segunda-feira, 10 de agosto de 2015

Augusto Cabral e o Bar e Restaurante 315

Augusto Cabral.
Foto: acervo Eduardo Cabral.

Publicado originalmente no Facebook/Amaral Cavalcante.

Da série "De Bar em Bar".

O 315
ou
O revertério de Betty Davis.

Para mim, ainda inocentinho nas malandragens, o que Hilton Lopes estava dizendo era papo de João Sem Braço, viagem do coroa, pura empulhação!
- Esse bar 315 tem três níveis. Malandro deve se segurar nos dois de cima que o de baixo é có-có...

E Hilton falava cocoré-bico-de-pato enquanto magistrava a divisão de uma preciosa liamba vinda de Paulo Afonso, pesada numa balança “Felizola” que trazia no bagageiro da velha Rural Wyllys apelidada, por ele mesmo, de Maria das Gamelas:

- Um pra mim, um pra vocês, outro pra eu. No Aribé é assim que se conta. E aperte logo a coisa esse menino, que eu não sou boneco pra ficar de cara!

Depois, cabeça feita e coração ardente, era no bar 315, na malafamada Praça da Rodoviária Velha, onde íamos curtir a lombra.

O 315 era uma babel de poesia e gargalhadas.

Matávamos a larica com o talharim a bolonhesa - baratinho e substancioso - que o cozinheiro Betty Davis preparava tão bem... quando estava de bom humor. Quando não, atacado pelo erotismo que fluía no salão ele subia nos saltos e vinha arrasar entre as mesas, escumadeira em riste, a outra mão fazendo “asa de bule”:

- Quem é a boa aqui? Meninos, eu sou a Malvada!

Naquela noite estariam suspensos os privilégios! Nada de ovo estrelado escondido debaixo do macarrão e nada de golinho de Dreher no parapeito da cozinha, para os namorados. Ela estava de bode, a Malvada.

O bar de Augusto era uma academia de letras embaraçadas. Todo poeta marginal tinha guarida lá, todo artista se exibia. Liam-se capítulos inteiros de Bertold Bechet, cantadas de Pasolini, poemas de Torquato Neto. Também quem não tinha nada a ver se chegava e era servido à antropofagia reinante entre os frequentadores. Gente de toda a espécie, advindos de todas as camadas sociais.
No bar 315 conviviam as meninas da noite e as madames prafentex da sociedade, os bêbados perdidos em busca de uma última zenebra e os mais lídimos intelectuais da província, poetas desgarrados, pintores sem mercado, jornalistas cansados, esmoleres e putas.

Num canto, uma radiola estereofônica controlada a punho de ferro pelo gosto do dono repetia dez vezes Belchior, Ednardo, mansidões do mano Caetano, foêns Betânicos e Raul Seixas, sempre.

Era um lugar da pesada! Tanto que foi lá onde lancei o meu primeiro livro de poesias, “O Instante Amarelo”. O barato do lançamento foi o balé apresentado por Pata Preta - um avantajado negão que sonhava um dia dançar o Lago dos Cisnes – dançando sobre o balcão, pisoteando quatro quilos de uvas enormes e cinqüenta dálias brancas que o dono, Augusto, meu brother, pagou pra mim.

Mas o que disse Hilton Lopes, no começo desta crônica? Que o Bar 315, estabelecido num galpão térreo, tinha três níveis. Saquei depois suas razões: no primeiro nível, por cima dos sonhos psicodélicos de uma geração, a bandeirice amenizada por uma engenhoca descolada pelo proprietário para disfarçar o olho avermelhado da freguesia - um mata mosquito de lâmpadas fluorescentes que azulava tudo.

No segundo nível, sobre restos de talharim, uma geração se gastando em fofocas e hipérboles sentimentais.

Já no terceiro nível, a real: por debaixo das mesas, muitas pernas e pés se tocando, mãos afoitas se entrelaçando, códigos tramando encontros, um frenesi de pecados que os menos entendidos nem percebiam.

Isto sim, teria dito Hilton Lopes, era o bar 315.
O resto é cocoré, bico-de-pato...

Amaral Cavalcanti – 2007.

Reproduzido do Facebook/Amaral Cavalcante.

Postagem originária da página do Facebook/GrupoMTéSERGIPE, de 6 de agosto de 2015.

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