segunda-feira, 3 de agosto de 2015

Barretão



Publicado originalmente no Facebook/Petrônio Gomes.

Barretão.
Por Petrônio Gomes.

Uma vez, quando lecionava em um curso noturno, ele ouviu uma resposta malcriada de um aluno, palavras cheias de deboche, e a classe caiu na gargalhada. Esses alunos ruins procuram sempre as carteiras no fundo do salão, em todos os tempos. Mas Barretão não teve dúvidas: abandonou a cátedra e partiu para o ofensor, caminhando sobre os encostos das cadeiras vazias.

O efeito foi instantâneo. A classe engoliu em seco, enquanto o professor, de dedo em riste sobre o nariz do aluno, bradou: “Me respeite, seu moleque!”

Tudo ficou mais dramático, porque o professor José Barreto Fontes tinha quase um metro e noventa de estatura. E era magro, uma particularidade que torna os homens altos mais altos ainda. Daí sua alcunha de “Barretão”.

Ninguém ousou rir depois disto. Um silêncio pesado tomou conta da classe e os alunos começaram a virar as páginas dos cadernos, um procedimento normal quando a tensão aumenta.

Sem condições para continuar a aula, emocionalmente alterado, o Professor Barreto voltou para a cátedra, arrumou os livros e despediu os alunos.

No dia seguinte, o infrator compareceu ao colégio querendo falar particularmente com Barretão. Pediu-lhe desculpas e recebeu, imediatamente, um abraço de pai que jamais esqueceu. Ficaram amigos, até de brincadeiras e de irreverências.

Eu tinha apenas onze anos quando fui seu aluno pela primeira vez. Barretão, com seus vinte e quatro anos, era um velho aos meus olhos, com seu paletó de linho amassado, sua gravata amarrada à toa, seus cabelos revoltos de maestro. Naqueles doces anos da província, Barreto era o encarregado do “Curso Médio”, isto é, a ponte de ligação entre o Curso Primário e a admissão ao Ginásio, verdadeiro terror da estudantada. Funcionava como esses pré-vestibulares de agora, como um filtro no currículo escolar.

A classe ficava no nosso “Tobias Barreto”, bem próxima ao muro da casa vizinha, na rua de Pacatuba. Tinha horários diferentes, recreio fora do tempo destinado às outras classes e ouviam-se os gritos mais rigorosos dos professores.

Barretão era auxiliado por dona Briolanja, a professora que o substituía também em qualquer eventualidade. Ambos formavam uma dupla que ficou em nosso espírito de estudantes para sempre. Dona Briolanja, sendo mulher, era naturalmente mais branda, o que não significa que não fosse severa.

Pois bem. Consegui vencer o Curso de Admissão e lá mesmo galguei os degraus do Ginásio, a primeira vitória dos estudantes de então. Havia festança naquele tempo, com fotografias em que os “formandos” apareciam vestidos a rigor, todos exibindo a mesma roupa emprestada pela “Casa Amador” ...

Houve uma longa pausa até nosso reencontro. Barreto Fontes era agora proprietário de um laboratório de análises clínicas, depois de um curso feito em outro Estado. Ingressara também como docente na Universidade Federal, além de contribuir com seus estudos para o mundo científico de sua terra...

Não dá para contar aqui nem a metade do que se poderia falar de Barreto Fontes, do seu senso inigualável de humor. Foi um filósofo além de professor, mas, sobretudo, um homem exótico, franco e cativador, que sabia dominar uma roda de conversa do começo ao fim. Tinha um modo de ser orgulhoso, mas que não nos dava a impressão de soberba, de antipatia. Dizia coisas que bem podem retratá-lo, como por exemplo:

“Sou de Laranjeiras, a Atenas sergipana. Lá nasceram João Ribeiro, eu e os outros.”

Texto e imagem reproduzidos do Facebook/Petrônio Gomes.


Postagem originária da página do Facebook/GrupoMTéSERGIPE, de 28 de julho de 2015.

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