quarta-feira, 19 de dezembro de 2012

Lú Spinelli e a Dança Cênica em Sergipe.

Foto: reproduzida do site: educar-se.com

Publicado no Blog Primeira Mão, em 24/04/2011.

Lú Spinelli e a Dança Cênica em Sergipe.
Quarenta Anos de Movimento e Poesia.

Prof. MSc. Mário Resende.
Professor do Núcleo de Dança/UFS.

A prática de homenagear é tão antiga quanto à existência da cultura humana. Ela pressupõe o reconhecer no outro a construção pioneira, a abertura de caminhos, a facilitação de constituição de estradas e pontes sem as quais estaríamos caminhando com mais vagar. Reconhecer no outro a construção de algo digno é ato de grandeza cultural que humaniza o homem.

Ao tratarmos de reconhecimento é que relembramos que há quatro décadas, tivemos em Aracaju o I Festival de Dança Moderna, Contemporânea e Afro. Os tempos eram difíceis, a cidade pequena e conservadora. Estávamos no auge do regime militar e a dança acadêmica não tinha espaço, nem patrocínio, tampouco público. Nessa época, a SCAS – Sociedade de Cultura Artística de Sergipe – entidade cultural que atuava em Aracaju já tinha entrado em retração. A SCAS em anos anteriores tinha sido patronesse de espetáculos de música e de teatro. No tocante aos grandes espetáculos de Dança que trouxe para a cidade, na maioria das vezes, estes se restringiram à linguagem do balé clássico. Nesse deserto de movimento, Lúcia Spinelli percebeu uma lacuna a ser preenchida e por aqui fincou suas raízes, através do Studium Danças.

Somente a partir do trabalho da professora Lúcia Spinelli é que as sementes das Danças Moderna e Contemporânea aportaram na capital sergipana. Sem essas sementes muito provavelmente estaríamos contando outras histórias no que se refere à Dança acadêmica em Sergipe. A criação do Studium Danças e a realização dos Festivais Anuais são marco na história cultural de Aracaju. Sua criadora, Lú Spinelli, vivenciou e foi testemunha de importantes modificações nessa capital no campo dos costumes, dos mitos e dos preconceitos. Na década de 70, ao se estabelecer em Aracaju, enfrentou resistências típicas de toda ação pioneira, mas também recebeu os apoios das jovens mentes e intelectuais iluminados da cidade, a exemplo de João de Barros, Joubert Morais, Jorge Lins, Irineu Fontes, o então poeta Carlos Ayres de Brito, Ilma Fontes, o musicista Antonio Alvino Argolo, Lânia Duarte, Aglaé Fontes, Madre Albertina Brasil, Amaral Cavalcanti, Professor Alencarzinho, Professor João Costa, Luís Eduardo Costa, Luís Eduardo Oliva, Ivan Valença, Professor Antônio Garcia e Dr. João Cardoso Nascimento Junior, ex-reitores da Universidade Federal de Sergipe, entre outras pessoas de real importância.

De fora de Sergipe, Lú conta que sempre teve o apóio e o incentivo de Eduardo Cabús, dono do Teatro Gamboa e atual proprietário do Teatro Bibi Ferreira, no Rio de Janeiro, do professor Clyde Morgan, convidado da UFBA para atuar no curso de Dança, e atualmente docente da Universidade de Backport, New York e Julio Vilan, assistente de Klauss Vianna e Angel Vianna, do prof. Rolf Gelewsky de Reneè Gumiel, pioneiros da dança moderna e contemporânea no Brasil. Dulce Aquino, Pró-Reitora de Extensão da UFBA, Lia Robato, Diretora do Projeto Axé/Salvador, Laís Gois, ex-diretora da Escola de Dança da UFBA e Jurema Penna, autora e atriz baiana, expoente do Cinema Novo na Bahia, grupo que atuou o grande Glauber Rocha, também fizeram parte de rol de apoiadores.

Em muitos aspectos do que avançamos, somos devedores a essa mestra da Dança. No campo dos costumes e da dança Lú foi revolucionária, sendo uma das responsáveis pela quebra de preconceitos e tabus arraigados na sociedade aracajuana. Atuou como uma das responsáveis técnicas pelo Festival de Arte de São Cristóvão durante 18 anos. Foi também produtora de grandes espetáculos que se fizeram presentes nos palcos sergipanos. Com Lú Spinelli tivemos pela primeira vez em Sergipe, a possibilidade de artistas homens e negros freqüentarem aulas e serem reconhecidos na cena da dança no estado de Sergipe e fora dele. Lú fundou o Studium Danças em 1971, tendo como primeiro professor convidado o bailarino pernambucano Alcides Muniz, recém chegado da Europa. Muniz havia dançado em diversas companhias como o Gulbenkian em Portugal, o Balé de Nice, na França, entre outros. Antes de ir para a Europa, Muniz tinha atuado no Brasil, em particular, trabalhou com Dalal Aschar, no Rio de Janeiro e com Flávia Barros, em Pernambuco.

Também trabalharam no Studium o, hoje, professor Doutor Eusébio Lobo, da UNICAMP (ministrou aulas no Studium nos anos 70); Marcelo Moacyr, dançarino que atuou em diversas companhias internacionais, formado pelo Laban Center Londres, Antonio Alcântara/UFBA que trabalha com Danças no Canadá e Firmino Pitanga, com formação na UFBA, coreógrafo, dançarino, pesquisador de danças africanas em diversos países da África e fundador do balé da UMES, na USP.

Por sua vez, em Sergipe surgiram do Studium Danças o saudoso Francisco Santos, popular Chiquinho, por muitos anos professor de Dança na escola Municipal de Artes de Aracaju, os dançarinos Marcos Braz-Erê, Rita Trindade, Gladston Santos, Rinaldo Machado, Jayme Guedes, Hamilton Marques, Julieta Menezes, Sandra Freire, Clara Alice Oliveira, Ivani Andrade, dentre outros.

A partir das ações de Lú que tivemos a primeira companhia de dança cênica sergipana, o “Grupo Studium Danças”. Criado em 1973, era um grupo amador formado por uma série de jovens aracajuanos que posteriormente procuraram outros meios, todos alunos da escola, a saber: Silvana Flores Cardoso, Beatriz Braz, Cristina Garcia, Clara Alice e Acácia Oliveira, Martinha Bragança, Dayse Monte, Ana e Cibele Ramalho entre outras alunas. O grupo viajou para diversos eventos no Brasil, participando de circuitos e de festivais universitários. Em Sergipe, por diversas vezes, abriu os espetáculos que aconteciam no Festival de Artes de São Cristovão.

O primeiro espetáculo do grupo amador chamou-se Afro Sacro e foi apresentado pelo grupo Studium Danças na Igreja do Rosário, em São Cristovão. Posteriormente, no primeiro Festival de Artes e Cultura de Laranjeiras, o espetáculo foi reapresentado na integra, e lá novamente dançaram sob o som da Missa Luba, cantado por “os trovadores do Rei Balduim” um coral católico do Congo Belga. Lú montou diversos outros espetáculos, a exemplo da “Feira dos Aracajus”, “Glória, Glória, Glorioso”, “Vivência”, “Xocós”, todos pautados na cultura sergipana, dentro de uma visão contemporânea de dança.

Nos anos 80, o Grupo Studium Danças transformou-se em Sociedade Produtora de Dança, em caráter profissional. Nessa época, o grupo se fez presente pelo país no Festival Internacional das Mulheres Ruth Escobar, em São Paulo, no Ciclo de Dança do Recife e na Oficina Nacional de Dança da UFBA, entre outros grandes e importantes de eventos brasileiros. Fez diversas turnês em diversos estados do Nordeste. O grupo profissional teve sempre a direção de Lú, mas atuou em parceria com importantes coreógrafos brasileiros e estrangeiros, a exemplo de Marcelo Moacyr, Denilto Gomes, Airto Tenório, Clady Morgan, Valério Césio, Rosito de Carmine, entre outros.

Em quarenta anos de atuação em Sergipe, Lú Spinelli plantou e colheu muitos frutos na arte da Dança e fez desta, nos seus espetáculos, a palavra que não podia falar, o espaço para a crítica e para o riso, a luz para produzir beleza e poesia, o movimento para celebrar a vida e dialogar com a dor, a arte que somente o corpo é capaz de transmitir nesse campo do saber humano que deve ser o mais democrático de todas as artes. A existência e a continuidade da escola de dança Studium Danças, em quase meio século, chancelam o compromisso, a lealdade e competência dessa profissional em manter acesa a chama da arte do movimento no estado de Sergipe. No mínimo, esse fato nos delega o papel de reconhecer e homenagear Lú Spinelli, artista que através da dança, soube tão bem interpretar e expor aqui e no Brasil, a grandeza e a beleza da cores e sabores da cultura sergipana.

Texto reproduzido do blog: primeiramao.blog.br
De: Eugênio Nascimento e Kleber Santos.

Postagem originária da página do Facebook/Minha Terra é SERGIPE, em 19 de Dezembro/2012.

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