Cultura s.f. 1. Acervo intelectual e espiritual. 2. Conjunto
de conhecimentos adquiridos; instrução, saber. 3. Conhecimentos em um domínio
particular. 4. Conjunto de estruturas sociais, religiosas, etc., de
manifestações intelectuais, artísticas, etc., que caracterizam uma sociedade.
(Larousse, p. 262, 2001)
“literatura” é arte que tem por matéria prima a palavra, e
utilizando-se de técnicas faz-se da palavra um instrumento poderoso na
construção do que se pretende - recriar a realidade.
A poesia está nesse contexto literário, pois, entende-se por
poesia uma obra literária em versos, ou seja:
Poesia s.f. (gr. Poieses, criação), 1. Forma de expressão
lingüística destinada a evocar sensações, impressões e emoções por meio da
união de sons, ritmos e harmonia, geralmente em versos. (Larousse, p. 777,
2001)
João Silva Franco. Negro, quase dois metros de altura, teve
a vida marcada pelo sobrenome postiço. Profissionalizou-se como sapateiro,
remendando o couro, trocando o salto, pondo meia sola nos sapatos da população.
Discreto, mas de boa conversa, o sapateiro exibia na sua oficina de trabalho,
folhas de papel pautado, repletas de palavras escritas em letras de forma,
fixadas nas paredes e nos poucos móveis do seu canto laboral. Eram trovas,
pequenos e longos poemas, que surpreendiam a freguesia. João Silva Franco
passou a ser conhecido como João Sapateiro, e reconhecido como o sapateiro
poeta.
Vimos um pouco da biografia deste autor. Com isso pudemos
refletir como este homem, sem condições (em se tratando de condições
financeiras) conseguiu produzir tantas poesias em meio à correria da vida de
trabalhador e chefe de família. Sendo, portanto, um vencedor, um exemplo de
persistência, de amor a arte.
Pesquisando as expressões culturais de Sergipe, vimos que é
de uma grandeza relevante, visto que somos o menor Estado da Federação.
Pesquisamos e vimos a literatura folclórica, com seus versos, cordéis, cantoria
de improviso, as lendas, os mitos, adivinhações, contos, nomes de famosos como
Tobias Barreto, Silvio Romero, enfim, vários nomes, várias manifestações, mas
de tudo que pesquisamos, nada, ou quase nada encontramos para situar o nosso
poeta João Sapateiro nessa cultura. Subtende-se que este modesto e brilhante
poeta não foi reconhecido o suficiente para ter seu nome estampado em livros,
situando-o como pertencente à cultura de elite ou popular. Restando o
questionamento: Suas poesias são consideradas literatura? Lembrando que
“literatura” é arte que tem por matéria prima a palavra, e utilizando-se de
técnicas faz-se da palavra um instrumento poderoso na construção do que se
pretende - recriar a realidade.
Separamos, para análise reflexiva, o poema abaixo, a fim de
entendermos o fundamento das produções de João Sapateiro. Este que reproduziu
em seus trabalhos, seus sentimentos, suas ideologias. Sendo, portanto, um
brilhante poeta, ainda que não reconhecido no meio literário.
Cântico
Aos Laranjeirenses
Minha terna Laranjeiras,
Terra das lindas palmeiras,
Adoro tudo que é teu;
Admiro os belos prados,
E adoro os lindos trinados,
Das aves que Deus te deu.
O teu passado eu bendigo,
E adoro o “Bom gosto” amigo,
Aonde vou me banhar;
Adoro a meiga corrente
Que canta canção dolente
Andando em busca do mar.
Adoro a tua Matriz,
Aonde a velhinha feliz
Vai rezar o seu rosário;
Amo o teu belo Cruzeiro
Que lá no cimo do outeiro
Nos lembra o Monte Calvário.
Amo a tua marujada,
E adoro a Pedra Furada,
Que nos encanta e fascina!
Gosto da policromia
E da coreografia
Da Taieira de “Bilina”.
Amo os sinos maviosos
E os teus jardins olorosos
Que te dão tanta beleza!
Amo as igrejas dos montes,
Amo as tuas velhas pontes
Que fazem lembrar Veneza.
Admiro o candomblé,
E o zabumba do José,
Torrentes de poesia!
Amo a face angustiada,
Da imagem cobiçada
Do Senhor da Pedra Fria.
Admiro a Matriana,
Aonde em fins de semana
O povo vai repousar;
E adoro o Barro Vermelho,
Que fez do rio um espelho
Onde vive a se mirar.
Eu gosto dos Penitentes
Que contritos, reverentes,
Rezam por todos do além.
- E é com orgulho que falo
Na dança de São Gonçalo,
Que nos encanta e faz bem.
Eu adoro as procissões
Que povos de outros rincões
Não deixam de acompanhar;
E os teus velórios cantados
Que nos deixam encantados
Esquecidos de chorar.
Amo ao Samba de Tropelo,
Coco, Forró e Martelo,
Bacamarte e Batalhão;
E as tuas garotas belas,
Cantando trovas singelas
Nas rodas de São João.
Amo a vista deslumbrante,
E a brisa acariciante
Do morro de Bom Jesus;
O Serra-Velho, dioso,
E o mês de doloroso,
Que aos namorados seduz.
Adoro o teu céu de anil,
Amo o teu povo gentil,
Amo tudo que é de ti;
Eu amo os tamarindeiros
Eu amo os velhos coqueiros
Onde canta o bem-te-vi.
Admiro os Caboclinhos,
E os Negros do Rei Raminho,
Lamentando o cativeiro;
E a cantoria bonita
Da turma de João de Pita,
No dia seis de janeiro.
Adoro os velhos sobrados,
Aonde em tempos passados
Se cultivava o lirismo;
E os bancos da Conceição,
Onde sentou-se a paixão
No tempo do romantismo.
Adoro a rua Direita,
Porque quanto mais se ajeita,
Fica bem mais sinuosa;
E o Alto do Xavier
Que mostra pra quem quiser,
O quanto és majestosa!
Minh’alma também é louca
Por ti, cidade barroca,
Residência do saber;
Terra de João Ribeiro,
Meu amor é verdadeiro,
E te adoro até morrer!.
Percebe-se que o poema “Cântico aos Laranjeirenses” trata-se
de um poema laudatório, que João, filho adotivo da cidade de laranjeiras,
produziu enaltecendo sua terra querida.
João inicia os versos exaltando a terra de lindas palmeiras,
com belos campos e aves mandadas por Deus. Ele fala da Igreja Matriz com seu
belo cruzeiro, que o faz lembrar o Monte Calvário, das manifestações artísticas
– a taieira, o candomblé, a dança de São Gonçalo; expressa ainda seu carinho
pelo rio com seu barro vermelho que vivia a mirar, pelo povo daquela terra-
povo gentil, os prédios antigos com sua beleza lírica encravada em sua
história. Enfim, João expressa em cada verso seu amor pela terra que o acolheu,
e em gratidão o tornou um filho ilustre.
Finalizando este singelo trabalho, temos então o conhecimento
de que cultura, ou manifestações artísticas, são inerentes à prática social,
não havendo sociedade, portanto, que não às manifeste. Sendo, portanto, um
elemento necessário para a efetivação da expressão humana. E que poesia é uma
arte literária em forma de versos que tem como objetivo expressar e evocar
sensações, emoções. Conhecemos, ainda, um pouco deste ilustre sergipano - João
Silva Franco - que com sua arte compôs muitos poemas em meio à sua rotina de
sapateiro, utilizando-se da arte para expressa-se e manifestar seus mais
profundos desejos e pensamentos acerca de diversos temas. Podemos então
concluir que este sergipano, adotado por uma cidade rica em cultura, soube
aproveitar cada elemento a ele oferecido transformando em arte e revelando-se
através de suas poesias. Podemos, então, responder ao questionamento proposto
anteriormente: Suas poesias são consideradas texto poético? Ou apenas um
trovador que compunha ao exercer seu ofício de sapateiro?
As poesias de João são consideradas parte da cultura popular
sergipana. Embora não tenha se tornado um nome famoso entre os nomes de
literários como Silvio Romero, Tobias Barreto, Hermes Fontes, sua poesia é de
grande importância para a consolidação de nossa cultura. A exemplo desse
reconhecimento lembremos que seu nome foi o escolhido para estampar o I Prêmio
de Poesia Popular João Sapateiro em 2009.
*Foto da ilustração e texto reproduzidos do blog
culturasergipana.blogspot
Postagem original na página do Facebook/Minha Terra é SERGIPE, em 28 de Outubro de 2012.
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