domingo, 29 de junho de 2014

Domingo era assim.



Publicado originalmente no Facebook/Fan Page/Petrônio Gomes.

Domingo era assim.
Por Petrônio Gomes.

Era-nos facultada a escolha entre a missa das sete ou a das nove horas da manhã, na Catedral. Os mais preguiçosos preferiam esta última, pois vem de longe o mau costume de se adiar a “obrigação”. Se tínhamos o direito de escolher a hora da missa, não podíamos, entretanto, perdê-la, nem pensar! Seria o mesmo que estragar o domingo inteiro, atraindo sobre nós os olhares carregados dos pais, que não estavam “criando hereges”.

A Santa Missa era celebrada em Latim e o oficiante a rezava de costas para os fiéis, que não entendiam patavina do que ele dizia. O padre era auxiliado por um acólito, ou “coroinha”, geralmente um garoto levado da breca nos dias úteis. Como não se entendia a reza do padre, formavam-se uns grupinhos de rapazes fora da igreja para os comentários sobre assuntos sempre estranhos às recomendações da Caridade. Esses grupinhos renitentes sabiam quando deviam retornar ao recinto do templo nos momentos mais importantes.

Depois da missa, o café com cuscuz, legítimo de Braga, feito em cuscuzeiro de barro, coberto com um pano escuro e furado. Conversa na hora da refeição era mais frequente entre os adultos. Qualquer pergunta dos meninos a respeito de qualquer assunto era sempre rebatida na hora, principalmente quando eles não sabiam responder. A gente aproveitava para comer enquanto eles estavam falando.

Após o café, o banho de mar na Praia Formosa, um recanto que haveria mais tarde de perder a formosura quando se tornou passagem para a “zona sul”. Essa praia oferecia a vantagem do simples acesso, pois os seus frequentadores surgiam de todos os lados, a pé, escoltando bandos de crianças. Quando a maré estava na vazante, e se houvesse o azar de acontecer isto no domingo, a Praia Formosa parecia um imenso campo de concentração de gente seminua e triste.

Os mais afortunados, todavia, seguiam para a Atalaia Velha, a bordo de seus raros automóveis ou compondo a lotação de “marinetes” fretadas para este fim. Em qualquer dos casos, era sempre uma aventura tomar banho no “oceano”.

Os rapazes usavam uns calções de banho parecidos com as “bermudas” de hoje, com a diferença de que não tinham bolsos. Ninguém ficava de peito nu na praia, de um lado para outro. Era de praxe uma camiseta, que a gente pedia para alguém guardar quando dava vontade de entrar na água.

As moças usavam uma espécie de camisa de força que deixava apenas os membros livres, assim mesmo nem tanto livres. Quando surgiu o maiô de duas peças, foi um acontecimento que estremeceu a cidade, pois ninguém seria capaz de imaginar a possibilidade de tamanho atrevimento.

Depois da praia, almoço. Domingo era dia de galinha, uma galinha só. Era o único momento em que a paz do lar parecia desaparecer, sendo uma família numerosa. Todos nós gostávamos de coração, e galinha só tinha um. Todos nós gostávamos de moela, mas a galinha só tinha um estômago. Esperávamos o mais precioso: o peito, a titela. Mas era costume reservar a titela para o jantar, quando ela seria servida assada.

À tarde, cinema. Sessão das quatro no Guarani, com direito a seriado depois do filme. Picolé no corredor do cinema, xingamentos dos meninos que estavam na “geral”, um poleiro de madeira que havia nos fundos da sala de projeção, quase tocando no teto, quente como o diabo. Eles estavam xingando quem podia chupar picolé. Sempre haverá descontentes no mundo.

Terminada a “janta”, uma volta pela praça Fausto Cardoso, ouvindo a banda da Polícia Militar, vestindo o melhor terno de Panamá, em busca de olhares enamorados, mas já com o pensamento nos deveres da segunda-feira.

Domingo em Aracaju era assim..

Imagens: Praça Fausto Cardoso e Rua João Pessoa,
extraídas de sergipeemfotos.blogspot.com.br

Postagem originária da página do Facebook/MTéSERGIPE, de 27 de junho de 2014.

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