sábado, 28 de março de 2015

Uma mesa política no Cacique Chá

Capa do Livro de Mário Britto 

Texto de autoria de João Augusto Gama da Silva, publicado no livro de Mario Britto, intitulado "Cacique Chá - Jenner Augusto MARCOS DO MODERNISMO", em 17 de março de 2015.
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Uma mesa política no Cacique Chá
Por: João Augusto Gama da Silva.

Fernando Nunes chegava mais cedo e dava os dois expedientes. Umberto Mandarino era o mais assíduo, sempre saía mais tarde. Até 1964 o grupo era grande, com muita rotatividade. Inicialmente ficava nas mesas da varanda. Depois veio o medo. As pessoas deixaram de freqüentar a roda do Cacique.

O velho poeta Clodoaldo de Alencar dizia, sério, que “é preciso cautela e saber votar”. As eleições eram raras. Viciadas. Sem expressão. O primeiro da mesa a ser preso foi Tertuliano Azevedo, delegado do Trabalho. Sua vida em Sergipe ficou inviável. Mudou-se para o Rio de Janeiro, onde, por alguns anos morou no Flamengo. Logo em seguida prenderam Ariosvaldo Figueiredo. O medo aumentava.

A pequena burguesia da nossa mesa sucumbiu. Professor Garcia Moreno, brilhante, contraditório, esquivou-se. Freitas, o proprietário, lia seus livrinhos de cowboy e fingia que estava tudo bem. Fernando Porto, agnóstico e culto, comentava que ditadura para ele não era novidade, convivera com a de Vargas e agora com a dos militares. Roberto Porto, seu filho, falava pouco e morreu cedo. Fernando − viúvo e agora sem Roberto − mudou-se para São Paulo, onde vivia Rodrigo, e lá faleceu.

Valdemar Fortuna de Castro − elegante, professor e amigo − fazia de conta que o regime discricionário não era no Brasil. José Carlos Teixeira acreditava no MDB e resistia. Em 1966, a mesa do Cacique elegeu Jaime Araújo deputado estadual. O regime militar esmagara a oposição. Em 1968, a ditadura se aprofunda. Preso com Chico Varela, fomos soltos em 1969. A Assembleia Legislativa de Sergipe foi fechada e poucos meses depois Jaime perdeu seu mandato. Ouvimos sua cassação do “Cacique”. Imediatamente Zé Carlos Teixeira o convidou para trabalhar em Brasília, na sua gráfica. Jaime preferiu continuar em Sergipe.

Geraldo Sobral, juiz federal substituto, silencioso, não entendia a violência, as perseguições da ditadura. Alberto Carvalho era da turma da manhã. Silvério Fontes das duas. Guido Azevedo era eventual. Os irmãos Pacheco − Manoel e Afonso − irregulares, compareciam aos sábados. Afonso sempre mais discreto. A presença bissexta de Eurico Amado era uma alegria. Simplório, cosmopolita, morando no Rio de Janeiro, trazia sempre novidades e bons discos de bossa nova. Fazia boas festas na casa de sua família na Rua Itabaiana. Com Eurico, inevitavelmente, Ezequiel Monteiro aparecia. Às vezes Macepa. Celso Viana de Assis, expulso da Academia Militar das Agulhas Negras, exercia uma forte influência sobre nós, os mais jovens. Mostrava a necessidade do estudo e da leitura. Preso, quando solto foi-se embora de Sergipe.

Os irmãos Teixeira, Luiz e Tarcísio, adoravam conversar política. Chegavam às 4 horas da tarde no escritório de Jaime e seguiam com Jaime e Antônio Tavares para o Cacique. Não bebiam. Mandavam comprar sorvete de mangaba na Cinelândia todos os dias. Carlos Oliveira, capelense, trabalhava na Organização Internacioanal do Trabalho (OIT), em Genebra, frequentava todas as tardes, quando de férias em Aracaju. Seixas Dórea se tornou assíduo quando se mudou do Rio para Aracaju. Leopoldo Souza, deputado estadual, chegava depois da sessão da assembleia. Marcos Melo e Said Schoker eram do turno da noite. Gilvan Rocha, quando vinha de Brasília. Armando Rollemberg também.

Os “passantes”eram muitos: Gilson Cajueiro de Holanda, Gildo Guimarães (o Gildo Pistola), José Carlos de Almeida Filho (o Zé Miséria), Antonio Góis e Zé Emídio do Nascimento. Os dois últimos assumiram a titularidade nos dois expedientes. Frequência exemplar.

Aos sábados era um pleno ampliado: Walter Batista, Jonas Aguiar. Em mesas separadas as irmãs Dinah e Beca, Gilza Luíza, Lilia e Linta (ambas Pacheco), Zé Rosa de Oliveira Neto e Renato Chagas. Mário Jorge em todas as mesas. Muita cerveja.

As pessoas estranhas ao grupo, quando em mesa próxima à nossa eram sempre suspeitas de pertencerem ao Serviço Nacional de Informações (SNI).

Nos últimos anos fazíamos “o encerramento do ano letivo”. Havia entrega de medalhas de assiduidade e bom comportamento. Zé Valadares, certa vez, levou Dona Caçula, sua mãe, que adorou a brincadeira. Foi uma festa. Carlinhos Machado se apresentou de índio. Um show. Tínhamos sobrevivido à ditadura.

Jenner Augusto, pelo olhar bondoso de suas pretas, mucamas e mulatos, assistia a tudo em silêncio. E, com certeza, aprovava.

Postagem originária do Facebook/GrupoMTéSERGIPE, de 26 de março de 2015.

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