quinta-feira, 21 de maio de 2015

Encontro com Núbia


Publicado originalmente no Facebook/Petrônio Gomes, em 17/04/2015.

Encontro com Núbia.
Por Petrônio Gomes.

Eu voltava para casa e Núbia vinha da sua. O encontro aconteceu na calçada do Colégio Tobias Barreto, já pertinho da Academia Sergipana de Letras, isto é, o local onde ficava a “rouparia” dos alunos internos, quando lá estudei. Havia ali uma porção de carteiras com cadeados, onde os alunos do interior guardavam seus pertences, inclusive uma ou outra lata de doce remetida pela mamãe carinhosa.

Encontramo-nos, pois, na murada do colégio para um bate-papo ligeiro, o que é muito mais gostoso do que um simples bom-dia rápido, por obrigação. Eu tinha algo a dizer a Núbia e ela me abraçou de longe com os olhos, logo que me reconheceu. Foi uma prelibação de confidências, uma série de fuxicos a dois sobre tudo o que nos empolgava e também sobre tudo o que nos maltratava.

Existem coisas que não podemos dizer aos quatro ventos, sob pena de nos expormos à turbulência dos desentendimentos, alguns muito difíceis de curar. E como são tantos os que não nos entendem, resta-nos o consolo de saber que também nós não entendemos os outros.

Mas fazer do desentendimento um cavalo de batalha, isso é perigoso. E existem pessoas assim, que pescam as conclusões em pleno ar e jogam no ventilador os punhados de farinha. Daqui que a gente conserte os estragos, a pressão arterial decola e o resto da paciência se evapora...

Enquanto Núbia falava e eu escutava, passaram por nós vendedores de quase tudo, desde pipocas para os alunos do Colégio até as frutas da estação, cujo visual colorido já serve de propaganda silenciosa. De repente, tocou a sirena do Colégio e tivemos que aguardar. Francamente, era preferível o pequeno sino que Mário, o porteiro, tangia, para marcar o horário de cada expediente. Num instante, a gente pensa em mil coisas ...

Quando a sirena parou, Núbia começou a responder às minhas perguntas mudas, pois conhece, muito mais do que eu, os segredos e as manhas da terrinha. Já estávamos naquela idade precisa em que as coisas e as pessoas ocupam o seu devido lugar. Os títulos, os adjetivos de festa, a “pompa e a circunstância” servem apenas para ressaltar a verdadeira face de uma origem mais inocente, mais simplória. Como são sábios, ditos em surdina, certos apelidos!

A certa altura de nossa conversa, lembrei a resposta altiva de Sócrates quando lhe mostraram os objetos luxuosos no mercado de Atenas : “Quanta coisa que eu não preciso”.
Núbia Marques conhecia o meu apelido de infância, que nada quer dizer, todavia. São apenas duas sílabas que alguém juntou com carinho ao ver-me no berço, sorridente. Pertencemos a uma época em que os legítimos valores eram tidos e respeitados como tais, sem favor algum, sob os aplausos dos que tinham boa vontade.

Enfim, foi um encontro delicioso, ainda que breve. Em certo momento, fiquei roído de inveja de Núbia por ela ter alcançado um pedaço do meu sonho de jovem, um sonho que não contarei. Inveja misturada com alegria, sem pecado.

Quando Núbia se afastou, fiquei por algum tempo recostado na mureta do Colégio, pensando na vida. Tudo o que ela dissera era verdade, para nossa alegria e para nossa tristeza também.
Tudo ela aproveita para escrever seus poemas, assim como eu coleciono quadros da vida para as minhas tolices. Só não gostamos quando nos interrompem bruscamente, de modo agressivo, como a sirena do Colégio...

Alguns meses depois deste encontro, Núbia Marques faleceu, repentinamente. Como sempre nos acontece com notícias assim, meu primeiro pensamento foi de recusa. Somente depois, começamos a colocar tudo nos lugares que a Saudade reservou sem nos avisar. Com Núbia Marques, foi-se embora também o meu apelido de infância...

Texto e imagem reproduzidos do Facebook/Petrônio Gomes.

Postagem originária da página do Facebook/GrupoMTéSERGIPE, de 18 de maio de 2015.

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