segunda-feira, 7 de julho de 2014

Memória de Post do MTéSERGIPE, de 12/11/2011.

Amaral Cavalcante.

A caminho da praia.

Nos idos sessenta a praia de Atalaia era um lugar distante, nos cafundós de Aracaju. Alguns ricos mantinham lá suas casas de veraneio, mas o povão tinha de enfrentar a marinete aos domingos, um frege alucinante de quebra-coco e suores para alcançar as delícias da praia. “Banhistas” era chamada assim a patuléia! O ponto de embarque ficava no oitão da Alfândega, na pracinha General Valadão. Filas e filas em qualquer domingo ensolarado, uma alegre profusão de gente humilde com seus teréns malajambrados, no empurra-empurra que nóis gosta!

E a quem se aboletava lá dentro na escassa marinete da Bonfim, o purgatório: como arrumar o cesto de camarão, a prancha de pegar jacaré, as câmaras de ar para boiar em pneumáticas performances? As comidinhas nos bocapius, o rádio portátil, a esteira de junco pra não melar o fundilho na areia e os frascos de azeite de dendê com essência de maçã para se bronzear, tudo havia de caber.

Tirando essa aglomeração que se passava unicamente aos domingos, a Atalaia restava na semana como o grande mocó dos amantes, onde levar a paquera às novidades do mar e suas possibilidades eróticas. Muito cabaço se foi e muita história ficou pra contar.

Foi aqui na Atalaia que um grande estelionatário armou - para desgosto das autoridades provincianas - o golpe da “Ova de Camarão” e com ele ridicularizou os nossos brios de cidade moderna, no afã do desenvolvimento industrial. Nesses idos, quem cuidava disso por aqui era o CONDESE, criado pelo Dr. Aloísio de Campos, economista, planejador emérito e grande figura! O galego de fala enrolada convenceu os técnicos de que se desperdiçava em nossas praias a riqueza industrializável da ova de camarão e, para melhor convencimento, levou-os a mastigar a areia da Atalaia: - “Isto é ouro puro, sinta o gosto! Vamos exportar para o mundo!”. Foi-se para as Bahamas com um saco de dinheiro emprestado pelo Banese e babau.

Acontece que a Atalaia era, então, muito estreita para o meu desbunde: ia do Vaqueiro ao Salva Vidas, a cem metros de onde desaguava a marinete. Lá estava no final de tudo o velho Salva Vidas, uma torre circular que abrigava aos domingos, debaixo de si, a família aracajuana e suas impolutas virgens. Local resguardado, onde se esvaíam as possibilidades de interação entre os veranistas e a patuléia. Lá exibia a última moda em maiôs e costumes a moçada inexpugnável da sociedade: coxas carnudas, bundas de quilo e meio, peitinhos juvenis apontando o céu. Credo em cruz se um de nós, egresso das marinetes da Bomfim, ousasse se chegar ali com qualquer chamego.

Em chegando à Atalaia, era mister a qualquer um se dividir: quem com putas ia pro lado de lá do Mirachula – um cabaré que ficava onde hoje é o Hotel Beira Mar – já os “de família” se espremiam entre o “Vaqueiro” e o exíguo Salva Vidas. Assim era o permitido.

Hoje, vivo bem aqui em casa e o mar é meu moleque de recados: “Vai ali à áfrica levar noticias de mim”. Ele vai. “Corre, vai pegar um caramujo de sol que eu quero assoprar” Ele vai, e volta estrondando mundo aos meus pés - meu cão de espumas.

O bar do Caboclinho, bem pertinho, ainda é prestigiado por barrigudos do futebol dominical e pescadores antigos na banca ao lado, onde se vende peixe fresco toda quinta-feira. E Caboclinho ainda pesca uma cerveja estupidamente gelada quando eu chego lá, com meus mistérios antigos e minha velhice recém conquistada.

Eu vivo muito bem aqui, na Atalaia.

Amaral Cavalcante.

Postagem originária da página do Facebook/MTéSERGIPE, de 12 de novembro de 2011.

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