sexta-feira, 2 de maio de 2014

Mário Cabral - o Missivista

 Foto do livro de Ana Medina.


Publicado originalmente no blog Academia Literária de Vida, em 26/03/2014.

Mário Cabral - o Missivista
Centenário de um Homem Intelectual e Cavalheiro
Por Maria Lígia Madureira Pina.

Mário Araujo Cabral nasceu em 26 de março de 1914. Era advogado, professor, poeta de rica lavra, romancista, cronista, jornalista, político, diretor do teatro Castro Alves em Salvador (BA) e muito mais. Quem quiser conhecer sua vida é só ler o livro da acadêmica Ana Maria Fonseca Medina, “Mário Cabral, Vida e Obra”*. Quanto a mim neste momento em que se comemora o seu centenário de nascimento quero lembrar Mário, o Missivista. Ele tinha prazer em corresponder-se com parentes, amigos e desconhecidos que lhe ofereciam livros e pediam opinião sobre a obra. E Mário Cabral não deixava sem resposta nenhuma carta. Outra característica sua era a concisão. Ele dizia tudo, em poucas palavras. No mais a leveza, a sutileza do estilo, a ternura e o incentivo aos novos escritores são marcas da sua personalidade. Mário buscava em cada texto, em cada poema que recebia - a essência - o que dava realce para comentar e estimular o autor. E a caligrafia... linda, inconfundível.

A amizade epistolográfica entre Mário e eu.

Tudo começou em 1997, quando ele enviou aos acadêmicos e membros do MAC (Movimento de Apoio a Academia Sergipana de Letras), o seu livro, intitulado Jornal da Noite, obra belíssima de crônicas, abordando os mais diversos temas. Escrevi-lhe agradecendo e comentando o presente. Em retribuição ofereci-lhe o meu livro A Mulher na História. Resultado: três cartas analisando, comentando sobre a importância de mostrar o quanto estas mulheres foram úteis à sociedade. E num rasgo de generosidade disse-me que “o livro merece uma medalha. De ouro!”. Daí começou uma troca de correspondência que perdurou de 1997 a 2008, entre duas pessoas que nunca se conheceram pessoalmente. Onze anos... Lançamentos de livros, Natal, São João, datas natalícias, lançamento da primeira revista da Academia Literária de Vida, poesia em livros ou avulsas, de lado a lado eram motivos para carteamento.

Em um dos seus últimos aniversários escrevi um acróstico diferente, inventado para homenageá-lo. E ele agradeceu-me em bela e incentivadora carta: “Tenho sempre em mão aquele diploma que você redigiu e assinou em minha homenagem, a começar com o acróstico do meu nome. Nos elogios e encômios foi você muito generosa. Não sei se mereço tanto. Suas palavras – que as guardo – ficaram no meu coração”.
Aos 93 anos de idade, a visão comprometida e abalada a alma pelo falecimento da esposa, Sylla (seu único amor) resolveu deixar de escrever. Enviou, então, a todos os seus correspondentes uma carta circular, anunciando a sua decisão. Mesmo assim, quando lhe mandei a comunicação sobre o Natal que proferi na Academia Sergipana de Letras, ele me escreveu agradecendo e comentando: “Estou doente e parei de escrever. Mas quebro a decisão em face do seu trabalho sobre o Natal. O nosso Natal é um trecho comovente. Os velhos, olhos cheios de névoa, relembram a festa da Praça Pinheiro Machado... Seu texto, claro, lúcido, independente de loas, vencendo por si só em brilho e festa”...

A última carta: Quando do falecimento da esposa eu lhe escrevi uma longa carta. Na tentativa de levar-lhe um pouco de conforto historiei a minha experiência com a morte: a perda da minha mãe, o último bem que me restava. E Mário, do mais profundo da sua dor me escreveu: “Cara Lígia Pina. Recebi a sua carta. De todas as mensagens, a mais linda, a mais longa e a mais emotiva sobre a morte de Sylla. Estou só, sem rumo, sem objetivo. Mas a casa está cheia da presença dela, cada livro, cada tela, cada objeto, o plano vazio do nosso leito. E o silêncio dia e noite a tomar conta de tudo. Não tenho tino, agora, para escrever como você o fez em missiva e verso de alto lavor, emoção e saudade. Perdoe dizer pouco para quem disse tanto e tanto mais sugeriu em beleza tanta.
Obrigada amiga pelo presente – carta e poesia – que marca uma fase da sua existência, comum a todos nós, pobres mortais. Querer bem é sofrer muito em advindo a morte da pessoa amada. Ceia Amarga e Só a Saudade ficou valendo como um instante mágico de pureza e arte. Ademais a fé, em fio de luz divina. Deus a guarde e guie. Amigo e admirador. Mário Cabral”.

A busca de Deus. Mário dizia não crer em Deus. Mas a sua busca por Ele era contínua. É o que vemos e sentimos no soneto Descrença.

Transcrevo o último terceto:
Sinto-me só! Perdido. Ilha na solidão...
De súbito me veio o anseio de uma prece!
- Ah, se eu pudesse crer! Ah, se eu tivesse
O conforto de um Deus no coração.

Pelo fecho das últimas cartas eu sinto que Mário encontrou Deus, dentro de si mesmo e no dia 02 de abril de 2009 fechou os olhos neste mundo e os abriu para a Eternidade, abraçado pela luz de Deus.
.........................................................
*Mário Cabral, Vida e Obra - Biografia escrita por Ana Maria Fonseca Medina, Aracaju.Gráfica Editora J. Andrade, 2010.508 p. Ana Maria é membro da Academia Sergipana de Letras. Escreveu os seguintes livros: Ponte do Imperador (1 e 2 edições), Memória da Ordem do Mérito Serigy, Cartas de Hermes Fontes, angústia e ternura, organizou Efemérides Sergipanas de Epifânio Dória.

Foto e texto reproduzidos do blog:
academialiterariadevida.blogspot.com.br

Postagem originária da página do Facebook/Minha Terra é SERGIPE, de 2 de maio de 2014.

Nenhum comentário:

Postar um comentário