sábado, 21 de junho de 2014

O Gosto Gostoso







Fotos de Fernando Magalhães.

O Gosto Gostoso.

Era o bar da guerrilha citadina nos anos 80, o aparelho dos descontentes, o bar dos descolados. Bar de ativista político sabe-se como é: ele pega pela consciência e sai juntando tudo num mesmo paladar, numa irmandade gustativa e solidaria onde se misturam sonhos de justiça e palavras de ordem, onde amores revolucionários se encontram e expectativas político/eleitorais engatinham.

Ia-se ao Gosto Gostoso porque era lá que a subversão funcionava, onde se controvertia os decretos e, sem pudores burgueses dava-se um jeito no mundo, mandava-se às favas a a opressão, resistia-se bebendo e vociferando contra a ditadura, até o nascer do sol.

Pois bem... o mundo cruel retornava de madrugada nos rabiscos da conta, no bocejo do garçom, na traição do sol clareando tudo. Tínhamos que voltar pra casa sem tantos heroísmos revolucionários porque os nossos vizinhos não nos conheciam assim, tão diferentes deles.

- Corina tem um filho comunista, coitada! E além disto, ele fuma maconha!

Pois não é que virou obrigação a quem se quisesse engajado freqüentar o Gosto Gostoso? Ficava no Bairro Grageru, fim da cidade porque dali não se ia mais a lugar nenhum que não havia rua. O fim de linha estava a cem metros do Bar, no Conjunto Habitacional “Cidade dos Funcionários” construído na década de sessenta pelo governador Seixas Dórea. Era uma novidade urbanística de forma circular, com ruas paralelas e concêntricas circundando uma pracinha de capim. Casinhas de pombo em formato igual, paredes frágeis e teto de amianto, certamente planejadas por um engenheiro modernoso, metido a inovador.

Na primeira vez em que eu fui l naquele concêntrico conjunto habitacional, me senti como o zonzo “preá de bazar” das feirinhas de natal onde apostávamos em casa ele entraria entre as que o rodeavam.

Depois dali era só um imenso quintal de manjelões, goiabas e cajus de graça, terra de fogo-pagôs e riachinhos bestas na fronteira final da cidade.

Voltemos ao Gosto Gostoso.
Principalmente às quartas-feiras, o bar se estendia pelo asfalto com mesinhas de ferro atravancando a rua. Uma multidão barulhenta catando mesa, não dava para quem queria.

Comia-se bem no Bar do Fernandinho. A delícia principal era a Maniçoba, manjar pra macho enfrentar sem titubeio, feito de folhas de Manaíba, venenosas se não fossem tratadas com os centenários cuidados que só o povo de Lagarto guardara, vindo de ancestrais culinárias indígenas.

Fernandinho, lagartense, responsabilizava-se: - “O veneno a gente tira numa boa!”. Mas tinha também tripa se porco torrada, frango a passarinho e um supremo Sarapatel servido com fartura que dava pra três. Afinal, os proprietários tinham aquilo muito mais como um aparelho político do que como um meio de vida.

Fotografemos o bar: um mar de cavanhaques trotskanos, barbudos pálidos e monossilábicos, senhores graves plenos de sabedoria e adolescentes imberbes se chegando à causa com ouvidos complacentes, ávidos de justiça e festa.

Notável também eram as bolsas de coro cru a tiracolo. Cada quem carregava nelas o seu arsenal bélico: folhas soltas com desenhos malucos, doutrinas, diários guevarianos, manifestos, a última edição de Carlos Zéfiro e, lá no fundo perfumando tudo o providencial baseado - que ninguém é de ferro!

O barato da maconha era a sustança da guerra!

Vida, esperança de justiça e sofreguidão. acho que éramos todos assim belos e revolucionários, naquele tempo do Gosto Gostoso.

Sem ele, a nossa história política seria outra.

Amaral Cavalcante – 27/03/2009

Postagem originária da página do Facebook/MTéSERGIPE, de 20 de junho de 2014.

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