segunda-feira, 27 de maio de 2013

Depoimento Sobre a Sociedade de Cultura Artística de Sergipe


Sobre a Sociedade de Cultura Artística de Sergipe

Depoimento de Amaral Cavalcante, ex Secretário Executivo da Entidade

Observação inicial:
O presente relato não deverá ser tido como um documento acabado, nem deverá ser incorporado a nenhuma pesquisa sobre a Sociedade de Cultura Artística de Sergipe sem um trabalho criterioso de comprovação e datação dos fatos nele contidos. Trata-se de uma descrição de fatos memoriais alinhados empiricamente, carecendo-lhes o necessário rigor científico e metodológico. Como pretendo escrever mais sobre o tema, solicito aos amigos que me corrijam os lapsos e subsidiem-me com fatos e detalhes não lembrados aqui.

Fundação e objetivos

Fundada em 1951 por um grupo de intelectuais sergipanos, entre eles o Dr. Felte Bezerra e o jovem político José Carlos Teixeira, a Sociedade de Cultura Artística de Sergipe – SCAS - seguiu o modelo consagrado por entidades congêneres existentes em outras unidades da federação, dedicadas ao fomento e difusão da cultura artística e ao apoio à circulação de concertos musicais e espetáculos de arte cênica em todo o país. A nossa Sociedade de Cultura Artística resulta de uma campanha empreendida por intelectuais, comerciantes e políticos locais, visando angariar fundos para a aquisição de um piano de qualidade, destinado ao uso de músicos concertistas que, eventualmente, nos visitassem. A mobilização social sagrou-se vitoriosa, não apenas possibilitando a aquisição de um piano ½ cauda, da prestigiosa marca Stainwey, quer foi instalado no auditório do Instituto Histórico e Geográfico de Sergipe, como pela oportunidade de associar cidadãos a um empreendimento cultural mantido por doações financeiras e pagamento de mensalidades, a SCAS.

Àquele tempo, não havia na estrutura do serviço público, nos níveis municipal, estadual ou federal, algum órgão dedicado exclusivamente á Cultura, havendo apenas nos organogramas das secretarias estaduais e do ministério da Educação um departamento de Cultura sem dotação orçamentária própria e em condições precárias de funcionamento. As Sociedades de Cultura Artística proliferaram como solução encontrada pela sociedade brasileira para estabelecer um circuito de espetáculos com roteiro nacional integrado e custos diluídos, bem como para viabilizar uma melhor interação da ação cultural entre os Estados.

Aracaju no roteiro

Graças aos relacionamentos políticos e contatos pessoais do Dr. José Carlos Teixeira na capital federal, o Rio de Janeiro, a cidade de Aracaju passou, pouco a pouco, a ser incluída no roteiro de grande companhias em circulação pelo país, geralmente patrocinado pelo Gabinete Civil da Presidência da República - os nacionais, e pelo Ministério das Relações Exteriores- os estrangeiros que nos visitavam amiúde, por conta de convênios de cooperação cultural firmados entre o Brasil e outras nações.
Deste modo o Estado de Sergipe passaria a ser a “porta de entrada” dessas companhias internacionais, talvez pela nossa localização geográfica e, certamente, pela recepção calorosa com casa cheia e produção impecável, predicados que a SCAS de Aracaju foi tornando famosos. As crônicas da época descrevem os saraus musicais e os espetáculos da Cultura Artística como eventos de visível bom gosto, oportunidade em que a sociedade sergipana, desde a classe média aos mais abastados se encontrava na elegante plateia do Teatro Atheneu, com seus melhores trajes e outros refinamentos.

São desse período áureo alguns espetáculos memoráveis como o recital dos Meninos Cantores de Viena, o ator Paulo Autran com a Opereta “O Burguês Fidalgo”, de Molière, recitais com várias orquestras e concertistas europeus e de grandes companhias brasileiras de teatro, como as de Ítala Nandi, Cleide Yáconis e Procópio Ferreira. Com esta última a SCAS manteve uma relação mais estreita, vez que “emprestou” por toda uma temporada o cenógrafo sergipano Nestor Braz, funcionário da entidade, que excursionou por um bom tempo com a companhia teatral de Procópio Ferreira, considerado um ícone imortal do teatro brasileiro.

A construção da sede

Ainda em consequência de gestões do Dr. José Carlos Teixeira, agora eleito deputado federal, o Ministério da Educação e da Cultura destinou verbas federais para a construção de um Teatro em Aracaju, a ser administrado pela SCAS. Como a entidade não possuía um terreno condizente e não dispunha de recursos financeiros para adquiri-lo e na iminência de ter que devolver a verba, a diretoria resolveu apelar para a Construtora Norcon que disponibilizou um terreno da sua propriedade, na esquina da Rua São Cristóvão com a Avenida Ivo do Prado, de dimensões insuficientes para a instalação de um Teatro, mas suficiente para a construção de uma sede para a SCAS. A Norcon foi, então, encarregada da obra e construiu um prédio de salas comerciais com cinco andares e uma loja térrea com mezanino. As salas do Edifício SCAS, erigido no coração do centro comercial de Aracaju com designer moderno e elevador, passaram a ser alugadas por profissionais e empresas, passando a ser a fonte mantenedora da entidade, mais lucrativa que as mensalidades dos associados.
Tempos depois, os aluguéis constantemente renovados sem os devidos reajustes contratuais condizentes com a localização do imóvel e com os efeitos da inflação, foram se tornando irrisórios, mal dando para cobrir despesas com manutenção e folha salarial dos funcionários. Acresce a essa dificuldade o encarecimento na contratação de espetáculos de boa qualidade artística, a maioria deles dando preferência às vantagens comerciais oferecidas por ricas praças interioranas no eixo Rio/São Paulo, por facilidades comerciais de translado e produção. Esse quadro ainda perdura, tornando quase impeditiva a vinda de grandes espetáculos de reconhecido valor artístico, às capitais nordestinas.

Principais gestões:

José Carlos Teixeira
Depois do Professor Felte Bezerra, assumiu o Dr. José Carlos Teixeira, cuja gestão se constitui no tempo áureo da SCAS, lembrado com saudade por quantos o acompanharam. Foi o tempo das grandes companhias nacionais e internacionais, quando a cidade Aracaju era tida com um importante polo de difusão da cultura artística, roteiro obrigatório para artistas nacionais e estrangeiros em excussão pelo país. Nessa gestão a SCAS concedeu uma bolsa de estudos ao maestro Genaro Plech, para aperfeiçoamento dos seus estudos musicais na Europa.

Professor João Costa
Sucedeu-lhe o Professor João Costa que permaneceu no cargo por um longo período. Ele, além de continuar a excelente programação de espetáculos, geriu a construção do edifício sede, publicou obras literárias, patrocinou cursos de teatro minitrados por figuras relevantes no cenário teatral da época e criou o TECA – Grupo de Teatro da Cultura Artística, sem dúvida o melhor grupo teatral jamais atuante em Sergipe. Dele fizeram parte figuras como Alencar Filho, Tereza Prado, Aglaé D’Ávila Fontes, Ilma Fontes e outros.
O TECA montou, sob a direção de João Costa, espetáculos de rebuscada carpintaria teatral como “Chuva” de Colton e C.Randolph, “Dias Felizes” de Puget, “Armadilha para um Homem Só” de Robert Thomas, “O Pedido de casamento” de Thecov, “Natal na Praça” de Henri Ghéon e o “Boi e o Burro a Caminho de Belém” de Maria Clara Machado. Da sua autoria João Costa montou, sob o patrocínio da SCAS, “Três de Dez de Mil Novecentos e Tanto”, “ Um Milhão” - a partir de um conto de Maupassant, “A Dança do Ouro” e, finalmente, “Recital sem Opus” que conquistou os prêmios de Melhor Espetáculo e Melhor Direção em Festival de Teatro realizado na Paraíba e o de Melhor Espetáculo no Festival Nacional de Teatro Amador realizado no Rio de Janeiro pelo célebre mecenas, o embaixador Carlos Magno. A peça, um libelo às liberdades políticas encenada em plena ditadura militar, tinha no elenco Luiz Antonio Barreto, João Gama, Prof. Joaquim, Orlando Vieira e Chico Varella. A SCAS também enviou ao referido Festival a peça infantil “A Volta do Camaleão Alface”, de Maria Clara Machado, para duas apresentações de rua em Copacabana, fora da competição, tendo no elenco Lânia Duarte, Amaral Cavalcante, João de Barros e Wellington Mangueira.

João Augusto Gama
João Costa foi sucedido pelo Dr. João Augusto Gama que recebeu da diretoria a missão de levantar a entidade que se encontrava desativada e já sem associados pagantes. Foi na coordenação da campanha para angariar novos sócios que eu ingressei na SCAS como remunerado, sendo, depois, incorporado ao seu quadro funcional no cargo de Secretário Executivo. A Campanha logrou êxito, conseguindo inscrever 1.500 novos associados e as atividades culturais da SCAS renasceram com a mesma pujança dos primeiros anos. Os espetáculos de artes cênicas, agora patrocinados pela Funarte vinham mensalmente e a nova direção da SCAS incluiu a musica popular de boa tradição em sua grade de programação, diversificando a oferta e atraindo novas plateias. Também foi criado um programa permanente de exibição de filmes clássicos sob a orientação do crítico Ivan Valença, além de concursos literários com a publicação dos vencedores e a edição de revista apresentando a obra de poetas locais como Mário Jorge e Clodoaldo de Alencar, ilustrada por artistas plásticos locais.
Outra grande contribuição da gestão João Gama à cultura local foi a contratação do Ator Bemvindo Sequeira para ministrar em Aracaju um curso de Teatro Livre com a duração de três meses e que resultou na criação do Teatro de Rua da SCAS, pioneiro na modalidade, que inspirou a criação de outros grupos como o Imbuaça, ainda hoje em atividade com brilhante e premiada carreira.

Luiz Antonio Teixeira
A gestão do Dr. Luiz Antonio Teixeira deu continuidade, por algum tempo, à programação implantada na gestão anterior, mas devido às dificuldades financeiras passou a copatrocinar espetáculos com bilheteria paga, reservando aos associados a aquisição de ingressos com 50% de abatimento. Também intensificou a cocessão de patrocínio financeiro da entidade à montagem de shows e espetáculos locais. Na sua gestão o prédio da SCAS foi alvo de uma criteriosa reforma e os contratos de locação começaram a ser refeitos com a devida majoração. Durante a gestão Luiz Teixeira deixei secretaria da entidade, continuando a servi-la, por algum tempo, no Conselho Fiscal.

Aracaju, 05/maio/2013

Amaral Cavalcante.

Postagem originária da página do Facebook/MTéSERGIPE, em 26 de maio de 2013.

Nenhum comentário:

Postar um comentário