terça-feira, 12 de maio de 2015

Uma de Sindulfo


Publicado originalmente no Facebook/Petrônio Gomes. em 06/05/2015.

Uma de Sindulfo.
Por Petrônio Gomes.

Toda cidade possui os seus tipos notáveis, pessoas que se destacam pelo modo de proceder, de vestir, ou, simplesmente, por um traço físico diferente. Existem ainda aqueles que podem ganhar fama só pelo modo de rir ou pelas respostas prontas e espirituosas diante de qualquer problema.

Os mais velhos poderão recordar agora uma figura de mulher franzina, que saía vestida com uma porção de saias de uma vez, uma por cima da outra, e que batia de porta em porta desejando todo o bem do mundo a quem lhe ajudasse. Diziam uns que ela adorava todos os vestidos que possuía e não gostava de deixar os outros em casa quando escolhia um qualquer. Chamavam-na “Maria Inocentinha”. Ninguém a insultava, todos gostavam dela.

Havia também um pobre homem que andava com as calças levantadas até à metade da canela, com barba de uma semana por fazer, e que ganhava seus trocados graças à presteza com que dava recados. Naquela época, o telefone era ainda um apetrecho digno de pena. Era mais fácil apelar para um menino de recado, mas todos preferiam dar este encargo ao “Dr. Leandro”, que saía em disparada para cumprir sua missão, indiferente ao desgaste que poderia sofrer sua “posição” na sociedade. Pois ele mesmo havia escolhido este nome do notável político sergipano, e assim contentar sua mente infantil dos anseios fantasiosos próprios de sua enfermidade. Tal como “Maria Inocentinha”, o “Dr. Leandro” não fazia mal a ninguém. Era um “homem realizado”, pois dizia a todo mundo que possuía milhões de cruzeiros em cada banco da cidade...

E por que não falar no barulho incrível que certo homem emitia depois de uma de suas impensáveis refeições, quando soltava o desabafo explosivo do seu estômago, ao ver-se livre do turbilhão de gases? Era conhecido por “Piaba”. Quem fosse ao Mercado Municipal em certas horas poderia ouvir, mesmo sob constrangimento, a zoada patológica de “Piaba”. Até a fama tem falta de gosto...

Mas todo este preâmbulo foi feito para apresentar um tipo que se tornou um patrimônio da história da cidade, espécie de domínio público das rodas de conversa, sempre a ilustrar acontecimentos corriqueiros da sociedade. Era um comerciante chamado Sindulfo Fontes, dono de uma relojoaria na rua de Laranjeiras, fronteira ao edifício dos Correios. Por sinal, na rua do Município onde nasceu, berço de intelectuais do Estado. De Laranjeiras, disse o dr. José Barreto Fontes, da mesma família de Sindulfo: “É a terra dos homens ilustres. Lá nasceram João Ribeiro, eu e outros”.

Pois bem. A loja de Sindulfo refletia bem alguns traços de sua personalidade, assim como os cômodos de uma residência refletem o zelo ou o desleixo de uma dona de casa. Tudo era antigo na loja de Sindulfo e, como se não bastasse, ele tinha o maior respeito por uma antiga teia de aranha que ocupava grande espaço junto ao balcão, a partir do teto. Dizia ele que ninguém tem o direito de destruir o que foi feito com tanto sacrifício.

Quando Sindulfo dizia o preço de um relógio ou de uma joia, não admitia dúvida de quem quer que fosse. E todo aquele que pretendesse comparar valores com os de outra loja, seria para sempre banido do seu rol de clientes. Ninguém neste mundo tinha o direito de fazer sindicância de preços, a partir da loja do velho Sindulfo.

Certa vez, num ano barulhento de eleições, quase todas as lojas do centro da cidade foram invadidas por retratos de candidatos, uns colados às paredes, outros pregados nas portas, na mesma febre de patriotismo que estamos cansados de ver. Mas na casa de Sindulfo ninguém mandou colocar retrato nem recado de mentira.

É que ele havia posto o seguinte texto na porta do seu estabelecimento: “Este espaço está reservado para os candidatos burros e ladrões”...

Texto e imagem reproduzidos do Facebook/Petrônio Gomes.

Postagem originária da página do Facebook/GrupoMTéSERGIPE, de 7 de maio de 2015.

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