Publicado originalmente na Fan Page de Petrônio Gomes,
no Site do Facebook, em 11 de julho de 2014.
Rubina.
Por Perônio Gomes.
Muitos a chamavam de “Mãe Rubina”, inclusive o velho
cancioneiro Sílvio Caldas, que a citou em uma de suas gravações.
E quem era “Mãe Rubina”? Uma mulherzinha franzina, de andar
nervoso, sempre descuidada da própria aparência. Usava longos vestidos de
fazenda barata, trazia uma carteira preta sob o braço e era portadora de um
vocabulário que fazia corar um frade de pedra.
Vejo-a com meus olhos de criança, apressada, a caminho do
Mercado, um molecote ao encalço, conduzindo um cesto enorme para a feira do seu
hotel.
O “Rubina Hotel”, como era chamado, ocupava todo o terreno
onde se ergue hoje o Palácio da Justiça. Um casarão comprido, com tantas
janelas para a rua de Pacatuba quantos eram os seus modestos quartos para
viajantes. Escapou à invasão cruel das repartições públicas, responsável pelo
desfiguramento de tantas moradas elegantes, autora da expulsão dos candelabros,
das poltronas que cercavam os pianos, dos reposteiros antigos. Ao se
transferirem para novos prédios, construídos sob encomenda para a legião de
gabinetes frios, deixaram somente sombras, restos mutilados de belas mansões,
pedindo a misericórdia de uma demolição.
O Rubina Hotel felizmente logrou escapar ao assalto. Foi,
quando muito, aproveitado para a exposição de mudas do Horto Florestal da
Ibura. Na varanda simpática, contígua ao refeitório de então, arrumaram brotos
de acácias, leques de crótons vermelhos, cujas folhas balouçantes ao sabor da
brisa famosa pareciam dar um último e inocente adeus à velha pensão, ao querido
lar de Rubina. Era ali que se alinhavam as “preguiçosas”, nas quais se
recostavam os viajantes, após o café da noite, para ouvirem as costumeiras
retretas da banda da Polícia Militar na Praça Fausto Cardoso.
Tempos românticos, de ternos brancos e sapatos de verniz, de
vestidos de bolero e de redinhas nos cabelos. O namoro era mais gostoso que o
noivado e o flerte mais saboroso do que o namoro. As moças desfilavam ao redor
da praça, quatro ou cinco de braços dados e olhos ariscos para os rapazes “de
fora”, numa ciranda bordada de feitiço. Seguir, atentamente, a de vestido azul
até sua volta pela frente do Rubina Hotel, era como esperar o ponteiro de um
relógio.
Só quem não era romântica, afinal de contas, era Rubina. Ela
não parava. Empurrava as portas entreabertas, xingava, ameaçava. Dizia a muitos
que procurassem outro hotel, se não estivessem satisfeitos com sua ‘lei’.
Entretanto, nenhum dos rapazes pensava em deixar Rubina. Talvez pelo carinho
oculto que havia em suas palavras ríspidas, pois muitos deles eram bastante
jovens. É possível, pois, que nos ‘carões’ de Rubina, ouvissem as advertências
maternas, sentissem a presença das próprias genitoras, quem sabe?
O fato é que, de vez em quando, um hóspede alegre, na flor
da idade, segurava Rubina e a abraçava longamente. Dir-se-ia que Rubina, então,
vivia, ouvindo a ressonância do seu amor esquisito, perdida entre os braços de
um rapagão que poderia ser seu filho. Esses abraços, não raras vezes, fizeram
silenciar na garganta os famosos palavrões de Mãe Rubina...
Mãe Rubina dos vestidos longos, dos sapatos grosseiros, dos
palavrões da boca pra fora. Mãe Rubina que passava a mão sobre a cabeça de um
garoto maltrapilho e que lhe entregava, em segredo, uma moeda, como que
envergonhada do tamanho do próprio coração! Mãe Rubina que hospedou artistas
fracassados, num convênio de amor puro com Juca Barreto, do Cinema Rio Branco.
Mãe Rubina que angariava donativos para a festa do Senhor
dos Passos, o padroeiro da sua Maruim, cujos pobres jamais esqueceu. Mãe Rubina
a fitar as ondas de renda da Atalaia, já perto do fim, carregando sua velha
carteira preta sobre o braço. Dinheiro, na bolsa surrada de Rubina? Qual nada!
Apenas retratos apagados de pessoas queridas, restos de imagens afagadas pela
ternura do seu olhar bondoso.
Mãe Rubina da carne do sol com macaxeira pela manhã, Mãe
Rubina dos desaforos de todas as horas, Mãe Rubina do amor desajeitado e comovente
de sempre...
Hoje, passo devagar pelo Palácio da Justiça cujo alicerce
repousa no lar que foi de Rubina, uma mulher justa. E penso que bem poderia ser
escolhido o seu nome para o edifício solene onde se reúnem circunspectos
doutores da lei. Ah, se a Lei sob a qual perfilam fosse igual a ‘lei’ de
Rubina, com repreensões e perdões, com xingamentos e contas esquecidas!
Simples devaneios de um cronista, a quem a realidade vem
lembrar que nunca, em tempo algum, a lei dos homens foi tratada por “mãe”...
(Imagens extraídas do blog sergipeemfotos.blogspot.com.br).
Fotos e texto reproduzidos do Facebook/Fan Page/Petrônio
Gomes.
Postagem originária da página do Facebook/MTéSERGIPE, de 13 de julho de 2014.
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