quinta-feira, 19 de junho de 2014

Esperando Angélica


Publicado Originalmente no Facebook/Fan Page/Petrônio Gomes.

Esperando Angélica.
Por Petrônio Gomes.

Ela chegava sempre às cinco horas da tarde e anunciava sua aproximação com um longo apito, intermitente e fanhoso. Porque “Angélica” era uma velha lancha que fazia o transporte dos veranistas retardatários para a Atalaia Nova em dias de sábado.

Seu nome estava escrito na face externa da proa, como em todos os barcos do mundo, mas o seu proprietário só pronunciava “Angerca”, e era assim que todos a conheciam no Iate Clube de quarenta anos passados.

Voltei por lá algumas semanas atrás, depois do almoço, em um desses domingos monótonos que nos convidam a pensar na vida.

Do saudoso Iate Clube que ainda mora em minha lembrança, muito pouco existe, além do feitiço de sua célebre balaustrada, onde colocávamos as cadeiras para falar de tudo, enquanto olhávamos o rio em sua eterna caminhada, ora para um lado, ora para o outro. E parece que sua marcha vagarosa, de enchente ou vazante, influenciava nossa vontade de conversar ou ficar em silêncio...

A primeira lembrança que me surgiu foi a do seu Comodoro inicial, Murilo Dantas, meu contemporâneo de colégio e depois banqueiro, da “Casa Dantas Freire”, um dos homens mais inteligentes que conheci. Posso dizer que foi ele quem me “apresentou” ao Iate Clube, levando-me para percorrer suas dependências, e com que orgulho!

Havia uma particularidade na arquitetura do Clube: de qualquer lugar onde estivéssemos, poderíamos divisar toda a área restante! Quem estivesse, por exemplo, junto àquele mastro em cujo piso foi desenhada a “Rosa dos Ventos”, poderia ver uma criança que se banhava na piscina. Mas não era esta piscina atual a que me refiro. A original era mais uma decoração do que um balneário, e ficava na confluência que veio a marcar a outra parte construída mais tarde.

Onde fica hoje a piscina, construída por Ronaldo Calumby e José Figueiredo, era ontem a quadra onde o futebol de salão dominava a plateia jovem. Hélcio e Hélio eram os astros da época, os irmãos Martins de saudosa memória, de tão prematura partida.

Dorival Caymi, Núbia Lafayete, Miltinho, Chico Buarque, a orquestra de Nelson Ferreira, são alguns que me vêm à lembrança dos que pisaram o pequeno palco improvisado do Iate Clube. Há um fato interessante sobre a orquestra de Nelson Ferreira. Quando ela se apresentou, o comodoro Tennyson Freire estava gripado, em casa. Mas na noite do encerramento, o próprio chefe da orquestra fez questão de ir até sua residência e tocar para ele da calçada...

Lembro-me também de datas tristes, como a do passamento do irmão mais novo de Ronaldo, vítima de afogamento. Uma tarde que parecia não passar nunca, à espera do barco que o traria. Depois, a partida do próprio Ronaldo. E de Thenison, de Paulo Lemos, de Durval Maynart, de Geraldo Rezende, Gentil Tavares, Oviedo Teixeira, Pedro Bastos, Alcebíades, Lucilo Costa Pinto, Odilon Soares de Mello, Leonardo Pires, Carlos Rubens... Sei que faltam muitos ainda, mas consola-me o fato de lembrar apenas os nomes de quem continua vivo em minhas lembranças.

Os tempos eram outros, não havia tantas opções para o lazer como agora. E as pessoas viviam de outro modo, lotavam o clube em dias de corrida de regata ou de barcos a vela. Os navios da Petrobrás diminuíam a marcha quando avistavam o Iate Clube, apitavam e recebiam respostas do lado de cá.

Mas fiquei satisfeito com minha visita. Como disse no princípio, a querida balaustrada ainda está como antes, o próprio retrato do meu querido Iate do passado, nas tardes de sábado, esperando Angélica.

(imagem: sergipeemfotos.blogspot.com.br).

Foto e texto reproduzidos do Facebook/Petrônio Gomes.

Postagem originária da página do Facebook/MTéSERGIPE, de 17 de junho de 2014.

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