Publicado originalmente no Facebook/Fan Page/Petrônio Gomes.
Domingo era assim.
Por Petrônio Gomes.
Era-nos facultada a escolha entre a missa das sete ou a das
nove horas da manhã, na Catedral. Os mais preguiçosos preferiam esta última,
pois vem de longe o mau costume de se adiar a “obrigação”. Se tínhamos o
direito de escolher a hora da missa, não podíamos, entretanto, perdê-la, nem
pensar! Seria o mesmo que estragar o domingo inteiro, atraindo sobre nós os
olhares carregados dos pais, que não estavam “criando hereges”.
A Santa Missa era celebrada em Latim e o oficiante a rezava
de costas para os fiéis, que não entendiam patavina do que ele dizia. O padre
era auxiliado por um acólito, ou “coroinha”, geralmente um garoto levado da
breca nos dias úteis. Como não se entendia a reza do padre, formavam-se uns
grupinhos de rapazes fora da igreja para os comentários sobre assuntos sempre
estranhos às recomendações da Caridade. Esses grupinhos renitentes sabiam
quando deviam retornar ao recinto do templo nos momentos mais importantes.
Depois da missa, o café com cuscuz, legítimo de Braga, feito
em cuscuzeiro de barro, coberto com um pano escuro e furado. Conversa na hora
da refeição era mais frequente entre os adultos. Qualquer pergunta dos meninos
a respeito de qualquer assunto era sempre rebatida na hora, principalmente
quando eles não sabiam responder. A gente aproveitava para comer enquanto eles
estavam falando.
Após o café, o banho de mar na Praia Formosa, um recanto que
haveria mais tarde de perder a formosura quando se tornou passagem para a “zona
sul”. Essa praia oferecia a vantagem do simples acesso, pois os seus
frequentadores surgiam de todos os lados, a pé, escoltando bandos de crianças.
Quando a maré estava na vazante, e se houvesse o azar de acontecer isto no
domingo, a Praia Formosa parecia um imenso campo de concentração de gente
seminua e triste.
Os mais afortunados, todavia, seguiam para a Atalaia Velha,
a bordo de seus raros automóveis ou compondo a lotação de “marinetes” fretadas
para este fim. Em qualquer dos casos, era sempre uma aventura tomar banho no
“oceano”.
Os rapazes usavam uns calções de banho parecidos com as
“bermudas” de hoje, com a diferença de que não tinham bolsos. Ninguém ficava de
peito nu na praia, de um lado para outro. Era de praxe uma camiseta, que a
gente pedia para alguém guardar quando dava vontade de entrar na água.
As moças usavam uma espécie de camisa de força que deixava
apenas os membros livres, assim mesmo nem tanto livres. Quando surgiu o maiô de
duas peças, foi um acontecimento que estremeceu a cidade, pois ninguém seria
capaz de imaginar a possibilidade de tamanho atrevimento.
Depois da praia, almoço. Domingo era dia de galinha, uma
galinha só. Era o único momento em que a paz do lar parecia desaparecer, sendo
uma família numerosa. Todos nós gostávamos de coração, e galinha só tinha um.
Todos nós gostávamos de moela, mas a galinha só tinha um estômago. Esperávamos
o mais precioso: o peito, a titela. Mas era costume reservar a titela para o
jantar, quando ela seria servida assada.
À tarde, cinema. Sessão das quatro no Guarani, com direito a
seriado depois do filme. Picolé no corredor do cinema, xingamentos dos meninos
que estavam na “geral”, um poleiro de madeira que havia nos fundos da sala de
projeção, quase tocando no teto, quente como o diabo. Eles estavam xingando
quem podia chupar picolé. Sempre haverá descontentes no mundo.
Terminada a “janta”, uma volta pela praça Fausto Cardoso,
ouvindo a banda da Polícia Militar, vestindo o melhor terno de Panamá, em busca
de olhares enamorados, mas já com o pensamento nos deveres da segunda-feira.
Domingo em Aracaju era assim..
Imagens: Praça Fausto Cardoso e Rua João Pessoa,
extraídas de sergipeemfotos.blogspot.com.br
Postagem originária da página do Facebook/MTéSERGIPE, de 27 de junho de 2014.
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