quarta-feira, 12 de dezembro de 2012

O Bar do Pinto

Foto: Márcio Garcez. Reproduzida do site aracaju.se.gov.br

O Bar do Pinto

Ficava na Rua da Frente ancorado no rio Sergipe a cem metros da Ponte do Imperador, de testa com a Gazeta de Sergipe. Funcionava desde o meio-dia servindo almoço barato a balconistas apressados, comensais de meia tigela e mequetrefes em geral. Mas era no Pinto, no turno da noite, onde se encontravam as putas festejadas, os boêmios afim de uma geladinha para engatar conversa e nós, os poetas da província, doidos por ouvidos bêbados que dessem guarida a nossa última obra–prima.

Senhores graves com seus ternos bem talhados, madames de longo e gargantilhas apareciam por lá, vindos das elegâncias do Iate Club para esticar no Pinto um frango à passarinha ou outras permissividades plebéias.

Foi lá que me expus, maravilhado, à inteligência de Ezequiel Monteiro, à sapiência de Ivan Valença, às doutrinações de Luiz Antonio Barreto. Também foi lá onde me enterneceu o desamparo de bons artistas locais agonizando desamparados, como o pequenino Antonio Argollo, pintor de alguma arte e gigante boemia.

No Pinto conheci Candelária, a meretriz dos sonhos, inatingível para um qualquer. Ouvia-se de longe o arrastar de cadeiras, a elegância dela ajeitando o sutiã enquanto homens de charuto e grossos anéis, inusitadamente corteses, encomendavam ao garçom uma moqueca caprichada - o bastante para agradá-la.

No Pinto se comia, principalmente, moqueca de Arraia. Mijada sempre. Ocorre que Pinto não dispunha de grandes frízeres e o seu estoque de Arraias ficava amarrado no parapeito, num bequinho depois da cozinha, lá em baixo, conservadas pela salmoura do próprio rio. E era ali onde todo mundo mijava. No sanitário, não dava: além dos engradados de cerveja, os baldes, as piaçavas mal arrumadas, não dava! E fedia pra peste! Mas eram um de-comer gostoso, as arraias mijadas. Um prato farto para dois, com muito caldo e generosa farinha.

O Pinto entrou por uma perna de pato quando a municipalidade o demoliu para aprimoramento estético da Rua da Frente e salvação moral do logradouro. Decadente, estabeleceu-se em casa vizinha à Gazeta de Sergipe, sendo depois incorporado ao valoroso jornal através de um buraco na parede, providenciado pelos intelectuais da redação “por questões humanitárias e sociais”, juravam.
Dormiam nas pilhas quentinhas de papel jornal, os moleques da distribuição e uma ou outra nêga privilegiada pelo pessoal da oficina...

se não me me falha a memória

Amaral Cavalcante

Postagem originária da página do Facebook/Minha Terra é SERGIPE, em 13 de Dezembro/2012.

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