texto e foto reproduzidos do site: infonet.com.br

Postagem originária da página do Facebook/MTéSERGIPE, em 19 de fevereiro de 2013.

Um Projeto Modernizado e Urbanístico - Parte 1


Relatório de Viagem: Visita a Cidade de Aracaju
Tema: Aracaju, o projeto modernizador e seus revezes (1910-1930)
Por Joemia Maria Gomes Mota
Aluna do curso de graduação licenciatura em História/UFS.
Polo: Propriá/SE.

A visita monitorada a cidade de Aracaju, ocorrida no dia 15 de dezembro de 2012, ministrada pelo professor Dr. Antônio Lindvaldo Sousa, coordenador da disciplina Temas de Sergipe II, assessorados pelas tutoras Andreza da Conceição Costa, Rita Leoser da Silva Andrade e Gersivalda Mendonça da Mota. O encontro com os alunos previsto para as 09:00 hs, no coreto da praça Fausto Cardoso, o objetivo principal da viagem monitorada é compreender a existência de um projeto modernizador em Aracaju e seus revezes nas primeiras décadas do século XX, tomando como fio condutor de analise personagens protagonistas desse discurso e outros que apontem as contradições desse mesmo discurso.

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Um Projeto Modernizado e Urbanístico - (Parte 1)

Com a fundação de Aracaju, no governo de Inácio Barbosa, em 1855, nascia a ideia de construir em Sergipe um núcleo moderno, em função de um porto que atendesse as necessidades de escoamento da produção Açucareira do Vale do Cotiguiba. A capital até o final do século XIX não consegui realizar melhoramento urbanístico, então o presidente da província Inácio Barbosa encarregou o engenheiro militar Sebastião Basílio Pirro para planejar a nova capital. O plano urbanístico de Aracaju desafiou a capacidade da engenharia da época. A cidade foi implantada em uma área de mangues, dunas, riachos lagos, areais cobertos de cajueiros, curicurizeiros e mangabeiras. As ruas de Aracaju foram traçados em ¨xadrez¨, formando 32 quarteirões de 110 metros quadrados cada um. Para a realização do alinhamento das ruas foram necessários aterros gigantescos, para isso Pirro elaborou um plano de alinhamento dentro de um quadrado de 540 braças (1.188 metros) traçando quarteirões iguais de forma quadrada com 55 braças de largura, separados por ruas de 60 palmos, contudo esse projeto levou dezenas de anos para que o ¨Plano de Pirro¨ se tornar realidade.

Figura abaixo: Quadrado de Pirro
Fonte: acervo particular do autor

Foto e texto reproduzidos do blog: joemiamota.blogspot.com.br
De: Joemia Maria Gomes Mota

Postagem originária da página do Facebook/MTéSERGIPE, em 15 de fevereiro de 2013.

Um Projeto Modernizado e Urbanístico - Parte 2


Relatório de Viagem: Visita a Cidade de Aracaju
Tema: Aracaju, o projeto modernizador e seus revezes (1910-1930)
Por Joemia Maria Gomes Mota
Aluna do curso de graduação licenciatura em História/UFS.
Polo: Propriá/SE.
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Um Projeto Modernizado e Urbanístico - (Parte 2)

A partir daí a capital passa apresentar uma nova fase e com um futuro promissor, dotada de serviços e inovações urbanas: embelezamento de praças; construções de prédios; água encanada e transporte com bondes puxados a burros; alargamento de ruas; inauguração de escolas. Com destaque para a inauguração da Escola federal de Aprendizes e Artífices, que funcionaria com aulas de alfaiataria e mecânica, que utilizaria a educação profissional pra a formação de trabalhadores. A frente da organização desta inauguração o médico Augusto César Leite, que além de fazer apologia a um futuro promissor, como também realiza um breve relato das dificuldades encontradas para instalação dessa escola, deixando transparecer que no início da elaboração do projeto da escola, o então governador Rodrigues Doria (1908-1911) admitia-se não ter condições em ceder o espaço físico para que a referida escola fosse implantada, com alegando muitos compromissos e a precárias condições financeiras do estado, contudo tal desculpa não conduzia com que Augusto Leite pensava e acreditava, levando ao questionamento; Será mesmo que deveria esperar um tempo de bonança para construir escolas? Elas só são frutos do progresso, do desenvolvimento econômico? Eles não seriam também o guindaste econômico.
Augusto Cesar Leite afirmava que as ¨transformações sociais¨só ocorreriam mediante a audácia dos que acreditavam que era possível empreender mudanças, mesmo com todas as dificuldades do meio que vivia.Le se expõe numa imagem de sergipano devotado e comprometido com uma era moderna para Sergipe ou seja, sendo um representante da nova fase de progresso que acreditava começar a existir.

Foto e texto reproduzidos do blog: joemiamota.blogspot.com.br
De: Joemia Maria Gomes Mota

Foto: Augusto César Leite
Fonte: www.google.com

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Um Projeto Modernizado e Urbanístico - Parte 3


Relatório de Viagem: Visita a Cidade de Aracaju
Tema: Aracaju, o projeto modernizador e seus revezes (1910-1930)
Por Joemia Maria Gomes Mota
Aluna do curso de graduação licenciatura em História/UFS.
Polo: Propriá/SE.

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Um Projeto Modernizado e Urbanístico - (Parte 3)

Com o processo de urbanização e modernidade da cidade de Aracaju, a migração de homens pobres vindo do campo, em busca de melhorias de vida. O livro ¨Os Corumbas¨ de Arnando Fontes, retrata o cotidiano dos homens e mulheres pobres, a história relata a vinda de uma família composta por sete integrantes; os pais (Josefa e Geraldo) e os cincos filhos (Rosenda, Albertina, Caçulinha, Bela e Pedro), que saem do interior para capital em busca de novos horizontes, ao se instalarem em Aracaju, o pai da família e os três filhos mais velhos se empregam na companhia sergipana de fiação (A Sergipana).As condições em que a família vive são muito difíceis. Com os graves incidentes que pouco a pouco irão abalar a família; a prisão e deportação de Pedro, único filho homem da família, após envolvimento na greve de operário; a perdição de suas duas filhas na vida, por ter tido perdido suas honras e o falecimento de Bela. O romance se encerra com o retorno de Josefa e Geraldo a Ribeira, local em que viviam antes de morar em Aracaju, onde terminariam seus últimos momentos de vida.

Foto e texto reproduzidos do blog: joemiamota.blogspot.com.br
De: Joemia Maria Gomes Mota

Foto: livro Os Corumbas
Fonte: www.google.com

Postagem originária da página do Facebook/MTéSERGIPE, em 15 de fevereiro de 2013.

Um Projeto Modernizado e Urbanístico - Parte 4


Relatório de Viagem: Visita a Cidade de Aracaju
Tema: Aracaju, o projeto modernizador e seus revezes (1910-1930)
Por Joemia Maria Gomes Mota.
Aluna do curso de graduação licenciatura em História/UFS.
Polo: Propriá/SE.

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Um Projeto Modernizado e Urbanístico - (Parte 4)

Os homens pobres ocupavam as margens do quadrado de Pirro, suas condições de vida em Aracaju eram precárias, apontando outro lado da modernização defendida pela elite aracajuana. Fora do plano urbanístico nasce a outra Aracaju, Chamada ¨Cidade de Palha¨formada por camponeses pobres do interior e ex-escravos sem empregos vindos de engenhos, compostas por milhares de casebres de taipa atrás das altas dunas, sem saneamento, sem organização.Nela moravam operários, trabalhadores do comercio, empregadas domésticas, prostitutas e desempregados e os pobres migrantes do interior, e muitos desses pobres trabalhavam nas fabricas de tecidos. (...).

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A CLASSE OPERÁRIA

Do final do século XIX para o inicio do século XX, o operariado era uma classe pequena, girando em torno de 4.000 pessoas, mas os números não pararam de crescer depois da virada do século. As condições de trabalho dos operários sergipanos eram ruins, pelos seguintes motivos: não existiam leis que protegessem os trabalhadores; Os salários eram baixíssimos; A jornada de trabalhos chegava há 12 horas por dia. As precárias condições de vida e de trabalho levaram a classe operaria a se organizar e lutar por direitos. Foram criadas associações como o Centro Operário Sergipano, como também diversos jornais defendiam os direitos dos trabalhadores da indústria, a exemplo de ¨Operário¨ e ¨O Trabalho¨.

As greves realizadas pelos trabalhadores sergipanos, que na maioria eram repremidas brutalmente pela policia estadual. A repressão talvez seja a causa principal no levantamento de informações em torno do que pensavam os homens pobres ou operários de fabricas de tecidos na maioria as informações são omissas quanto a relação do cotidiano dos operários. Maria Antonia de Oliveira, Dona Antonia como era chamada por todos, inicialmente trabalhou como domestica, em seguida ingressou na ¨Sergipe Industrial¨ em meados da década de 1920. D. Antonia trabalhou nas duas fases antes e pós Thales Ferraz, permanecendo trinta anos na mesma fabrica, não sendo uma única vez despedida, diferenciando-se das operarias que não conseguiam ficar tanto tempo no mesmo trabalho. D. Antonia considerava-se diferentes das demais colegas, pois não admitia receber repreensão, assim procurava cumprir todas as suas obrigações e não aceitava participar das ägitações¨contra a fabrica. Em sua vida fora da fabrica D. Antonia era voltada para os afazeres domésticos, frequentava as missas ou visitava doentes e, em períodos de festas juninas, participava das danças de coco. Na época que trabalhava na ¨Sergipe Industrial¨. D. Antonia residia no Santo Antonio, possuía as mesmas condições de vida das colegas de trabalho, e demais vizinhos do mesmo bairro. Morava em casa de taipa e de palha, enfrentava temporais e problemas diversos em torno de falta de saneamento e ganhava somente o suficiente para sua sobrevivência. D. Antonia mantinha-se omissa a realidade do mundo do trabalho falava pouco dos conflitos existentes na fabrica, sempre deixava claro que existia uma fabrica sem problemas e confrontos, e idealizava os seus patrões como homens bons, honestos e dedicados aos trabalhadores. Em relação aos funcionários descontentes D. Antonia afirma que quem não cumpria suas atividades não compreendia o trabalho, cometendo erros na produção e provocando os rotineiros acidentes de trabalhos. Procurando a todo o momento justificar que não houve problemas com ela, que cumpria as atividades, era dedicada, eficiente e passiva. Em descrever-se D. Antonia configurou-se no protótipo desejado por alguns segmentos sociais envolvido no discurso modernizador. Entretanto D. Antonia não era tão omissa e passiva, pois nunca deixou ser enganada por qualquer pessoa, tinha consciência de sua condição de vida e dos preconceitos existentes na época, por causa de sua condição financeira e sua cor. O operário em formação travou modos de lutas individuais nas relações diárias com colegas, patrões, policia etc. de diversas maneiras. A palavra falada era um instrumento essencial para descarregar as ofensas e as opressões e com os depoimentos dos operários, percebe-se uma memória popular viva, conflituosa. Essa memória retrata um passado não muito feliz, completo de exploração, maltratos, multas e muitas confusões. Ela contradiz a visão de ¨progresso¨, de ¨modernização¨ defendida pelo discurso modernizador.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O processo modernizador trouxe diversas conquistas para Aracaju, como é o caso das instalações das fabricas de tecidos, que representava o símbolo de desenvolvimento em Sergipe. À medida que a cidade passava pelo processo de urbanização, chamava a atenção das camadas pobres, ocorrendo à imigração de homens pobres do campo em busca de melhores condições de vida. Contudo ao chegar à cidade a realidade era outra, pois sua condições de vida não se encaixam dentro dos padrões de modernidade estabelecido pela elite do ¨Quadrado de Pirro¨. Com isso a camada pobre foi excluída, explorada e esquecida, tudo em favor da modernização aracajuana.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRAFICAS
SOUSA, Antônio Lindvaldo. Temas de História de Sergipe II, São Cristovão: Universidade Federal de Sergipe, CESAD, 2010.
CORRÊA, Antonio Wanderley de Melo, ANJOS, Marcos Vinicius dos, CORRÊA, Luiz Fernando de Melo. Sergipe nossa história: ensino fundamental – Aracaju: Edição 2005. 96 p. : Il.

SITES
leiatrevida.blogspot.com – visualizado no dia 25.12.2012
neritacarvalho. blogspot.com – visualizado no dia 25.12.2012.

Foto e texto reproduzidos do blog: joemiamota.blogspot.com.br
De: Joemia Maria Gomes Mota

(Editado por MTéSERGIPE, divulgação em 15.02.2013.

Foto: D. Antonia
Fonte: acervo prof°. Antônio Lindvaldo

Postagem originária da página do Facebook/MTéSERGIPE, em 15 de fevereiro de 2013.

terça-feira, 19 de fevereiro de 2013

A história de Dom José Vicente Távora - 1/2


Padre dos pobres e bispo dos operários. A história de Dom José Vicente Távora
A relação de proximidade com a classe operária fez Dom José Vicente Távora ficar reconhecido como padre dos pobres. Mais tarde, como bispo no Rio de Janeiro, envolvido com a JOC, “ele se autodenominava o bispo dos operários”, conta Isaias Nascimento

Por: Patricia Fachin

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“Dom Távora fez opção pela classe operária desde o início de sua vida sacerdotal lá na diocese de Nazaré da Mata, em Pernambuco. Para ele, a JOC era ‘uma sementeira de líderes para o futuro’ dentro do movimento operário”. É assim que Isaias Nascimento, autor do livro Dom Távora, O Bispo dos Operários (São Paulo: Paulinas, 2008), lembra de Dom José Vicente Távora, nordestino que dedicou sua vida à causa dos excluídos. Dom Távora participou da reestruturação da Ação Católica Brasileira, no Rio de Janeiro, e fundou a Juventude Operária Católica – JOC, “cujo objetivo era formar operários católicos missionários atuando entre seus iguais para ‘converter a Jesus Cristo, não apenas este ou aquele colega individualmente, nem mesmo dezenas e dezenas de colegas, mas o próprio operariado’”.
Amigos oriundos do Nordeste brasileiro, Dom Hélder Câmara e Dom Távora “conheciam a sina dos filhos da seca” e viam, nas favelas do Rio de Janeiro, “seus irmãos nordestinos enxotados pela miséria e pela fome”. O clamor dos pobres, enfatiza Isaias Nascimento, fez com que os dois bispos firmassem “uma aliança em defesa dos excluídos nordestinos, os da Capital Federal e os que estavam na terra natal. Eles comprometeram e pagaram, ao longo de suas vidas todo tipo de perseguições, críticas jornalísticas, acusações mentirosas, mas não se desviaram do compromisso social com o Ecce Homo – Eis o Homem (João 19, 4-5) continuamente crucificado”.

Na entrevista a seguir, concedida, por e-mail para a IHU On-Line, o padre da diocese de Propriá, Sergipe, relata alguns momentos da trajetória de Dom Távora e menciona que o período mais difícil de sua vida foi a ditadura militar. “Dom Távora teve seu telefone grampeado. Recebia com frequência um coronel do exército para pressioná-lo. Teve que enfrentar uma prisão domiciliar. Várias lideranças do Movimento de Educação de Base – MEB e dos sindicatos de orientação católica foram presas em Sergipe e em várias partes do país. Viu também parte do seu clero e religiosas comprometidos serem intimados a depor na Polícia Federal. (...) Sentiu-se só, muitas vezes, sem a visita e o carinho do povo, dos pobres, mas resistiu o quanto pode, até o dia 03 de abril quando seu coração não suportou mais o 3º enfarto”.
Isaias Nascimento é pároco da Paróquia de Brejo Grande, que fica no lado sergipano na foz do Rio Francisco e Coordenador da Cáritas Diocesana de Propriá.

Confira a entrevista.

IHU On-Line - O senhor pode nos contar como era o trabalho desenvolvido por Dom Távora na diocese e a iniciativa de fundar escolas operárias?

Isaias Nascimento - Quando chegou a Aracaju, em março de 1958, encontrou muita coisa encaminhada pelo seu antecessor Dom Fernando Gomes : grupos de Juventude Operária Católica – JOC (que ele mesmo fundou ainda como padre no início dos anos 50), Círculos Operários assessorados por Mons. João Moreira Lima, grupos de Ação Católica Especializada e a entidade assistencial conhecida como Serviço de Assistência à Mendicância – SAME que acolhia pessoas abandonadas. Além de dar continuidade pastoral ao que já havia, fundou a Rádio Cultura de Sergipe que, juntamente, com a criação do Movimento de Educação de Base – MEB, com suas escolas radiofônicas, ofereceu a educação do homem do campo e, a partir delas, fundaram e organizaram os primeiros Sindicatos dos Trabalhadores Rurais e a sua Federação dos Trabalhadores na Agricultura do Estado de Sergipe – FETASE. Dom Távora é reconhecido como o patrono do sindicalismo rural de Sergipe.
Ainda como seminarista na sua diocese de Nazaré da Mata, em Pernambuco, aderiu ao movimento da Ação Católica que estava se formando no Brasil. Ela – Ação Católica - formava liderança das grandes cidades e do interior com os princípios da Doutrina Social da Igreja, principalmente os contidos na encíclica papal Rerum Novarum . Quando padre recém ordenado, no início dos anos 1930, fundou diversas Escolas Operárias na mesma diocese, principalmente em Nazaré da Mata e Goiana, em Pernambuco. Pegou tão bem que ela chamou de Legião Pernambucana do Trabalho, tendo como finalidade formar a classe operária sob a orientação católica. Já havia naquele tempo Círculos Operários em alguns municípios de Pernambuco e em Aracaju. Foi ele quem conseguiu realizar um Congresso Operário no final dos anos 1930 lá em Goiana, recebendo delegações de todo a região Nordeste, no qual esteve presente também o Pe. Leopoldo Brentano . Sua relação com a classe operária o fez reconhecido como padre dos pobres. Depois, como bispo no Rio de Janeiro, já envolvido com a JOC, ele se autodenominava o bispo dos operários.

IHU On-Line - Qual a relação de Dom José Vicente Távora com o período político getulista?

Isaias Nascimento - Lembremos que o Rio de Janeiro era a Capital Federal do Brasil, e a Igreja Católica, apesar de não ser a religião oficial do país, tinha muita influência junto aos poderes de uma República que ainda estava engatinhando. O Cardeal Leme , reconhecido como um bom estadista e pastoralista, procurou manter “cada qual no seu lugar”, isto é, procurou fortalecer a Igreja para continuar independente do Estado, e defender os interesses dela e seus princípios junto ao Estado e, para isto, formou uma boa equipe de padres competentes na defesa dos princípios da Doutrina Social da Igreja, relacionados às questões trabalhistas, educação católica e saúde, diante dos poderes públicos. Para tal intento, trouxe do Ceará o Pe. Hélder Câmara , de Pernambuco; Pe. José Vicente Távora e o Pe. Jorge Marcos . Ambos vivenciaram o período getulista. A liderança de Dom Hélder foi marcante neste período. Foram Dom Távora e Dom Hélder que no dia 24 de agosto de 1954 deram a notícia do suicídio de Getúlio Vargas , o então presidente da República, conforme o Padre Ivo Calliari detalhou em suas anotações: “Às 4h:30min do dia 24 de agosto de 1954, Dom Hélder e Dom José Vicente Távora vieram buscar Sua Emcia . Descemos imediatamente... No Palácio São Joaquim, ligamos o rádio: a notícia era que o Dr. Getúlio Vargas renunciara. Seguiu-se logo que pedira apenas licença de 90 dias. Celebrei às 6h:30min e Sua Emcia às 7h:30min na capela do Palácio São Joaquim. Depois do café, quando rezávamos o breviário, num pequeno hall em frente ao meu quarto, próximo ao refeitório, Dom José Vicente Távora chega com a estarrecedora notícia do suicídio. Dom Jaime pôs as mãos na cabeça e disse: “Meu Deus! Foi um choque tremendo. Ficamos parados!... Só poderíamos rezar e foi o que fizemos: continuamos o breviário!...”

IHU On-Line - Dom Távora enfrentou problemas no governo Carlos Lacerda e no período da ditadura militar. Como ele se posicionava politicamente nesses momentos?

Isaias Nascimento - Dom Távora tomou posições públicas que foram marcantes na história do Brasil: o primeiro foi na tentativa de golpe em agosto de 1961, quando Jânio Quadros renunciou e os militares impediram a posse de Jango como presidente. Ele reagiu publicamente e, juntamente com ele, a classe política de Sergipe exigindo o respeito à Constituição. Somente depois de muitas negociações no Congresso Nacional conseguiram permitir sua posse como presidente no regime Parlamentarista, com menos poderes.
Outro momento foi sobre a prisão da cartilha do MEB intitulada Viver é lutar. Ocorrido no início do ano de 1964, quando Carlos Lacerda mandou prendeu a cartilha do MEB. Dom Távora, não só por ser presidente do MEB, mas também por ser próprio da sua personalidade, não se intimidou diante do governador do Rio que acusava o material de ser comunista e, com ele, setores da mídia nacional fizeram uma humilhação pública (no programa Flávio Cavalcanti que a rasgou ao vivo). Dom Távora assumiu publicamente a responsabilidade pelo material em uma nota dizendo que “Os bispos... não podiam ser indiferentes nem omissos numa tarefa da mais alta importância, exigida pela própria Caridade Evangélica, qual seja, a de emprestar sua cooperação ao desenvolvimento social e cultural do povo e à elevação do nível geral da sociedade”, visto que o material trazia uma leitura sobre a questão da reforma agrária.

E o momento mais difícil da vida dele, penso eu, foi o da ditadura militar. O que parecia ser um impedimento contra as forças do comunismo internacional, como pensava a maioria dos bispos que foram favoráveis ao golpe, foi um golpe no processo democrático por 26 longos anos da história nacional. A perseguição, as prisões e torturas foram piorando ao longo dos anos de forma ascendente, a ponto de a maioria dos bispos irem se afastando do regime, principalmente, a partir de 1966. Neste momento histórico é marcante o profetismo da Igreja no Brasil tendo como porta voz Dom Hélder Câmara, tanto nacional como internacionalmente. Todos os bispos envolvidos com a pastoral social daquele tempo foram tachados como subversivos e, consequentemente, juntamente com os seus próximos, perseguidos. Dom Távora teve seu telefone grampeado. Recebia com frequência um coronel do exército para pressioná-lo. Teve que enfrentar uma prisão domiciliar. Várias lideranças do MEB e dos sindicatos de orientação católica foram presas em Sergipe e em várias partes do país. Viu também parte do seu clero e religiosas comprometidos serem intimados a depor na Polícia Federal. Testemunhou também o estreitamento de relações comprometedoras entre o seu bispo auxiliar – depois sucessor - Dom Luciano José Cabral Duarte e os militares a partir de 1967. Sentiu-se só, muitas vezes, sem a visita e o carinho do povo, dos pobres, mas resistiu o quanto pode, até o dia 3 de abril de 1970, quando seu coração não suportou mais o terceiro enfarto.

Texto: reproduzido do site ihuonline.unisinos.br
Foto: arquidiocesedearacaju.org

Postagem originária da página do Facebook/MTéSERGIPE, em 17 de fevereiro de 2013.