terça-feira, 19 de fevereiro de 2013

A história de Dom José Vicente Távora - 1/2


Padre dos pobres e bispo dos operários. A história de Dom José Vicente Távora
A relação de proximidade com a classe operária fez Dom José Vicente Távora ficar reconhecido como padre dos pobres. Mais tarde, como bispo no Rio de Janeiro, envolvido com a JOC, “ele se autodenominava o bispo dos operários”, conta Isaias Nascimento

Por: Patricia Fachin

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“Dom Távora fez opção pela classe operária desde o início de sua vida sacerdotal lá na diocese de Nazaré da Mata, em Pernambuco. Para ele, a JOC era ‘uma sementeira de líderes para o futuro’ dentro do movimento operário”. É assim que Isaias Nascimento, autor do livro Dom Távora, O Bispo dos Operários (São Paulo: Paulinas, 2008), lembra de Dom José Vicente Távora, nordestino que dedicou sua vida à causa dos excluídos. Dom Távora participou da reestruturação da Ação Católica Brasileira, no Rio de Janeiro, e fundou a Juventude Operária Católica – JOC, “cujo objetivo era formar operários católicos missionários atuando entre seus iguais para ‘converter a Jesus Cristo, não apenas este ou aquele colega individualmente, nem mesmo dezenas e dezenas de colegas, mas o próprio operariado’”.
Amigos oriundos do Nordeste brasileiro, Dom Hélder Câmara e Dom Távora “conheciam a sina dos filhos da seca” e viam, nas favelas do Rio de Janeiro, “seus irmãos nordestinos enxotados pela miséria e pela fome”. O clamor dos pobres, enfatiza Isaias Nascimento, fez com que os dois bispos firmassem “uma aliança em defesa dos excluídos nordestinos, os da Capital Federal e os que estavam na terra natal. Eles comprometeram e pagaram, ao longo de suas vidas todo tipo de perseguições, críticas jornalísticas, acusações mentirosas, mas não se desviaram do compromisso social com o Ecce Homo – Eis o Homem (João 19, 4-5) continuamente crucificado”.

Na entrevista a seguir, concedida, por e-mail para a IHU On-Line, o padre da diocese de Propriá, Sergipe, relata alguns momentos da trajetória de Dom Távora e menciona que o período mais difícil de sua vida foi a ditadura militar. “Dom Távora teve seu telefone grampeado. Recebia com frequência um coronel do exército para pressioná-lo. Teve que enfrentar uma prisão domiciliar. Várias lideranças do Movimento de Educação de Base – MEB e dos sindicatos de orientação católica foram presas em Sergipe e em várias partes do país. Viu também parte do seu clero e religiosas comprometidos serem intimados a depor na Polícia Federal. (...) Sentiu-se só, muitas vezes, sem a visita e o carinho do povo, dos pobres, mas resistiu o quanto pode, até o dia 03 de abril quando seu coração não suportou mais o 3º enfarto”.
Isaias Nascimento é pároco da Paróquia de Brejo Grande, que fica no lado sergipano na foz do Rio Francisco e Coordenador da Cáritas Diocesana de Propriá.

Confira a entrevista.

IHU On-Line - O senhor pode nos contar como era o trabalho desenvolvido por Dom Távora na diocese e a iniciativa de fundar escolas operárias?

Isaias Nascimento - Quando chegou a Aracaju, em março de 1958, encontrou muita coisa encaminhada pelo seu antecessor Dom Fernando Gomes : grupos de Juventude Operária Católica – JOC (que ele mesmo fundou ainda como padre no início dos anos 50), Círculos Operários assessorados por Mons. João Moreira Lima, grupos de Ação Católica Especializada e a entidade assistencial conhecida como Serviço de Assistência à Mendicância – SAME que acolhia pessoas abandonadas. Além de dar continuidade pastoral ao que já havia, fundou a Rádio Cultura de Sergipe que, juntamente, com a criação do Movimento de Educação de Base – MEB, com suas escolas radiofônicas, ofereceu a educação do homem do campo e, a partir delas, fundaram e organizaram os primeiros Sindicatos dos Trabalhadores Rurais e a sua Federação dos Trabalhadores na Agricultura do Estado de Sergipe – FETASE. Dom Távora é reconhecido como o patrono do sindicalismo rural de Sergipe.
Ainda como seminarista na sua diocese de Nazaré da Mata, em Pernambuco, aderiu ao movimento da Ação Católica que estava se formando no Brasil. Ela – Ação Católica - formava liderança das grandes cidades e do interior com os princípios da Doutrina Social da Igreja, principalmente os contidos na encíclica papal Rerum Novarum . Quando padre recém ordenado, no início dos anos 1930, fundou diversas Escolas Operárias na mesma diocese, principalmente em Nazaré da Mata e Goiana, em Pernambuco. Pegou tão bem que ela chamou de Legião Pernambucana do Trabalho, tendo como finalidade formar a classe operária sob a orientação católica. Já havia naquele tempo Círculos Operários em alguns municípios de Pernambuco e em Aracaju. Foi ele quem conseguiu realizar um Congresso Operário no final dos anos 1930 lá em Goiana, recebendo delegações de todo a região Nordeste, no qual esteve presente também o Pe. Leopoldo Brentano . Sua relação com a classe operária o fez reconhecido como padre dos pobres. Depois, como bispo no Rio de Janeiro, já envolvido com a JOC, ele se autodenominava o bispo dos operários.

IHU On-Line - Qual a relação de Dom José Vicente Távora com o período político getulista?

Isaias Nascimento - Lembremos que o Rio de Janeiro era a Capital Federal do Brasil, e a Igreja Católica, apesar de não ser a religião oficial do país, tinha muita influência junto aos poderes de uma República que ainda estava engatinhando. O Cardeal Leme , reconhecido como um bom estadista e pastoralista, procurou manter “cada qual no seu lugar”, isto é, procurou fortalecer a Igreja para continuar independente do Estado, e defender os interesses dela e seus princípios junto ao Estado e, para isto, formou uma boa equipe de padres competentes na defesa dos princípios da Doutrina Social da Igreja, relacionados às questões trabalhistas, educação católica e saúde, diante dos poderes públicos. Para tal intento, trouxe do Ceará o Pe. Hélder Câmara , de Pernambuco; Pe. José Vicente Távora e o Pe. Jorge Marcos . Ambos vivenciaram o período getulista. A liderança de Dom Hélder foi marcante neste período. Foram Dom Távora e Dom Hélder que no dia 24 de agosto de 1954 deram a notícia do suicídio de Getúlio Vargas , o então presidente da República, conforme o Padre Ivo Calliari detalhou em suas anotações: “Às 4h:30min do dia 24 de agosto de 1954, Dom Hélder e Dom José Vicente Távora vieram buscar Sua Emcia . Descemos imediatamente... No Palácio São Joaquim, ligamos o rádio: a notícia era que o Dr. Getúlio Vargas renunciara. Seguiu-se logo que pedira apenas licença de 90 dias. Celebrei às 6h:30min e Sua Emcia às 7h:30min na capela do Palácio São Joaquim. Depois do café, quando rezávamos o breviário, num pequeno hall em frente ao meu quarto, próximo ao refeitório, Dom José Vicente Távora chega com a estarrecedora notícia do suicídio. Dom Jaime pôs as mãos na cabeça e disse: “Meu Deus! Foi um choque tremendo. Ficamos parados!... Só poderíamos rezar e foi o que fizemos: continuamos o breviário!...”

IHU On-Line - Dom Távora enfrentou problemas no governo Carlos Lacerda e no período da ditadura militar. Como ele se posicionava politicamente nesses momentos?

Isaias Nascimento - Dom Távora tomou posições públicas que foram marcantes na história do Brasil: o primeiro foi na tentativa de golpe em agosto de 1961, quando Jânio Quadros renunciou e os militares impediram a posse de Jango como presidente. Ele reagiu publicamente e, juntamente com ele, a classe política de Sergipe exigindo o respeito à Constituição. Somente depois de muitas negociações no Congresso Nacional conseguiram permitir sua posse como presidente no regime Parlamentarista, com menos poderes.
Outro momento foi sobre a prisão da cartilha do MEB intitulada Viver é lutar. Ocorrido no início do ano de 1964, quando Carlos Lacerda mandou prendeu a cartilha do MEB. Dom Távora, não só por ser presidente do MEB, mas também por ser próprio da sua personalidade, não se intimidou diante do governador do Rio que acusava o material de ser comunista e, com ele, setores da mídia nacional fizeram uma humilhação pública (no programa Flávio Cavalcanti que a rasgou ao vivo). Dom Távora assumiu publicamente a responsabilidade pelo material em uma nota dizendo que “Os bispos... não podiam ser indiferentes nem omissos numa tarefa da mais alta importância, exigida pela própria Caridade Evangélica, qual seja, a de emprestar sua cooperação ao desenvolvimento social e cultural do povo e à elevação do nível geral da sociedade”, visto que o material trazia uma leitura sobre a questão da reforma agrária.

E o momento mais difícil da vida dele, penso eu, foi o da ditadura militar. O que parecia ser um impedimento contra as forças do comunismo internacional, como pensava a maioria dos bispos que foram favoráveis ao golpe, foi um golpe no processo democrático por 26 longos anos da história nacional. A perseguição, as prisões e torturas foram piorando ao longo dos anos de forma ascendente, a ponto de a maioria dos bispos irem se afastando do regime, principalmente, a partir de 1966. Neste momento histórico é marcante o profetismo da Igreja no Brasil tendo como porta voz Dom Hélder Câmara, tanto nacional como internacionalmente. Todos os bispos envolvidos com a pastoral social daquele tempo foram tachados como subversivos e, consequentemente, juntamente com os seus próximos, perseguidos. Dom Távora teve seu telefone grampeado. Recebia com frequência um coronel do exército para pressioná-lo. Teve que enfrentar uma prisão domiciliar. Várias lideranças do MEB e dos sindicatos de orientação católica foram presas em Sergipe e em várias partes do país. Viu também parte do seu clero e religiosas comprometidos serem intimados a depor na Polícia Federal. Testemunhou também o estreitamento de relações comprometedoras entre o seu bispo auxiliar – depois sucessor - Dom Luciano José Cabral Duarte e os militares a partir de 1967. Sentiu-se só, muitas vezes, sem a visita e o carinho do povo, dos pobres, mas resistiu o quanto pode, até o dia 3 de abril de 1970, quando seu coração não suportou mais o terceiro enfarto.

Texto: reproduzido do site ihuonline.unisinos.br
Foto: arquidiocesedearacaju.org

Postagem originária da página do Facebook/MTéSERGIPE, em 17 de fevereiro de 2013.

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