Freire Ribeiro, crayon de Florival Santos, SD. Acervo do MHS.
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BIOGRAFIA DE FREIRE RIBEIRO
por Urbano Neto
Por menos modesto que pretenda ser, não consigo obviar a dificuldade de
condicionar a contingência do efêmero representado pelo espaço da via da pessoa
humana com o eterno da personalidade resultante dos grandes méritos daqueles
que se constituem paradigmas das relações que os sucedem.
Maior se torna ainda a minha dificuldade quando considero que o vulto que me
cumpre enfocar é o de um dos meus mais queridos amigos há pouco desaparecido,
por cuja memória me assistem especiais razões de velar.
Freire! Diz-me o coração que estás a ouvir-me. Os retratos das personagens que
se distinguiram no meio em que viveram exigem sempre o talento de artistas
notáveis e um rico emolduramento. E eu tudo o que tenho para isso é um coração
cheio de saudade. Perdoa-me, pois, a imperfeição das minhas pinceladas e, como
aquela indulgência que nunca te faltou, considera somente o afeto que sempre
tiveste da minha parte, agora convertido em zelo pela tua glorificação.
Freire Ribeiro nasceu poeta, viveu como poeta e da Poesia e como poeta morreu.
As últimas palavras que pronunciou e que foram recolhidas pelo seu dileto amigo
Antonio Carlos Vasconcelos que lhe assistiu ao trespasse, atestam a
sensibilidade de um poeta: "Adeuses...Saudades..."
"Meu filho nasceu poeta", disse-me D. Dina "como comumente fazem
as mães, eu, aproveitando a precocidade dele, cedo lhe ensinei as primeiras
orações. Juntava-lhe as mãos e dizíamos ambos a "Ave Maria".
"Logo que termináva-mos, ele, dentro do berço abria os braços e, na
estridência de sua vozinha infantil, cantava com certa ênfase:
"Sou Poeta, hei de ser
Poeta até morrer!.
Em uma dessas vezes o avô José Freire, estando presente exclamou: " E este
pirralho não me sai mesmo um poeta!".
Freire teria de ser mesmo um poeta.
Foi para isso predestinado. A natureza recebeu-o em festa, com as condições
adequadas ao arrebol de um esteta.
Nasceu na época mais bela do ano! Tinham passado já as chuvas do inverno de
1911. Os caminhos já enxutos ainda não originavam as nuvens de poeira do estio
tão comprometedoras da limpidez da atmosfera e as folhas novas ainda podiam
brilhar na sua repousante verdura.
Vinha chegando a primavera com todo os seus encantos.
Na folhagem que vestia o relevo orográfico que limita ao norte a cidade do
Aracaju o verde brilhava em todas as gamas numa sinfonia em tom-sobre-tom, de
vez em quando interrompida pela áurea floração dos ipês.
Cantavam as aves e as cigarras.
Ao sopé da montanha, entre velhas árvores, jasmineiros e outras plantas, como o
odorífero resedá de procedência oriental, um antigo casarão do século passado
reverberava em suas paredes brancas os primeiros raios do sol que despontava
nessa manhã de 4 de setembro.
Foi então que ai nasceu o primeiro fruto da feliz união do casal José Augusto
Ribeiro e sua esposa D. Erundina Freire Ribeiro. O venturoso papai Ribeiro
talvez tenha exclamado como o sacerdote Zacarias quando lhe nasceu o Batista:
"João será o seu nome".
Freire e o sol nasceram juntos. Este mesmo sol que doira os areiais do Saara e
enche de luz a paisagem tropical da Cotinguiba não poderia faltar na recepção
do poeta que teria de viver marcado pelo seu fascínio.
O vovô José Freire, que estava presente, delicado poeta que também foi, e teria
de se constituir numa das mais enternecidas afeições do recém-nascido,
deixou-nos do fato o seguinte registro:
"A aurora surgiu esplendorosa
E a passarada cantava de alegria;
Dir-se-ia ver-se linda rosa
Dizer a outra rosa, é hoje o dia!".
Alguns dias após o nascimento foi o menino levado à pia batismal pelo avô
materno o Dr. José Freire da Costa Pinto, que lhe serviu de padrinho na vetusta
matriz de Nossa Senhora do Socorro da Cotinguiba e teve como madrinha Nossa
Senhora do Socorro.
Foi registrado no cartório, aqui, no Aracaju, com o nome de João Freire
Ribeiro.
SUA INFÂNCIA
Os seus primeiros anos passou o garoto entre o sitio S. José, onde nascera no
bairro Industrial, ainda em formação e a fazenda Merém, no município do
Socorro, propriedade do avô e padrinho, sempre pródigo em carinho com o neto,
que ficou conhecido como Joãozinho do Merém.
No Merém a crioula Rosa ? Rosa do Merém, foi para o Joãozinho uma segunda mãe,
que o fazia dormir ao som de velhas xácaras. No seu colo o menino ouvia
embevecido as populares estórias de trancoso, tendo assim o primeiro contacto
com o "folclore".
Rosa do Merém ficou por toda a vida nas enternecidas recordações do seu
Joãozinho, a que carinhosamente ninara e de quem recebeu a homenagem de
comovidos poemas.
Não bastavam porém as estórias da doce mãe preta. O vivaz garoto queria sempre
mais. O vovô José Freire teve de obrigar-se à suplementação. Passou então a
socorrer-se da fomosa coleção das "Mil e uma Noites", responsável,
por certo predomínio tão acentuado do orientalismo em suas composições. Os
brincos infantis, os banhos nos olhos d?água na vizinha Ibura, o bucolismo do
meio, as chaminés fumegantes e os esmeraldinos canaviais dos engenhos
adjacentes e todos os motivos de encantamento que o meio rural pode oferecer
entraram e ficaram no coração do menino, perenizando-lhe na alma o Merém.
A inteligência precoce entrou a reclamar cedo as luzes do alfabeto. Em casa
mesmo tomou conhecimento com as letras.
A primeira escola formal do vivaz petiz foi, porém, a da Professora Maria
Prado, há pouco falecida, que assim sobreviveu ao aluno.
Depois da aprendizagem com D. Maria Prado, que foi mestra solícita, foi o
Joãozinho matriculado no Grêmio escolar. Do Dr. Evangelino de Faro. Neste
Educnadário teve como Professora Cecinha Melo. Esta logo se apercebeu da
inteligência do aluno, gosto pela declamação, canto e tudo mais que pudesse
conter beleza.
Posteriormente o João Freire Ribeiro tornou-se aluno do Colégio Salesiano,
naquela época áurea da direção do Padre Dr. José Selva, exímio cantor, que
depois foi bispo em Mato Grosso. O jovem estudante aí encontrou boas
oportunidades em representações teatrais, canto, festas e coisas mais que
recebiam condimentos de beleza. A rigidez da disciplina e a aridez de certas
matérias do curso começaram a produzir-lhe certo desagrado. O rendimento
escolar passou a não ser o desejado pelo pai, José Augusto Ribeiro, homem
prático, que não era dado a sonhos infantis. Desejava ver seu filho bem
plantado na sociedade, como médico, advogado ou comerciante como ele. O João,
entretanto, não mostrava nenhum interesse por essas coisas. Lia, mas não as
matérias curriculares que pareciam insípidas; procurava apenas o que lhe
apetecia, o que lhe parecia belo, o que lhe agradava.
A esse tempo, certamente já conduzido pela inspiração poética, começou a
namorar. Isto ele fazia com todo gosto. Namorava louras e morenas, aqui ou no
Socorro, em qual quer lugar onde encontrasse um palminho de cara de seu agrado.
Tal gênero de doce ocupação, com prejuízo das coisas práticas não poderia de
modo nenhum ser tolerado por José Ribeiro que não queria ver o seu Joãozinho
erigido de D. Juan. Resolveu, pois transferi-lo para o Colégio Salesiano do
Recife. Pouco tempo se demorou na Veneza Brasileira o estudante romântico, que,
saudoso de certa jovem que deixara na Barbosápolis, fugiu para cá. Não
conformado, o zeloso pai resolveu então encaminhá-lo para o Rio de Janeiro, de
onde, certamente, não poderia fugir tão facilmente. O devaneio do foi, no
entanto, mais forte. Cera vez, disfarçado em aleijado, penetrou no porão de um
"Ita" que estava de saída para Aracaju e aqui aportou em viagem
romanesca.
Depois de tais insucessos, não se animou o desenganado pai em insistir se
consagrasse o filho a Minerva e tratou de conduzi-lo a Mercúrio. Assim
resolvido. Levou José Ribeiro o João a trabalhar no balcão da loja de tecidos
que tinha em sociedade com Gervásio Souza. Mas o que?! O rapaz todo devotado às
coisas da estética, não nascera mesmo para ocupações que lhe pareciam tão
prosaicas. O desajeitado comerciário só mostrava à freguesia aquilo que mais
poderia desencorajá-la no negócio.
Desiludido José Augusto Ribeiro de vê-lo trilhar os caminhos que conduzem à
fortuna, nada lhe restou senão a conformação com o que determinaram os fados.
João passou então a dar-se livre e integralmente aos misteres da arte.
Todavia, sempre rebelde, nunca se subordinou a qualquer outra orientação senão
àquelas que lhe ditavam as musas de sua inspiração. Os seus compromissos em
matéria de arte passaram a ser somente com a estética na maneira ou forma por
ele concebida.
O HOMEM E SUA ALMA
Freire Ribeiro conteve em si um cérebro possante e um imenso coração. Nunca se
sentiu ameaçado pelas vitórias de quem quer que fosse; invejar era um verbo que
não sabia conjugar na voz ativa. Encorajava sempre os outros com palavras de
ânimo e preciosas sugestões.
Como a cigarra da fábula, empregava todo o seu tempo e seu talento no culto da
arte. Pouco se lembrava do cuidado com as indeclináveis necessidades materiais.
Sentiu por isso mesmo e com alguma freqüência, agressivas dificuldades
cuidadosamente ocultadas aos amigos, aos quais não desejava incomodar. Por
vezes aconteceu chegarem inopinadamente para o almoço ou para o jantar amigos
de outras partes, de passagem por Aracaju, quando em casa, não existia mais que
necessário ao casal. Isso custava a Inah certos esforços de inteligência e a
recorrer à sogra, sempre solícita. Nada entretanto fazia o Freire perder a
atividade franca e generosamente acolhedora.
Foi, não há dúvida, uma alma inteiramente dominada pela bondade.
SUAS RELAÇÕES COM DEUS
Freire foi batizado, como foi dito, tendo por madrinha N. S. do Socorro, por
quem guardou toda a vida uma eterna devoção de fundo sentimental.
Sua mãe, pessoa piedosa, como já vimos, o iniciou nas coisas da fé. Seu pai
teve a preocupação de escolher para ele escolas onde a formação religiosa não
era descurada.
No decorrer dos tempos o catolicismo que lhe ensinaram foi-se mesclando de
influências outras. Materialista nunca foi e invocava a proteção de Nossa
Senhora, sua madrinha e também os espíritos dos mortos, o que ao católico é
vedado fazer. Lia a Bíblia, lia tudo que lhe caísse nas mãos, inclusive o
"Corão", certamente por exigências do orientalismo que o empolgava.
Foi, de certo, um cristão, um espiritualista e, antes de tudo um bom.
Sem nenhuma suspeição, Antonio Carlos Vasconcelos deu-nos dos últimos momentos
do poeta, que tanta amizade lhe merecia, o seguinte depimento.
"Ele em conversa já me vinha dizendo que daquele estado não sairia mais, e
só pedia a Deus apenas uma boa hora. Dizia ainda, conhecedor da minha bolorenta
descrença quanto à existência de um outro mundo, que um dia lá nos
encontraríamos, que estava certo de que uma outra vida há, que um outro mundo
existe e que mais tarde eu iria compreender isso melhor e já acreditava que eu
já me encontrasse na estrada de Damasco".
NOS PÁRAMOS DO AMOR
Amor e poesia são como que irmãos siameses.
Nos salmos, a produção poética mais antiga que se conhece, entramos o amor, o
amor de Javé ? Deus verdadeiro. Posteriormente cantaram outros o amor pagão, o
amor na mitologia. No Cristianismo, então, os poetas encontraram no amor a
grande fonte de inspiração. Nos primórdios da Igreja, no Oriente e no Ocidente,
e em todos os tempos até os atuais, poetas têm celebrado o amor. Aliás bastaria
citar Dante.
A antítese do amor ? o ódio ? é que não se compadece com a poesia.
Freire Ribeiro amou muito. Amou tanto quanto lhe permitiu o imenso coração.
O amor está em tudo na produção de Freire Ribeiro.
Há o amor de Deus o amor da natureza, o amor da humanidade, da nossa gente, das
nossas tradições, da nossa Pátria.
"Curral", verdadeiro poema, é bem uma página do amor à humanidade.
Na parte votada a Vênus, onde não pretendemos penetrar fundamente, pode-se
aludir aos que inspiraram as primeiras trovas, os namoricos que o levaram às
aventuras românticas das fugidas de que falamos, a um romance que não passou do
noivado e o que a este se seguiu, levando-o ao casamento.
No primeiro noivado não houve plena aceitação por parte dos pais dos dois
namorados. Terminou vencendo o espírito prático dos genitores, que não viam no
noivado sonhador as necessárias condições materiais.
E quando Freire encontra uma jovem graciosa de tez morena e olhos amendoados,
um tipo perfeito de indiana. A paixão orientalista do poeta foi então atingida
com forte impacto.
Até aí somente o físico da morena impunha as suas impressões. As demais
qualidades, conquanto preciosas, somente depois seriam conhecidas. Mas, mesmo
assim, o árabe sergipano investiu. É desta fase, quando o poeta não tinha
atingido ainda a plenitude, o soneto que se segue:
Não te posse esquecer um só memento
E o nome teu meu coração invade
Delícia do meu ser e meu tormento,
Minha lua de amor e de saudade.
Um palácio ducal de cedro e jade
Atapetado pelo sentimento
Comparo a um coração na soledade
Que alguém aguarda em rútilo momento.
Esse alguém, meu amor, és tu somente
Moreno lírio de sharão dolente
Aberto à luz crepuscular dorida.
Iris do Egito que desejo peto
Do meu oásis do amor, no meu deserto,
Esfinge de Giseh da minha vida!
A jovem, que o sabia noivo, resistiu prudentemente, mas terminou cedendo.
Noivaram, casaram-se e isso foi o grande acerto da vida do João. Inah foi como
que uma esposa encomendada sob media para ele. Soube conhecê-lo, soube
compreendê-lo, perdoá-lo e amá-lo.
Disse-me ela há alguns dias: "Quando Freire encontrava qualquer tipo de
mulher com a tez crestada pelo sol do levante, uma cigana que fosse, não
conseguia dissimular bem o interesse que a mesma lhe suscitava. A princípio eu
também não escondia o meu desagrado, mas depois, compreendendo que aquilo não
passava de devaneios de poeta, dizia-lhe qualquer pilhéria e seguíamos em
frente".
Vezes outras. Que não foram poucas, mesmo sem encontrar ninguém, o poeta, com a
sua imaginação fantástica, criava um tipo qualquer envolto num sári, uma
odalisca, uma gitana e imaginava-se com ela sobre um tapete persa e sob a tênue
claridade de uma lua em crescente ou então num Albornoz estendido à sombra de
uma tamareira de hipotético oásis.
Essas auto estimulações despertavam-lhe o estro. Pegava a lira e dela arrancava
sons como estes:
Vens a mim, vou a ti, nos abraçamos
Num supremo silêncio indefinido!...
Com o corpo meu ao corpo teu unido,
Fauno e ninfa do amor no amor gozamos.
Além da terra, além de nós pairamos
Depois do holocausto consumido!...
Teu lindo olhar no meu olhar perdio,
Nossos dois corpos que num só juntamos!...
Num sonho excelso tens carinho e anseios...
Beijo teus lábios, teus divinos seios
No desejo pagão que nos renova
Empalideces no gozar supremo,
Tendo na face no deliro extremo,
A palidez astral da lua nova!...
Contou-me ainda Inah que, em certo dia, iam ela e Freire pela rua João Pessoa,
quando se encontraram com notável declamadora que esta de passagem por Aracaju.
"Naquele tempo o ósculo não tinha em nosso meio tão largo uso como
acontece atualmente, os dois devotos das musas trocaram na ocasião muitos beijos
e abraços efusivos. A indulgente esposa de parte assistia a esses transportes
de afeto. Disto apercebendo-se a talentosa intérprete, entro em explicações.
Inah, com um sorriso amável, mas certamente, com uma pontinha de malicia, disse
sem perder a classe: " Eu compreendo muito bem a vocês poetas".
Tal compreensão que, de fato, existia em grau integral era, pelo Freire,
retribuída com um intenso amor engrandecido pelo reconhecimento e admiração.
Estimava sempre a companhia da esposa querida em qualquer lugar para onde
fosse.
NO SERVIÇO DAS MUSAS
Desde os primórdios da literatura sergipana quando apareceram na Estância os
nossos primeiros poetas, apreciável número de primorosos cantores têm surgido
em nosso meio.
No século em que nos encontramos, considerando-se apenas os falecidos que aqui
tenham vivido ou, pelo menos passando na terra berço a maior parte da
existência, ressaltam quatro grandes nomes que vão citados na ordem dos
respectivos nascimentos:
João Pereira Barreto
Antonio Garcia Rosa
João dos Passos Cabral
João Freire Ribeiro
Pereira Barreto, que no Rio de Janeiro fazia parte do grupo dos grandes poetas
nacionais Olavo Bilac, Raimundo Correia Guimarães Passos, Alberto de Oliveira,
Emilio de Menezes e outros, tornou-se bem conhecido. "Maria, sua inspirada
composição, logrou no país a mais larga divulgação no começo deste século.
Autor de vários livros, nem todos publicados, o "Selvas e Céus"
motivou consagradores elogios de Guerra Junqueiro na época do seu lançamento.
Passou no ano findo o centenário do seu nascimento.
Garcia Rosa, o delicioso lírico, um dos mais notáveis Brasil tem produzido,
cujo nome venceu a resistência de uma modéstia sem limites. Por ação própria
nunca teria saído de casulo em que voluntariamente se enclausurara na colina de
Santo Antonio; foi preciso que Jackson de Figueiredo projetasse no mundo
literário as jóias filigranadas do delicadíssimo poeta.
Finalmente, os dois mais novos: Passos Cabral e Freire Ribeiro.
Passos Cabral o introvertido, Freire Ribeiro o extrovertido.
João Cabral, como era conhecido em nosso meio, submetendo a delicadeza da
inspiração ao rigorismo de uma forma impecável. Freire Ribeiro deixando
explodir aos borbotões na liberdade da inspiração pujante a grandiosidade de um
extraordinário talento poético.
O primeiro se esmerando-se na doçura da sensibilidade de um Garcia Rosa, - o
outro se empolgando nos arrebatamentos esplendorosos de Fausto Cardoso.
Ambos tendo por fulcro a constante devoção à beleza e à verdade.
Freire Ribeiro foi indubitavelmente devoção à beleza e à verdade.
Freire Ribeiro foi indubitavelmente um dos nossos maiores poetas. Poeta de ação
ampla, o seu registro vai da poesia em prosa com nos atesta "Curral",
verdadeiro poema sem metro e sem rima. Passando pelo verso branco e pela trova,
chegando aas alturas das formas mais delicadas do verso parnasiano.
Sempre lírico e romântico, em muitos casos realista, a beleza era porém o seu
verdadeiro objetivo. O seu grande compromisso era com a estética e como ele a
concebia.
Os seus versos, sempre de metro perfeito e pontuados com felicidade deslizam,
quando declamados, numa fluência admirável, numa perfeição rítmica em que se
produz uma maviosidade verdadeiramente musical.
A sua produção poética de uma excelente qualidade, afigura-se-me um altiplano
de cota de nível bem elevada em que as depressões sejam raras e pouco
sensíveis. Quem pretender apontar o melhor poema nas páginas de
"Sahara" ou de "Ramadã" terá muita dificuldade nessa
escolha. Terá naturalmente de proceder de acordo com o próprio gosto. Eu, por
exemplo, tenho as minha inclinações voltadas para "Salomé", sem
contudo deixar de me entusiasmar com as demais gemas contidas nestes escrínios.
O próprio poeta que dava às suas produções sob motivos orientais especial
estima, não raro escolhia "Pepita Tangil" quando chamado a declamar.
Como declamador Freire Ribeiro era de fato impressionante.
A voz forte, de timbre sonoro e claro era suave, e melíflua quando se fazia
mister. A impostação de voz não chegava a ser recurso necessário para ele. Com
fôlego amplo e expressiva gesticulação desferia o verso nas melhores condições
para ser ouvido e entendido.
Foi poeta em todos os sentidos!
Melhor do que eu poderão dizer os seus irmãos na arte:
Núbia Marques escreveu:
Freire Ribeiro foi o exuberante poeta dos desérticos cantares. Poeta sem
escola, traçando um rumo que vai da trova ao poema do verso banco, do ritmo
largo e livre ao policiado soneto onde não faltam; a sensualidade parnasiana e
o arcanjo simbolismo da alvura. Um misto de Bilac e Cruz e Souza, nas ardentes
areias do Saara. Beduína, soneto do livro Sahara, é bem o exemplo do que
afirmo:
Entro no teu amor: empalideces...
Vibra teu corpo em mármore talhado
E, no sonho da carne, no pecado
Sobre tapetes, lânguida, estremeces!
Tonta de gozo toda te enlanguesces ...
Teu níveo corpo, - lírio profanado,
Tanto mais belo quanto mais amado,
Extasiada e louca me ofereces!
A aurora surge e a noite agonizante
Vem expirar na tenda deslumbrante
Dessa noite que tens no teu cabelo!
Poeta foi e viveu de poesia. Parece estranho afirmar-se isto, mas a verdade é
que Freire Ribeiro trabalhou por acaso, exerceu cargos públicos para simples
ganha pão e político foi por acidente. Na verdade o verso no soneto foi o seu
trabalhar diário e a poesia era o verbo da sua conjugação".
Santo Sousa, dá-nos o magnífico depoimento que se segue:
"pela sua dimensão poética, pela grandeza da sua imaginação; pelo seu
prodigioso talento criador, Freire Ribeiro se inscreve na pauta daqueles que
conseguiram construir uma obra capaz de invalidar o poder destruidor do tempo e
permanecer vivo, como um colosso de invejável perenidade.
Para mim, é de secundário interesse Freire Ribeiro cantando o Aracaju de sua
infância ou as perplexidades do nosso passado colorido de negro, engenhos e
canaviais. O que permanece nele é aquela inspiração tocada de infinito e
eternidade, porque isto representa uma espécie de fidelidade ontológica, raiz
que se nutriu da seiva do seu chão de origem, se acreditarmos que a origem do
homem se firma na pedra basilar da Criação como um todo indivisível, cujo
artífice é Deus, o Geômetra do Universo. E como páginas ilustrativas desta
minha tese, aqui transcrevo, para confronto de sua postura filosófica, dois
poemas escritos em épocas distintas: o primeiro, publicado em 1932; o segundo
em 1962. Ouçamo-los:
Quando Eunali chegou, entre nuvens doiradas,
Minh?alma descantou em poema divino,
E sondando o azul, as estranhas veladas,
Eu li na minha vida um sidéreo destino.
Quando Eunali chegou, alviçareiro sino
Cantou na catedral das mais sublimes fadas,
E um raio de luz, um sinal sibilino,
Revelou à minh?alma as visões mais sagradas.
Quando Eunali chegou, os pálidos luares
Dos olhos tristes seus, dulcíficos olhares,
Guiaram do meu estro a branca nau perdida,
E dentre as mágoas sutis de um passado já morto.
Libertado senti, de candura absorto,
Meu pobre coração a sorrir para a vida.
Estes versos foram publicados quando Freire tinha apenas vinte e um anos e
talvez alguém os identifique como produto da imaginação de um jovem afeiçoado à
leitura de livros Téosóficos ou coisa que o valha, a respeito da reencarnação e
outros valores espirituais. Não discuto a validade ou do julgamento. Mas o que
me fascina é a sua fidelidade ao perene conceito de eternidade e infinito,
substância primeira e indiscutível de seu pensamento criador. Tenho certeza de
que Freire Ribeiro era um adepto da teoria da transmigração das almas, como
acreditavam Sócrates, Pitágoras e outros pensadores, e vejo que toda a sua obra
ressuda esse cheiro da raiz da vida universal e suas mutações. Ele próprio se
me permitem, parece ter sido um eterno caminhante nessa viagem interminável
pelas estradas da existência humana. E é assim que, 30 anos depois, e como uma
reafirmação da minha tese, o Poeta volta a falar em fatos da sua anterior
passagem por estes estranhos caminhos...
E ele quem nos diz:
Visões de meu viver nessas minhas passadas
No Saara sem fim!... Em linhas soberanas
Teu místico perfil, lírio das caravanas
De Tunis e de Fez, nas longas caminhadas!...
Doces recordações de mil coisas amadas:
Fumos de narguilés, nostalgias ciganas!...
Canções de sonho e dor só para mim cantadas
Nos mistérios sem par das noites muçulmanas!...
O gritar para o céu do muezim em prece...
Rosa rubra a sangrar, teu coração padece,
Recordado o amor que o mundo vil desfez! ...
Velam o sol a morrer nuvens de áureos flocos:
Com saudade de ti, langue flor de Marrocos,
Minh?alma vai chorar na paz de Mequinez.
Clodoaldo de Alencar, poeta de fina estirpe, íntimo amigo de Freire Ribeiro,
escreveu:
"Profunda afinidade estilística, entre Malba Than e J. Freire Ribeiro
irmanou estes dois escritores originais. O primeiro, orientalista da prosa e o
segundo, do verso lírico e polímétrico. Ninguém melhor, na língua portuguesa
descreveu as grandes caravanas e as linhas princesas de seu tempo, adorando-se
à sombra dos oásis milagrosos do deserto do Saara. Acredito, mesmo que, somente
um lapso histórico levou Malba Tahan a deixar de ingressar na Academia
Brasileira de Letras. Sergipe, nesse ponto, foi mais justo que o maior e mais
luminoso cenáculo literário do país: homenageou J. Freire Ribeiro,
imortalizando-o".
José Olino opina da seguinte forma:
Apesar de a poesia moderna não apresentar nenhuma exigência técnica, pondo-se
assim ao alcance de todos, alguns poetas têm feito questão de mostrar que
conhecem as regras, demonstrando ao mesmo tempo que a perfeição não é
compatível com a correção. Sendo o soneto a mais exigente das formas poéticas,
não faltam exemplos tecnicamente perfeitos em nossa terra, bastando citar os
poetas vivos ou recentemente falecidos, como João Freire Ribeiro, Silva Ribeiro
Filho, João Pires Wynne, José Gois Duarte, Severino Uchoa, Clodoaldo de
Alencar, Jacinto de Figueiredo e muitos , dento e fora da Academia, que no momento
não me ocorrem.
Carvalho Neto disse a respeito do nosso poeta: "Fora de Sergipe seria um
nome consagrado".
Gilberto Amado qualificou-o como um gênio.
Ninguém mais autorizado do que Garcia Rosa para julgar u poeta lírico. E o
inexcedível lírico da colina de Santo Antonio escreveu:
"J. Freire Ribeiro, o grande lírico sergipano".
De Câmara Cascudo, de várias manifestações suas a respeito de J. Freire Ribeiro
destacamos o que se segue:
"Grande lírico, paisagista magnífico, vive num oriente clássico estonteante
de mistério, confuso e luminoso como uma Alhambra de Granada".
Malba Tahan, seu irmão no orientalismo, disse: "Alguns dos seus valiosos
versos foram levados a sombra do arco Iris".
João Luso, da Academia de Ciências de Lisboa: "Escritor de estilo vivo,
largo, impetuoso com imagens de singular eloqüência, J. Freire Ribeiro, no seu
lirismo trágico, evoca o cenário e o ambiente de "Curral".
Muitos e muitos outros escritores com nomes consagrados dentro e fora do Brasil
se têm pronunciado a respeito do nosso poeta de maneira não menos encomiástica.
OUTRAS ATIVIDADES
Pode-se dizer que João Freire Ribeiro em toda a sua vida, foi somente
intelectual e poeta.
Como meio de vida deu-se a outras ocupações nas quais, o seu talento e cultura
bem lhe poderiam assegurar apreciáveis êxitos. Sempre lhe faltou, todavia, a
necessária vocação para esses outres misteres.
Funcionário público, teve ocasião de trabalhar nas repartições que serviam às
cúpulas dos três poderes institucionais de Sergipe; na Casa Civil do Interventor
Mainard Gomes foi um dos Oficiais de Gabinete, Sub-Secretário no Tribunal de
Justiça, e funcionou também na Secretaria da Assembléia Legislativa do Estado.
Por alguns anos exerceu também o cargo de Diretor Técnico da Biblioteca, que
hoje tem o nome do nosso saudoso confrade Epifânio Dória. Neste cargo foi
aposentado com vencimentos insuficientes para um padrão de vida mesmo modesto.
Foi o mais que chegou para ele.
Tentou também a política.
Candidatou-se a Deputado estadual sob a legenda do extinto Partido Trabalhista
Brasileiro no ruidoso peito de 1947. Fez na campanha belhos discursos, mas não
conseguiu eleger-se.
Não nascera também para a política.
Estas coisas, como disse Núbia Marques, não passaram de acidentes em sua vida.
NA PASSAGEM PARA O ALÉM
De há muito vinha Freire Ribeiro com a saúde abalada.
Lipofílico em alto grau, mas sempre avesso a qualquer prática disciplinar,
nunca quis submeter-se a um sério regime alimentar capar de impedir um
excessivo aumento de peso. Comia sem reserva alguma tudo de que gostava e
encontrava. Nestas condições o diabete e o enfarte do miocárdio teriam de ser
mesmo as naturais conseqüências.
Respeitando a delicadeza dos sentimentos das pessoas presentes, não
detalharemos as circunstâncias do ocaso do poeta.
Pouco antes do trespasse, velado pelo seu dedicado amigo Vitorino Magno
avistando o poeta de seu leito de dor na sala contígua a imagem de N. S.
Auxiliadora que viera ao seu lar na costumeira visita mensal, com voz súplice,
pediu à Virgem a graça de uma morte feliz.
E foi justamente assim que aconteceu.
Com expressão serena, sem nenhum ictus de dor, passou-se desta vida para a
eterna às três horas da tarde da sexta feira, 24 de janeiro de 1975.
Sofriam com ele cinco corações devotados: o da mãe amantíssima, o da esposa
inexcedível e os dois amigos dedicados Vitorino Magno, Antonio Carlos e
Aristides Rego
CONCLUSÃO
Freie: Materialmente já não te vemos nesta cadeira. Entretanto, nela estarás
sempre presente no coração deste teu amigo, deste teu irmão, como me chamavas.
Nunca deixarás de estar presente na lembrança e na saudade de todos nós.
Viverás, mesmo em futuro muito longínquo, quando os garimpeiros da beleza,
faiscando à cata de preciosa colheita, se aprofundarem no tempo volvido e
deslumbrados contemplarem as gemas que deixaste na tua esplendorosa obra
poética. Sim! Viverás sempre! Viverás ainda, meu poeta, com as têmperas
cingidas com os louros da glória!
* Reproduzido do site: webartigos.com/artigos
Postagem original na página do Facebook/Minha Terra é SERGIPE, em 17 de Outubro de 2012.
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