sexta-feira, 26 de outubro de 2012

Sergipanidade: Um Conceito em Construção


Sergipanidade: um conceito em construção.
Por Luiz Antônio Barreto

Desde Prado Sampaio, aluno no Recife e discípulo de Tobias Barreto, que entrou no vocabulário sergipano o termo SERGIPANIDADE, ainda que vagamente citado, como um louvor ao fazer cultural sergipano. Décadas depois, José Silvério leite Fontes, professor de história, biógrafo de Jackson de Figueiredo, citou SERGIPANIDADE no contexto da formação de Sergipe. Somente nas últimas duas décadas a SERGIPANIDADE começou a ser tratada como um conceito cultural, capaz de inspirar artistas, escritores, pensadores, qualificando um sério e inarredável compromisso das manifestações da cultura.

É certo que as culturas regionais transitam no acostamento da vida social, sufocadas, quase sempre, pelo domínio hegemônico que a tudo afeta. O povo, contudo, resiste e ao seu modo guarda as manifestações mais autênticas, que são a vida, nem sempre fácil, dos grupos sociais subalternos. Neste mês de junho há como quê uma pausa: é o mês de Tobias Barreto, o maior de todos os sergipanos, em todos os tempos, e é o mês dos festejos juninos, quando um doutor da Igreja – Santo Antônio, um profeta – João Batista e um apóstolo – São Pedro são reunidos, no cenário que guarda antiguidade, e do qual é mostruário o corte do mastro, o pau de sebo, a dança da quadrilha, a culinária de milho e coco, a montagem de um arraial que em tudo lembra a simplicidade ingênua do povo de todas as idades, nas suas conexões atemporais.

A cronologia da linha do tempo exalta a vocação histórica, econômica, cultural de Sergipe, inscrita em episódios marcantes, desde a Catequese de 1575, sob a tutela dos padres jesuítas, que atravessaram a fronteira do rio Real, reunindo em missões as tribos existentes no território sergipano. Os indígenas pareciam receptivos à presença de franceses na foz do rio Sergipe, huguenotes, ou, em extremo, eram atraídos pelos ajuntamentos que a Inquisição, anos mais tarde, denominou Santidades.

A Conquista de 1589/1590 significou o domínio forte dos portugueses, então subordinados a Espanha dos Felipes. São Cristóvão, povoação fundada com fóruns de cidade, evocava o feito cristão da esquadra de Dom João de Áustria em Lepanto, na Grécia, derrotando os sarracenos. A invocação de Nossa Senhora da Vitória para sacramentar a terra conquistada não intimidou os sergipanos, que viram a troca de Nossa Senhora da Vitória por Nossa Senhora do Rosário, que na dialética daquele tempo vinculou negros africanos, escravizados nos engenhos e nas fazendas de gado.

A Inquisição deixou, a partir da Visitação da Bahia, em fins do século XVI, um retrato desobediente dos habitantes do território sergipano. Leituras de textos proibidos, costumes judaicos, liberdade sexual e Santidades são mostruários do grau de independência que os sergipanos queriam conquistar, ainda que enfrentando força poderosa das duas Coroas européias. Colonos e soldados da guerra de 1590 foram recompensados com glebas de terra, doadas em Sesmarias, instituto hereditário que parecia conter, com antecipação, os impulsos dos brasileiros em formação. Lavouras e criatórios tomavam os pastos, inicialmente férteis, porque banhados por rios constantes. Na virada do século Sergipe, segundo registra Diogo de Campos Moreno no seu LIVRO QUE DÁ RAZÃO DO ESTADO DO BRASIL, criava os melhores cavalos do Brasil, com os quais os posseiros substituíam as canoas, ampliando os contatos e organizando comunidades.

Sergipe sobreviveu entre Espanha e Holanda, oferecendo o salitre para o fabrico da pólvora, como queria Portugal, que abastecia seu fogo no comércio holandês. A fábrica de pólvora, na margem do rio São Francisco, não saiu, mas o sentimento de preservação de sua liberdade contribuiu par associar Nossa Senhora do Rosário aos negros, como ainda hoje ocorre. E mais ofereceu: a prata das minas de Itabaiana, de Melchior Dias Moréia, que resistiu até a morte com o segredo que o fez personagem lendário daquele tempo. O entusiasmo do Brasil, da Coroa Portuguesa e de utópicos do mundo velho levaram à criação do Regimento Geral das Minas do Brasil, tendo sua execução confiada à experiência de Dom Rodrigo Castelo Branco, que viveu quatro anos em Itabaiana e serviu ao Brasil ajudando a descobrir ouro, prata e diamantes, fixando em Minas Gerais um povo de riqueza.

As lutas entre portugueses, espanhóis e holandeses repercutiram em Sergipe, já Capitania de sua Majestade o rei de Portugal, cobiçada como um troféu, com sua posição geográfica estratégica, onde sopravam ventos de liberdade. O século XVIII raia vigoroso, com a ousadia do padre Eusébio Dias Laços Lima, que mais do que imprimir “Gazetas Infamantes” distribuía cartas e títulos de nobreza com seus seguidores, declarando em Sergipe e em Alagoas um Principado. Preso, levado a ferros de volta a Portugal, padre Laços inscreve o seu nome no território sergipano, onde dizia ter servido a causa portuguesa, catequisando e aldeando indígenas. Não como fizera o padre Mamiani na aldeia de Tomar do Gerú, vivendo entre os Kiriris e organizando dois livros que são os mais antigos produzidos em Sergipe: a Gramática da Língua kiriri e Catecismo da Doutrina Cristã na Língua Brasilica da Nação Kiriri, editados em Lisboa na última década do século XVII.

A organização do Brasil ocorreu, mais aceleradamente, com a criação das Freguesias, cada uma com seu orago, seus limites, suas terras. Em inquérito respondido pelos vigários das Freguesias sergipanas conhece-se, em detalhes, o estágio de cada uma delas, com as suas qualidades naturais e suas benfeitorias, garantindo a vida social. No final do século XVIII, Sergipe tinha 7 Freguesias que serviram de lastro para o surgimento das vilas e das cidades. É quando se tem notícia das salas de aula, das escolas orientadas pelos jesuítas e depois da expulsão pelos oratorianos. Aparecem os engenhos de fabricar açúcar e as fazendas de engorda de gado. É quando se espalha pelo Brasil os ideais de liberdade, tomando corpo na chamada Inconfidência Mineira. Sergipe, então, produzindo riqueza para as Capitanias de Bahia e Pernambuco, também sonhava com sua liberdade e principalmente com as condições de produzir riqueza para a própria Capitania e seus habitantes.

Dividida entre os partidários da independência e aqueles que queriam manter Sergipe sob o Governo da Bahia, os sergipanos manifestaram, como foi possível, o desejo emancipador, o que ocorreu no dia 8 de julho de 1820. A Bahia, que apoiava a Revolução do Porto, em Portugal, não aceitou a emancipação de Sergipe, prendeu e mandou de volta o Brigadeiro Carlos César Burlamarqui, que havia sido nomeado Governador de Sergipe. A luta continuou, projetando-se na movimentação pela Independência do Brasil, proclamada por Pedro I, filho e herdeiro do rei em 1822, seguindo-se a reunião da Assembleia Constituinte e a outorga da Carta Constitucional de 1824. Sergipe aparece, então, como Província autônoma, livre, emancipada, no conjunto das demais Províncias brasileiras.

A construção do Poder, enfrentando resistências nem sempre aplacadas, fez de Sergipe um lugar de luta pela liberdade, pela prosperidade, valendo-se da inteligência dos seus filhos, Pátria de poetas, juristas, filósofos, Médicos, Militares Sergipe elevou sua participação na vida do País, tanto com seus jornais, suas escolas, suas bibliotecas, como pela bravura dos seus soldados, cobertos de glória no Paraguai, como os irmãos Barão do Rio Apa e Visconde de Maracaju, que ocuparam, em épocas distintas, o Ministério da Guerra. O Visconde foi o último Ministro do Império, o Barão, já na República, foi Ministro do Presidente Floriano da Fonseca. Fosse nos campos de batalha, fossem nos corredores das faculdades, os sergipanos mostraram  a fibra e o caráter com os quais abriu caminho à sua história.

No curso dos fatos, a têmpera sergipana mostrou-se firme no enfrentamento da realidade, mesmo quando certos percalços se abatiam sobre os sergipanos. Com o maior índice de raças combinadas do Brasil, segundo o Censo de 1980, Sergipe nordestinizou-se com os ideários que abraçou: o Tenentismo, em sintonia com militares jovens que defendiam a liberdade, a reação, nas ruas, contra a agressão do submarino alemão U-507, que torpedeou navios mercantes e de passageiros que navegavam pela costa sergipana, demonstrando, exemplarmente, às suas elites a coerência pautada ao longo do tempo. A riqueza dos engenhos e usinas de açúcar, o algodão, o petróleo, o gás natural, os minérios, entraram no cômputo do esforço econômico de Sergipe, em favor da justiça social.

Em cada um dos ângulos de sua história, Sergipe guarda coerência com princípios e valores que resistem no tempo e simbolizam os compromissos, sempre renovados, com os quais aparecem nítidos os traços da sergipanidade. E desse sentimento pode dizer:

SERGIPANIDADE é o conjunto de traços típicos, a manifestação que distingue a identidade dos sergipanos, tornando-o diferente dos demais brasileiros, embora preservando as raízes da história comum. A SERGIPANIDADE inspira condutas e renova compromissos, na representação simbólica da relação dos sergipanos com a terra, e especialmente com a cultura, e tudo o que ela representa como mostruário da experiência e da sensibilidade.

Cada povo, situado no ambiente da sobrevivência – recorrência universal da vida humana – cria sua perspectiva, muitas vezes utópica, de futuro, adota suas crenças, incorpora seus valores, constrói seus caminhos, elabora modos de viver e de compreender a realidade, produz a sua própria história.

Além da língua, as sociedades têm pontos de contato que prevalecem nas relações internas das pessoas. A história, monitorada eticamente, e a cultura, universalizada pelas contribuições externas, agem na formação do povo e alimentam a identidade social.

A terra, com toda a noção de natureza que nela comporta, demarca a presença do povo, sua convivência ambiental, ecológica, produtiva, com seus recursos postos na partilha dos mesmos interesses.

Herdeiros de uma pequena faixa de terra litorânea, irrigada até o interior pelos rios da história do Brasil – São Francisco, Cotingüiba, Sergipe, Vaza-barrís, Piauí e Real -, aptos ao trabalho, criativos e inovadores no domínio do conhecimento, os sergipanos compõem um povo que fez da luta o caminho de sua afirmação, e renova, a cada dia, a cada episódio de sua trajetória, a mesma lição em defesa da liberdade contra todos os tipos de opressão, do direito como instrumento contra os privilégios, da prosperidade para evitar a indignidade da vida, da justiça para conter as hegemonias.

Forma-se, então, a consciência pedagógica para viver o comum, fortalecendo as fronteiras da identidade própria. É com esta noção de SERGIPANIDADE, como atitude tanto individual quanto coletiva, que devem florescer as manifestações artísticas, as contribuições lúdicas, fazeres e saberes, usos e práticas circulantes a serem incorporadas pela aceitação, para serem consagradas e renovadas.

Foto e texto reproduzidos do site e-sergipe.com

Postagem original na página do Facebook/Minha Terra é SERGIPE, em 16 de Março de 2012.

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