domingo, 24 de maio de 2015

Rádio Antigo


Publicado originalmente na Fan Page/Facebook/Petrônio Gomes.

Rádio Antigo.
Por Petrônio Gomes.

Longe de mim querer depreciar o rádio da atualidade. Cada época tem seus próprios matizes que se refletirão nos vários setores da atividade humana. Já se disse que “o homem é filho do seu tempo.” Entretanto, é uma prerrogativa dos mais velhos o hábito de comparar, pois que o testemunho de outra época lhes pertence. Não é justa a acusação de “saudosismo” contra esses depoimentos, pois o lógico seria que se tivesse saudade também das coisas ruins, o que naturalmente não acontece. E como foi pródigo o passado de coisas desagradáveis!

Para começar, digamos que no passado qualquer pessoa ligava o rádio para se divertir e não para elevar sua pressão arterial. Aliás, o simples fato de se ligar um receptor radiofônico era um verdadeiro ritual. Tenho diante dos meus olhos o grande aparelho que havia em nossa casa e que ocupava quase a metade de um dos móveis da sala. O pai ligava o rádio e toda a família ficava ao redor, como quem espera o início de uma peça de teatro. Havia um tempo determinado para que as válvulas esquentassem, e todo mundo já sabia disso. Somente depois começava a chiadeira, sinal de que se poderia lutar para “pegar a estação”...

A preferida lá em casa era a “Mayrink Veiga”, onde um locutor gaúcho começava a fazer fama em todo o Brasil. Era uma delícia ouvi-lo soletrar a palavra “Scatamacchia”, a marca de um calçado masculino, sapatos de sola fina que viraram a coqueluche da rapaziada por vários anos. Ele também anunciava uma casa de louças que havia na Av. Marechal Floriano, chamada pelos cariocas de “Rua Larga”. O nome da loja era o “Dragão”, com “quatro portas em frente à Light.” Esta era a empresa inglesa concessionária da distribuição elétrica e dos transportes do Rio de Janeiro. Sua casa matriz ficava em um belo edifício na mesma Avenida e, pouco adiante, o célebre “Palácio Itamaraty”, que o dr. Niemeyer copiou para a sua cidade artificial em Brasília. Antes que me esqueça, o nome desse locutor era César Ladeira. Ele casou com uma corista argentina chamada Renata Fronzi.

A outra emissora famosa foi a Rádio Nacional do Rio de Janeiro, com estúdios no último andar do Edifício de “A Noite”, na Praça Mauá, o primeiro endereço que visitei quando fui ao Rio pela primeira vez, ainda com os queridos programas de auditório que povoaram minha juventude aqui em Aracaju. Alcancei a emissora em sua fase de decadência, mas tive tempo de ver os grandes microfones, diante dos quais se perfilaram os grandes cantores de nossa música popular. Conheci pessoalmente alguns deles, como já escrevi em outras ocasiões.

Não havia os recursos formidáveis que hoje nos assistem. A orquestra e os cantores deviam dar o seu recado de uma vez por todas. Era simplesmente proibido errar, no tom, na letra ou no compasso...

Havia também as entrevistas, as notícias, a publicidade, esta sempre redigida com outro apuro, talvez com um pouco mais de respeito pelo público. Os cantores cumpriam seu papel com a maior naturalidade, sem tantas caretas e querendo brigar com o microfone. Hamilton Valin era um pianista cego que acompanhava um professor de ginástica, chamado Oswaldo Diniz Magalhães, cujas aulas eram ilustradas e explicadas ao som das mais belas melodias brasileiras. Ainda tenho um mapa do rádio-ginasta, acreditam?

Terminando, gostaria de deixar algumas perguntas flutuando: por que atualmente tanto grito no rádio? Por que tanta pressa, como se cada ouvinte fosse motorista de caminhão de incêndio? Na televisão é ainda pior. Os jargões do consumismo já se tornaram insuportáveis. Quem não vai dormir com esses recados na cabeça: “Você não pode perder” , “Ligue agora” “Veja o que nós temos para você”...

Enfim, era assim o rádio em Aracaju e no Brasil, mas o tempo era igualmente outro. Não havia ainda televisão e a última sessão de cinema terminava às vinte e duas horas. Por essa hora, ninguém mais se atrevia a ficar na praça Fausto Cardoso, onde só restava o sentinela do palácio...

Texto e imagem reproduzidos do Facebook/Petrônio Gomes.

Postagem originária da página do Facebook/MTéSERGIPE, de 21 de maio de 2015.

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