Fotos de Fernando Magalhães.
O Gosto Gostoso.
Era o bar da guerrilha citadina nos anos 80, o aparelho dos
descontentes, o bar dos descolados. Bar de ativista político sabe-se como é:
ele pega pela consciência e sai juntando tudo num mesmo paladar, numa irmandade
gustativa e solidaria onde se misturam sonhos de justiça e palavras de ordem,
onde amores revolucionários se encontram e expectativas político/eleitorais
engatinham.
Ia-se ao Gosto Gostoso porque era lá que a subversão
funcionava, onde se controvertia os decretos e, sem pudores burgueses dava-se
um jeito no mundo, mandava-se às favas a a opressão, resistia-se bebendo e
vociferando contra a ditadura, até o nascer do sol.
Pois bem... o mundo cruel retornava de madrugada nos
rabiscos da conta, no bocejo do garçom, na traição do sol clareando tudo.
Tínhamos que voltar pra casa sem tantos heroísmos revolucionários porque os
nossos vizinhos não nos conheciam assim, tão diferentes deles.
- Corina tem um filho comunista, coitada! E além disto, ele
fuma maconha!
Pois não é que virou obrigação a quem se quisesse engajado
freqüentar o Gosto Gostoso? Ficava no Bairro Grageru, fim da cidade porque dali
não se ia mais a lugar nenhum que não havia rua. O fim de linha estava a cem metros
do Bar, no Conjunto Habitacional “Cidade dos Funcionários” construído na década
de sessenta pelo governador Seixas Dórea. Era uma novidade urbanística de forma
circular, com ruas paralelas e concêntricas circundando uma pracinha de capim.
Casinhas de pombo em formato igual, paredes frágeis e teto de amianto,
certamente planejadas por um engenheiro modernoso, metido a inovador.
Na primeira vez em que eu fui l naquele concêntrico conjunto
habitacional, me senti como o zonzo “preá de bazar” das feirinhas de natal onde
apostávamos em casa ele entraria entre as que o rodeavam.
Depois dali era só um imenso quintal de manjelões, goiabas e
cajus de graça, terra de fogo-pagôs e riachinhos bestas na fronteira final da
cidade.
Voltemos ao Gosto Gostoso.
Principalmente às quartas-feiras, o bar se estendia pelo
asfalto com mesinhas de ferro atravancando a rua. Uma multidão barulhenta
catando mesa, não dava para quem queria.
Comia-se bem no Bar do Fernandinho. A delícia principal era
a Maniçoba, manjar pra macho enfrentar sem titubeio, feito de folhas de
Manaíba, venenosas se não fossem tratadas com os centenários cuidados que só o
povo de Lagarto guardara, vindo de ancestrais culinárias indígenas.
Fernandinho, lagartense, responsabilizava-se: - “O veneno a
gente tira numa boa!”. Mas tinha também tripa se porco torrada, frango a
passarinho e um supremo Sarapatel servido com fartura que dava pra três.
Afinal, os proprietários tinham aquilo muito mais como um aparelho político do
que como um meio de vida.
Fotografemos o bar: um mar de cavanhaques trotskanos,
barbudos pálidos e monossilábicos, senhores graves plenos de sabedoria e
adolescentes imberbes se chegando à causa com ouvidos complacentes, ávidos de
justiça e festa.
Notável também eram as bolsas de coro cru a tiracolo. Cada
quem carregava nelas o seu arsenal bélico: folhas soltas com desenhos malucos,
doutrinas, diários guevarianos, manifestos, a última edição de Carlos Zéfiro e,
lá no fundo perfumando tudo o providencial baseado - que ninguém é de ferro!
O barato da maconha era a sustança da guerra!
Vida, esperança de justiça e sofreguidão. acho que éramos
todos assim belos e revolucionários, naquele tempo do Gosto Gostoso.
Sem ele, a nossa história política seria outra.
Amaral Cavalcante – 27/03/2009
Postagem originária da página do Facebook/MTéSERGIPE, de 20 de junho de 2014.
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