sexta-feira, 4 de julho de 2014

Memória de Post do MTéSERGIPE, de 03/07/2014

Amaral Cavalcante.

(Ê, thi bum, mergulho na memória!)

Do Vaqueiro ao Manequito

Ninguém conseguia arrancar Luiz do Vaqueiro da sua cadeira de balanço na cozinha, só se fosse para atender a um desembargador ou algo que o valha, porque Luiz não era mole não. Sorridente e bonachão, Luiz tinha lá seus princípios. Um deles era o de que ele, filho de Deus, mesmo sendo dono do mais concorrido bar da Atalaia, merecia descanso quando bem quisesse e a de abstrair-se folgazão no meio da cozinha mandando às picas a freguesia do seu negócio, um príncipe: “Tenho empregado é pra isso” dizia, e deixava rolar no restaurante um verdadeiro inferno sem satânicos comandos. Era um títere, mas quando Deus dava bom tempo ficava uma moça no trato com os amigos, mas sempre uma fera com qualquer bagunça.

Lá mesmo, não! Quisesse tocar seu Iê-Iê-Iê que fosse pras dunas, onde aquela idiotice proliferava. Já as situações de amigação duvidosa e transgressões matrimoniais eram permitidas, desde que na entoca de uma mesa discreta e sem nenhuma safadeza visível.

De vaqueiro o bar do Luiz só tinha o nome. Especializado em moquecas sergipanas com muito coco e um tiquinho de dendê, atendia a um filé com fritas fazendo munganga, debicando do freguês. Um Parmegianne então, tão em moda entre os elegantes da época, saia sim, mas debaixo de quatro tuncos.

Esta coisa de som ao vivo ainda não existia, mas lá estavam em mesa bancada por Hugo Costa, o seresteiro Antonio Teles e o cantor Lourão, de vez em quando o sopro de Medeiros e o violão de Macêpa. acompanhando a voz maviosa de Nicinha Santos debulhando boleros e guarânias.

O “Balneário”, primeira construção vetusta na praia de Atalaia, fora construído no governo Leandro Maciel por volta de 58 e completava, com a pista asfáltica onde se incluía uma ponte nova e o Aeroporto Santa Maria, as atenciosas melhorias que o governo apresentava a uma Aracaju que se descobria capaz de grandes transformações. Assim a praia de Atalaia, por causa do Aeroporto, começou a se incluir como um bairro possível no traçado urbanístico de Aracaju.

A iniciativa privada chegou afoita: primeiro Zé, o irmão, depois Luiz assumiu a empreitada transformando o Balneário público no restaurante “O Vaqueiro”, de quem trato aqui por conhecê-lo como a palma da mão. Muitas vezes fui levado à sua cozinha pra acomodar o facho juvenil das contestações para me acalmar degustando com Luiz um resto de camarão ao alho, cada um dest’amanho, mastigados o sabor dos seus conselhos, bom Luiz!

O Burguesia

Saindo do Vaqueiro convinha dar uma passadinha no vizinho “Busrguesia” para tomar um Cleper- bebida inventada pelo dono para substituir o Cuba Libre - já tão fora de moda - e embebedar-se com a moçada politizada do recinto, ali urdindo contra golpes intelectuais em ofensiva à ditadura numa beleza de revolução via comanda onde o comunismo era a doutrina, mas a conta chegava ao final, certeira no capital da freguesia. . O velho Burgesia, um comunista de sólidas posições e vida impoluta, reunia em seu bar a fina flor da contravenção. E o seu bar era um alegre aparelho.
Depois vinha o Barbudo’s onde eu certamente estaria drogado e nas delícias homéricas das grandes curtições etílicas, tão essenciais na década de 70.

O Manequito.

A tinta passos do Vaqueiro ficava o templo homérico das transgressões mais malucas, a bodega do velho pescador Manequito, um gigantesco preto-retinto de manoplas incomensuráveis e voz suave, uma figura idílica contando coisas do mar difíceis de acreditar: histórias de arraias que assombravam o mundo, caranguejos dançando gafieira, camarões de barba branca e tempestades dignas de qualquer Ulisses.
 No Manequito,enquanto a moçada navegava no alto mar de lorotas do velho e belo negão gigante, Manequito, ele servia pros bebuns a pilombeta esquálida que lhe rendia alguns trocados. Também era um bar de cheiro insinuante pela despudorada sovaqueira do proprietário que invadia em incitantes feromônios o casto nariz das donzelas. Diz-se dele que nunca calçou um sapato; os pés cinqüenta e tanto nunca encontraram calçado que os abrigasse. E era sempre de pés no chão que nos atendia, abrindo folgazão suas garrafas de batida. a atração da casa: “Tem de tudo quanto é coisa!” e mostrava na prateleira a fileira de litros arrolhados com capuco de milho, seu inigualável estoque de batidas sortidas que faziam a nossa cabeça e nos maravilhava.
Só que para tanto poder etílico nós, a maioria da sua freguesia, carburavamos no seu quintal um providencial baseado, necessário equalizador de tanta loucura..
No Manequito eu bebi de todas, mas a melhor, meu branco, era a de Murici, que travava o gogó e batia imediatamente no juízo do freguês.
Nunca se viu igual.

Amaral Cavalcante.

Postagem originária de compartilhamento na página do Facebook/MTéSERGIPE, 03/07/2014.

Nenhum comentário:

Postar um comentário