domingo, 31 de agosto de 2014

Na marinete da Fátima

Foto reproduzida do blog imagensdeontem de Floriano Santos Fonsêca.

(História levinha).

Na marinete da Fátima.
Por Amaral Cavalcante.

Quando a marinete da Viação Nossa Senhora de Fátima subia a Ladeira de Roque para alcançar a Praça da Matriz, em Simão Dias, buzinava com tanto espalhafato que o meu coraçãozinho infante se espatifava em ansioso alvoroço.

Chegava finalmente em casa, depois de uma tortuosa viagem em estrada de brita, sacolejando a curiosidade pelos pastos e grotas. Grandes manadas, santas cruzes dolentes, casinhas de sopapo e casarões avarandados, gente no eito ou na preguiça das redes, adeuses, cenas esquisitas que passavam céleres na imprecisão da paisagem. Desde Itaporanga, onde eu fora entregue pelas tias avós aos cuidados de Seu Didi, cobrador e confiável mensageiro de embrulhos e encomendas, eu enfiara o nariz na janela, ávido expectador de inusitados cenários.

O que me incomodava era o temor de vomitar na marinete, empestiando tudo com o azedume da minha última comida. Mas eu viajava guarnecido por uma porção de cascas de laranja, santo remédio que a sabedoria das velhas tias prescreviam para tais incômodos. Bastava esfregar no nariz, e pronto! O enjoo já era.

Dava para aguentar as dezenas de paradas, ora no meio do nada, ora em precárias lanchonetes de parada obrigatória, onde muita gente descia para um pastel, um ovo cozido, uma coxa de galinha precedida por um solene arroto de Coca Cola.

Durava quase um dia essa viagem.

Já detardinha chegávamos ao coração de Simão Dias, a Praça Barão de Santa Rosa. E era exatamente na Ladeira de Roque, quando o motorista buzinava espalhafatoso para que toda a cidade o ouvisse, que, finalmente, tínhamos certeza de que chegáramos em casa.

Lá em cima, depois de uma volta triunfal por trás da igreja, a marinete parava bufando em frente ao Abrigo de Juca Bracinho, diante dos rostos queridos da família que nos esperava.

De modo que a Ladeira de Roque Boca Preta, onde ele mantinha sua oficina de moldar enxadas e estrovengas e onde nenhum menino deveria ir, sob pena de virar carvão, era, também, o lugar da alegria da marinete ao nos anunciar, finalmente, a chegada na doce e querida Simão Dias.

Amaral Cavalcante - Agosto/2014.

Postagem originária da página do Facebook/MTéSERGIPE, de 24 de agosto de 2014.

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