quarta-feira, 23 de julho de 2014

Memória de Post do MTéSERGIPE, de 05/12/2011.

Amaral Cavalcante.

O Rango no Mercado Thales Ferraz.

-Vamos pro Mercado comer sarapatel com inhame!
-Sem dinheiro, fazer o que?
- Eu tenhouma nega no Cabaré Shangay, ela me adianta trezentas pilas. Era Harolno, o bem dotado, mais uma vez resolvendo a parada.

O cabaré Sangay ficava no Beco dos Cocos - caminho do Mercado Thales Ferraz - no andar superior de um casarão mal cuidado. Para alcançá-lo, o cidadão tinha que vencer uma escadaria íngreme, depois de enfrentar o julgamento de Seu Tenório, o leão de chácara menos convincente que eu já vi. O maior impedimento que ele oferecia ao acesso da meninada era o obstáculo da sua imensurável barriga. Bastava um jeito de corpo e... adeus Tenório!

O cabaré, decorado com motivos orientais, leques mexicanos e luzinhas de natal piscando pelos cantos, tinha um bar num canto e o palco ao fundo, em vermelho abrasador. Faróis iluminavam a flacidez das rumbeiras, os engolidores de fogo, o palhaço de smoker e bengala destilando sacanagens. Na segunda parte do “Goldem Show”, criado e apresentado por Mãezinha, uma gorda sorumbática cantava Maisa em falsos prantos. É que a “fossa” dava sede, vendia bem. Depois, para não encabular a platéia, um engraçado atacava de Miltinho: calça tergal, mangas compridas e sapato Fox - a cornice em pessoa - mas o bigodinho safado e a gravata borboleta de bolinhas azuis revelavam o malandro. Era assim no Shangay.

Harolno subiu e voltou arregado, meia hora depois:
- Vamos pro Mercado!

A primeira coisa que me ocorre é o brilho dos alumínios. Panelas coruscantes, areadas ao ponto da magnitude, cozinhando inhames, carne frita, sarapatel, cabidela, sem falar no mingau de puba regenerador. O cheiro do café embevecia longe. Duvido que alguém bote, hoje, um inhame mais macio no meu prato, ou, senão, que parta uma talhada de cuscuz com ovos estrelados na manteiga como no boteco de Mariinha Caolha, o melhor de todos.

As mulheres que pintavam lá, vindas da batalha, cada uma com a sua história mais chorosa, eram amigáveis, maternais até, desde que algum de nós lhes apresentasse possibilidades de uma esticada ao cafofo para um pinço madrugal. Comer um toodynho cheiroso seria um bom fim de noitada para qualquer delas! E porque não?

De incômodo ali, eram as perebas expostas. Nós vínhamos do ócio, da farra farta, gente metida a rica cheirando a Patchouli e o Mercado era o portal da nossa realidade provincial, um caldeirão cozinhado o limbo social da cidade. Que diabos fazíamos lá com nossas pantalonas barreadas da lama, nossas colares espalhafatosos, nossas fivelas de meio palmo? Na madrugada, suando sovaqueiras infernais, figuras boshianas ameaçavam enfiar muletas no cu dos bem servidos.

O Mercado nos recebia com um pé lá e outro cá, prestes à justiça de um pontapé. Ai de quem negasse um dedinho de cachaça a um tenebroso qualquer, ou se impacientasse com a conversa comprida do marchante que se abancara na mesa sem convite. Ai de quem.

Mas já que eu estou aqui vivo e saudoso, contando lera, sou a prova de que o Mercado era manso e o rango divinal! Juro por Deus.

Amaral Cavalcante.

Postagem originária da página do Facebook/MTéSERGIPE, de 5 de dezembro de 2011.

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