quinta-feira, 2 de julho de 2015

Saudades da Casa Amarela







Caríssimos, disponibilizem um tempinho e leiam o texto a seguir, até o seu final.

Saudades da Casa Amarela.
Por ângelo Maurício Torres.


Residência do clã dos “TORRES”, Praça Deputado Antônio Torres Júniornº 84, em Canhoba –Se. Canhoba, que significa “folhas escondidas”. Era uma casa comum de tijolo batido. Sua primeira reforma aconteceu em 1935, como se lê no seu frontispício.Para “Curral de Barro”, nome original da povoação, chegou Manoel José da Rocha Torres e sua esposa, Maria Perpétua, trazendo os seus dez filhos. Um dos seus netos, Marcelino da Rocha Torres, tornou-se o pai de Antônio Torres Neto, o futuro patriarca dessa família já citada. Antonio Torres Neto casou-se com uma jovem propriaense chamada Leonida Souza que, pelo matrimônio, denominou-se Leonida de Souza Torres, carinhosamente conhecida como Beata. Juntos escolheram a CASA AMARELA para seu lar. Ali nasceram os seus doze filhos. Criaram-se nove: Delorizano, Aldemira, Mirabel, Antônio, Maria Auxiliadora, Ida, Jacob, Jobe Arquibaldo, todos já falecidos, à exceção de Ida,hoje octogenária. Em 1976, aconteceu a segunda e última reforma do casarão. Foi trocado todo piso, feita uma cozinha mais moderna, sem contudo, alterar as estruturas interna e externa. Permanece o mesmo mobiliário. SAUDADES. SAUDADES da nossa infância quando para lá íamos em férias, no carro do nosso pai um DKV – Vemag vermelho de placa 072. Quando da nossa chegada à cidade, o amigo da família José de Jessé anunciava no auto-falante da prefeitura: ”o deputado Torres Júnior e sua família chegaram ao Canhoba”. Então colocava música e era uma verdadeira festa. Um tio de meu pai de nome Florisvaldo da Rocha Torres, cognomidade Caretinha, gritava: “Zé, põe para tocar “Fim de Festa” de Luis Gonzaga, que Toinho gosta”. Na calçada da casa já estavam sentados, a nos esperar,nosso primo Anacleto,companheiro de brincadeiras e aventuras. SAUDADES.Era um entra e sai de amigos, primos, compadres,a exemplo de José Rozendo e Maria Amélia, Lau e Laudiceia, Nozinho e Conceição, Cândido e Terezinha, Leôncio e Eleonora, Ailton e Eutêmia, Miguel de Carlota, Amândio e Raimunda, e tantos outros. Casa cheia, mesa farta.SAUDADES.Saudades das nossas cavalgadas para as fazendas Rancho de Canoa, Gravatá, Chanchão,Valadão, Lagoa da Mata, Lagoa Salgada. SAUDADES da voz forte de nosso avô chamando o compadre Manoel Macola, Zé do Boi, Messias de Ozório, João Pequeno, Antônio Carreiro. “João Pequeno, traga amanhã cedo quatro cavalos para meus netos Angela, Angelo, Anacleto e o amigo deles Zé Preto”– ordenava nosso avô. SAUDADES de Antônio Carreiro, que preparava o carro de bois para nossos passeios em grupo.Carro de bois puxado por três parelhas de animais de primeiríssima, sob o comando do velho e habilidoso Antônio Carreiro no ofício de conduzir os seus animais. No carnaval de 1966, desfilamos nas ruas nesse mesmo carro de bois, todo ornado para a ocasião. SAUDADES das festas do Santo Cruzeiro, das procissões, das barraquinhas de comidas típicas, das cabacinhas (feitas de cera de vela e cheias de água que, quando arremessadas em alguém explodiam molhando o atingido). SAUDADES das festas juninas e seus folguedos, das fogueiras, do milho cosido quentinho. SAUDADES das festas natalinas, com seus ritos e tradições. Ano Novo. SAUDADES dos banhos nas lagoas formadas pelas enchentes periódicas do rio São Francisco, de chupar Jaboticaba na serra, de caçar rolinhas, dos passeios a cavalo na garupa de tio Job em seu cavalo “Pão de Açúcar”, - vale informar que foi Cícero Gomes de Melo , o Cícero Buraqueiro, que me ensinou a cavalgar. SAUDADES de passear no JEEP Azul do tio Job, das comidas que tia Ana Maria (esposa de Job) fazia, e de assistir tio Arquibaldo tocar zabumba em frente à Igreja Matriz. Das conversas e histórias contadas pelo nosso avô na calçada da igreja a respeito de suas sua façanhas no Amazonas; e compadre Manoel Macola confirmando tudo. O velho contava a historia e depois falava: “é verdade, compadre?” O compadre só tinha a responder: “verdade, compadre”. Oh! Que saudades da mãe preta, à noitinha, sentada ao pé do Santo Cruzeiro, aguardando a meninada para ouvir as suas estórias de trancoso, fantasmagóricas e sobrenaturais. Mostrava-nos lá nas colinas o “fogo corredor”, que dizia ser as almas de dois compadres lutando.SAUDADES das broncas de nossa avó Beata quando entrávamos na cozinha enquanto ela fazia doce de leite de bolotas. “- Saiam daqui meninos, se não o doce desanda”.Chamava suas serviçais Beta, Vanda e Leuzina,e dizia: “ - não deixem esses meninos entrarem na cozinha. Quando o doce estiver pronto, sirvo a eles com queijo”. Uma saudade, no entanto, de nunca tê-la visto tocar o seu violino, que ficou esquecido por conta dos seus muitos afazeres domésticos. SAUDADES da mesa farta no café da manhã, no almoço e na janta. Quem chegasse comia a qualquer hora.Chegava uma visita e falava: “ - Seu Antônio, quero falar com o senhor”. O velho respondia: “ - primeiro, senta aí e come. Amigo meu não sai daqui com o bucho vazio. Depois tratamos de negócio”. SAUDADES de presenciar todas as manhãs,ao chegar o leite das fazendas, a nossa avó sentada no seu banquinho, no depósito ao lado do casarão, vendendo, dentro da sua cota, doando leite. Dinheiro em uma caixinha e leite fresquinho nos vasos ou panelas das pessoas que lá chegavam. Presenciei uma cena muito forte e humana por parte de nossa avó. Entrou uma criança, e falou bem perto dela:“- meu pai falou que hoje não tem dinheiro.A senhora me dá um copo de leite?” De imediato ela exclamou: “ - João Pequeno, me traga uma vasilha de quatro litros”. Imediatamente foi atendida. Ali ela colocou o leite, e solicitou ao João Pequeno que levasse o leite e a criança em casa. “ - Diga ao pai dela que quando não tiver dinheiro pode vir buscar o leite de seus filhos.” SAUDADES do galinheiro de vó Beata. Num grande terreiro, cágados, galinhas, guinés, perus.Os porcos, ficavam num espaço especial – todo cimentado, mostrando o seu zelo pela limpeza. O jardim florido, com girassóis, roseiras, jasmins, tipo um jardim de inverno, que contemplávamos da sala de jantar. Num outro espaço mais adiante, goiabeira, limoeiro, pimenteira, mangueira.E nas janelas, as moringas de argila cheias d’água a fim de receberem o sereno da noite e pela manhã, dela bebermos geladinha. Tudo isso, à luz dos fifós e lamparinas.Depois, SAUDADES do apagar das luzes a motor. Janeiro de 1968, fifós e lamparinas deram lugar à luz elétrica. Concretizava-se o sonho do nosso pai, Antônio Torres Júnior, de eletrificar a sua querida Canhoba. Muita gente, a população canhobense, o governador de Sergipe, Lourival Baptista e a sua comitiva, o prefeito da cidade, nosso tio Arquibaldo de Souza Torres, nossos familiares e tantos outros. Somente uma ausência física – a daquele homem público, que tanto beneficiou o seu povo e a sua cidade, e numa pugna incansável conseguiu trazer, pelos fios, a força da água de Paulo Afonso transformada em energia elétrica. Nossos avós, Antônio e Beata, tinham lágrimas nos olhos enquanto o povo ovacionava. SAUDADES do relógio de parede, quase um metro de altura, comprado na Joalheria Safira, em Aracaju, que ficava na entrada da casa.Do gramofone, na sala de visitas, esperando as ocasiões festivas para “acordar”. Da geladeira Westinghouse a querosene, do fogão à lenha e sua famosas panelas de barro,e seu fogo crepitando dia e noite, sem apagar. Dos pães fresquinhos de seu Manoel Gago.SAUDADES. Uma vez perguntei a nossa avó Beata porque ela tinha sempre uma lágrima nos olhos e o sorriso longe. Ela respondeu: “ - meu neto, o Canhoba e nossa família não são mais o que eram”. Referia-se ela ao sombrio e fatídico dia 21 de dezembro de 1967, uma quinta feira.“ - Estou sempre pensando em meu filho TOINHO, seu pai. Por que fizeram isso com ele?” E a lágrima vinha novamente, e ela me abraçava. Carinhosamente. SAUDADES das nossas despedidas quando findavam as férias.Quando meu pai estacionava o carro na porta da Casa Amarela para nosso embarque de volta a Aracaju, era uma choradeira danada dos amigos, primos, tios. O nosso avô falava ao meu pai: “ – Toinho, deixe os meninos!” Meu pai respondia: “ - o maior presente que tenho para deixar para eles é a caneta.” O velho enfiava a mão direita em seu bolso, que ia até o joelho, e tirava um tanto de dinheiro. Contava dez notas de 5 cruzeiros(aquelas que tinham a cabeça do índio), e dava para mim e para Angela. Pedíamos a benção e tristes entrávamos no carro. Lá de dentro eu chamava meus dois amigos Anacleto e Zé Preto e a cada um dava uma nota de 5 cruzeiros às escondidas de nossos pais e avós. O nosso pai perguntava para a nossa mãe: “ - podemos ir, .GiIcélia, vamos?” Assim, retornávamos para a capital. E mesmo no período das aulas, mesclávamos estudos e atividades escolares com as saudades das aventuras na roça, já na expectativa das férias seguintes.SAUDADES. Da nossa família, parentes, amigos que já se foram, e que construíram este município. SAUDADES daqueles que cruzaram o seu território e fixaram-se em outros Estados e ainda vivem. SAUDADES do grande homem nascido em Canhoba, a 2 de Outubro de 1926, cujo passamento ocorreu precocemente na manhã de 21 de Dezembro de 1967, uma quinta-feira, aos quarenta e dois anos. Deputado Estadual, Secretário de Estado da Justiça no governo Luiz Garcia, Presidente da Assembleia Legislativa, Líder de Governo na gestão Lourival Baptista. Ícone da política sergipana, grande tribuno, orador nato. Advogado, Professor de História e Geografia pela Universidade Federal de Alagoas, assessor jurídico da Secretaria de Estado da Educação. Pai de família, carinhoso, generoso, humano. A CASA AMARELA viu-o nascer, crescer, foi palco de suas travessuras ingênuas e infantis. E também, anos mais tarde, centro para suas conversações políticas com seus aliados udenistas. A CASA AMARELA alegrou-se com as alegrias, chorou o pranto de todo um clã. Mas, resistindo às intempéries na vida e na história dos TORRES, silenciosa, solitária, testemunha a saga dessa família. Cada parede, cada porta e janela, compartimentos, contam uma história.A fogueira hoje, 29 de junho de 2015, segunda-feira, colocada na sua frente, igualmente solitária,terá extintas as suas chamas. Esta casa, ao contrário, será sempre um marco que manterá viva, cada vez mais viva, não só nos nossos corações mas na vida dos canhobenses, a chama acesa da história dos TORRES e de todos os que amam esta terra. Evocando o poeta Raimundo Correia, concluo dizendo: “ Aqui outrora retumbaram sinos; muito coche real nestas calçadas...................”. >>>>>>ISTO É BRASIL, É SERGIPE É CANHOBA.

Postagem originária da página do Facebook/GrupoMTéSERGIPE, de 30 de junho de 2015.

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