sábado, 19 de julho de 2014

Rubina



Publicado originalmente na Fan Page de Petrônio Gomes,
no Site do Facebook, em 11 de julho de 2014.

Rubina.
Por Perônio Gomes.

Muitos a chamavam de “Mãe Rubina”, inclusive o velho cancioneiro Sílvio Caldas, que a citou em uma de suas gravações.

E quem era “Mãe Rubina”? Uma mulherzinha franzina, de andar nervoso, sempre descuidada da própria aparência. Usava longos vestidos de fazenda barata, trazia uma carteira preta sob o braço e era portadora de um vocabulário que fazia corar um frade de pedra.

Vejo-a com meus olhos de criança, apressada, a caminho do Mercado, um molecote ao encalço, conduzindo um cesto enorme para a feira do seu hotel.

O “Rubina Hotel”, como era chamado, ocupava todo o terreno onde se ergue hoje o Palácio da Justiça. Um casarão comprido, com tantas janelas para a rua de Pacatuba quantos eram os seus modestos quartos para viajantes. Escapou à invasão cruel das repartições públicas, responsável pelo desfiguramento de tantas moradas elegantes, autora da expulsão dos candelabros, das poltronas que cercavam os pianos, dos reposteiros antigos. Ao se transferirem para novos prédios, construídos sob encomenda para a legião de gabinetes frios, deixaram somente sombras, restos mutilados de belas mansões, pedindo a misericórdia de uma demolição.

O Rubina Hotel felizmente logrou escapar ao assalto. Foi, quando muito, aproveitado para a exposição de mudas do Horto Florestal da Ibura. Na varanda simpática, contígua ao refeitório de então, arrumaram brotos de acácias, leques de crótons vermelhos, cujas folhas balouçantes ao sabor da brisa famosa pareciam dar um último e inocente adeus à velha pensão, ao querido lar de Rubina. Era ali que se alinhavam as “preguiçosas”, nas quais se recostavam os viajantes, após o café da noite, para ouvirem as costumeiras retretas da banda da Polícia Militar na Praça Fausto Cardoso.

Tempos românticos, de ternos brancos e sapatos de verniz, de vestidos de bolero e de redinhas nos cabelos. O namoro era mais gostoso que o noivado e o flerte mais saboroso do que o namoro. As moças desfilavam ao redor da praça, quatro ou cinco de braços dados e olhos ariscos para os rapazes “de fora”, numa ciranda bordada de feitiço. Seguir, atentamente, a de vestido azul até sua volta pela frente do Rubina Hotel, era como esperar o ponteiro de um relógio.

Só quem não era romântica, afinal de contas, era Rubina. Ela não parava. Empurrava as portas entreabertas, xingava, ameaçava. Dizia a muitos que procurassem outro hotel, se não estivessem satisfeitos com sua ‘lei’. Entretanto, nenhum dos rapazes pensava em deixar Rubina. Talvez pelo carinho oculto que havia em suas palavras ríspidas, pois muitos deles eram bastante jovens. É possível, pois, que nos ‘carões’ de Rubina, ouvissem as advertências maternas, sentissem a presença das próprias genitoras, quem sabe?

O fato é que, de vez em quando, um hóspede alegre, na flor da idade, segurava Rubina e a abraçava longamente. Dir-se-ia que Rubina, então, vivia, ouvindo a ressonância do seu amor esquisito, perdida entre os braços de um rapagão que poderia ser seu filho. Esses abraços, não raras vezes, fizeram silenciar na garganta os famosos palavrões de Mãe Rubina...

Mãe Rubina dos vestidos longos, dos sapatos grosseiros, dos palavrões da boca pra fora. Mãe Rubina que passava a mão sobre a cabeça de um garoto maltrapilho e que lhe entregava, em segredo, uma moeda, como que envergonhada do tamanho do próprio coração! Mãe Rubina que hospedou artistas fracassados, num convênio de amor puro com Juca Barreto, do Cinema Rio Branco.

Mãe Rubina que angariava donativos para a festa do Senhor dos Passos, o padroeiro da sua Maruim, cujos pobres jamais esqueceu. Mãe Rubina a fitar as ondas de renda da Atalaia, já perto do fim, carregando sua velha carteira preta sobre o braço. Dinheiro, na bolsa surrada de Rubina? Qual nada! Apenas retratos apagados de pessoas queridas, restos de imagens afagadas pela ternura do seu olhar bondoso.

Mãe Rubina da carne do sol com macaxeira pela manhã, Mãe Rubina dos desaforos de todas as horas, Mãe Rubina do amor desajeitado e comovente de sempre...

Hoje, passo devagar pelo Palácio da Justiça cujo alicerce repousa no lar que foi de Rubina, uma mulher justa. E penso que bem poderia ser escolhido o seu nome para o edifício solene onde se reúnem circunspectos doutores da lei. Ah, se a Lei sob a qual perfilam fosse igual a ‘lei’ de Rubina, com repreensões e perdões, com xingamentos e contas esquecidas!

Simples devaneios de um cronista, a quem a realidade vem lembrar que nunca, em tempo algum, a lei dos homens foi tratada por “mãe”...

(Imagens extraídas do blog sergipeemfotos.blogspot.com.br).

Fotos e texto reproduzidos do Facebook/Fan Page/Petrônio Gomes.

Postagem originária da página do Facebook/MTéSERGIPE, de 13 de julho de 2014.

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