segunda-feira, 13 de maio de 2013

Marcélio Bonfim: Um Ícone da Resistência em Sergipe


06/05/2013 - MEMÓRIAS DE SERGIPE - Jornal da Cidade.Net

Marcélio Bonfim: um ícone da resistência em Sergipe.
Por Osmário Santos.

Fala das torturas que sofreu no quartel do 28º Batalhão de Caçadores e que até hoje traz marcas em seu corpo, além de relatar fatos inéditos da época em que militou em partidos de esquerda em Sergipe.


Marcélio Bomfim Rocha nasceu em 25 de maio de 1944 na cidade ribeirinha de Canhoba/SE. Seus pais: Marcelino Rocha e Margarida Bomfim Rocha.

Seu pai por muitos anos trabalhou na roça até que veio para Aracaju onde conseguiu emprego de vigia do matadouro da cidade. Dele herdou a coragem para o trabalho, amor à família e luta permanente por direito à vida. Já de sua querida mãe, o caráter, firmeza, espírito fraterno e solidário. “Ela mora na Rua Vitória, é da Ordem 3 ª do São Francisco e vive hoje ajudando os mais necessitados”.

Fugindo de uma seca, quando tinha três anos de idade, seu pai trouxe toda a família para Aracaju. Com a tia Elizabeth Bomfim, que também veio de Canhoba junto com a família, o menino Marcélio foi alfabetizado. Fez o primeiro ano do curso primário na escola pública Ivo do Prado que funcionava no bairro 18 do Forte e mais outro ano no Grupo General Valadão, que no seu tempo, era dirigido à época pelo professor Benedito Oliveira.

Por conta da religiosidade de seus pais, que nunca deixaram de ir à missa aos domingos na igrejinha do matadouro, Marcélio tornou-se coroinha da igreja, e passou a ajudar o padre nas missas constantemente. Com essa influência religiosa dos pais, do padre da paróquia do matadouro e do bispo Dom Fernando Gomes, terminou querendo ser padre e ingressou como interno, no Seminário Menor de Aracaju. Terminou com os padres o curso primário e mais dois anos do curso ginasial. “Eu devo parte da minha formação ao Seminário. Tinha como colega Messias Góes e os ex-padres: Padilha e o Orfey ”.

Pelo espírito de seriedade e honestidade, ao perceber que sua vocação não era a de ser religioso e, ao refletir que não poderia continuar usando os recursos da igreja que poderia ser aplicado com um outro jovem, tomou a iniciativa de sair do seminário no ano de 1960, depois de passar o tempo de quatro anos.

Voltou a morar com os pais e se matriculou no Colégio Atheneu Sergipense e se envolveu por completo em política estudantil, embora por pouco tempo, devido ao seu ingresso na militância do Partido Comunista Brasileiro no ano de 1961.

Detido pela 1ª vez no episódio da renúncia do presidente Jânio Quadros, logo é solto por ser menor de 16 anos de idade. “A partir daí, já passei a assumir responsabilidades e meu envolvimento foi crescendo”.

Por conseguir um emprego como servente no Serviço de Água e Esgoto, hoje a Deso, já que estudava pelo dia, passou a estudar no turno da noite no Colégio Tobias Barreto, graças a uma bolsa conseguida junto ao diretor do colégio, professor Alcebíades Melo Vilas Boas, onde terminou o ginásio, encerrando sua trajetória nos bancos escolares.

Como servente na Água e Esgoto ficou o tempo de três anos. Depois passou para auxiliar administrativo. Com a criação da Deso, passou por opção própria a trabalhar na Secretaria de Administração, saindo do serviço público no primeiro PDV do Estado.

Foi preso em 64 por conta do Golpe Militar. “Essa prisão é curiosa. A Companhia de Saneamento é hoje onde funciona a Câmara de Vereadores e no dia 31 de março nós fomos presos da Leste, quando estávamos aguardando armas para podermos resistir ao Golpe, já que não tínhamos armas, não tínhamos nada. Mas nada dessas armas. Mas antes de irmos para a Leste, com os companheiros Paulo Barbosa, Luís Eduardo Costa e Kapan, pela ideia de resistir ao Golpe que passava de um grupo de pessoas, e não uma decisão do partido, grupo esse que entendia se a gente deixasse Aracaju no escuro, facilitava, quem sabe, uma invasão no quartel da Polícia Militar e com isso arranjar as armas. Aí saímos para tentar dinamitar uma torre que trazia de Paulo Afonso a energia para a cidade. Arranjamos a dinamite, arranjamos tudo, mas na hora h, como ninguém sabia como operar com a dinamite, tivemos que desistir, se não morreríamos todos nós (risos). Aí, na volta, eu vim com Paulo Barbosa para a Leste e Luís Eduardo foi para a sua casa. Na hora que nós chegamos, o Exército chegou, cercou a estação e todos nós fomos presos. Como eu tinha 19 anos, depois de dois dias, me soltaram. Foi quando voltei a trabalhar assombrado no Serviço de Água. Para surpresa minha, eu estava sentado na máquina, porque eu era datilógrafo, quando vi entrar um colega meu de metralhadora na mão. Um colega que tinha estudado comigo no Colégio Tobias Barreto. Quando percebi que ele estava olhando para mim, disse: Você veio me buscar, não foi? Ele disse: Foi. Me perguntou se eu ia reagir e eu disse que não. Esse colega meu, por incrível que pareça, é hoje meu colega de PPS, o vereador Motinha (risos e mais risos). Ele era soldado e estava acompanhado de mais dois recrutas e tinha um sargento no comando dessa operação”.

Fez questão de dizer que na prisão em 64, durante o período de dois meses em que passou preso no quartel do 28 º Batalhão de Caçadores, só sofreu a tortura psicológica.

Meio cauteloso, voltou ao trabalho, mas depois de um certo tempo foi aconselhado pela direção do PCB a sair do País.

Revelou que só no mês de outubro de 64, é que os companheiros do Sul de seu partido partem para a primeira tentativa de reestruturá-lo. Naquele momento, em Sergipe só encontra Milton Coelho e ele.

Lentamente Milton e Marcélio, que era o secretário geral do PCB, foram reorganizando o partido, buscando sempre gente nova. “A partir daí é que veio Jackson Barreto, Benedito Figueiredo, João Augusto Gama, Wellington Mangueira, Mário Jorge. Naquele momento o partido estava na clandestinidade e não tinha essa de assinar filiação. Essa turma participava da base estudantil na Universidade Federal de Sergipe”.

Na formação dessa base, passou a se expor muito e foi por isso que no ano de 1966, por decisão do comitê central do PCB, teve que sair do Brasil, pois se continuasse por aqui, iria ser prejudicial à organização.

Foi para Moscou, onde passou de 1966 a 1969. Nessa passagem pela Rússia, mantém forte amizade com Luís Carlos Prestes, que fez tudo para que Marcélio não retornasse ao Brasil em 69. “Ele queria que eu ficasse lá para estudar e só saísse após concluir um curso superior. Na sua avaliação, chegando como técnico, seria muito melhor para mim e para o partido. Ele me deu uma tarefa para ver se eu iria desistir da ideia de voltar, que foi a de representar o Brasil no Encontro da Juventude Socialista da Bulgária, mas como terminou o encontro, tomei a decisão final e retornei a Sergipe”.

Na volta, encontrou o PCB com muito mais adeptos e mais estruturado em todo o território nacional. Retornou ao trabalho de ativista do partido em Aracaju e junto com o saudoso Antônio Jacintho Filho, conseguiu organizar uma poderosa base de trabalhadores na Petrobras. “Foi nesse período que a Petrobras saiu de Alagoas e montou seu distrito em Aracaju. Aí crescemos. Passamos alguns anos controlando o aparelho sindical da Petrobras” .

Com a repressão de 1976, é preso na Operação Cajueiro onde passa no quartel do 28º Batalhão de Caçadores cerca de 90 dias. “Todo mundo foi solto, mas eu, Milton Coelho, que já estava nesse momento quase cego, porque identificou quem estava levando e para onde ia, Carivaldo que já morreu e mais uns três companheiros que não me lembro agora. Todo mundo foi liberado e ficamos aguardando o julgamento do pedido de prisão preventiva que foi derrubada na Auditoria Militar. Por sorte da gente, fomos soltos, mas continuamos a responder o processo até o seu julgamento, que aconteceu em 1978, quando fui absolvido”.

Do tempo em que passou preso no 28º Batalhão de Caçadores, até hoje tem cicatriz na testa por conta das inúmeras porradas que recebeu. “Para se ter uma ideia, depois da morte do jornalista Wlademir Herzog, que foi morto de porrada, aí eles tiveram o cuidado de ter médico nessas operações de tortura, para cuidar do preso antes da tortura, e depois da tortura, Com isso, tentava impedir que ocorresse o que aconteceu com Wlademir. Me lembro como hoje, que depois de tirar a minha pressão, me auscultar por completo, o médico chamou o oficial em particular e disse alguma coisa. Nesse momento devia ter dito: o homem está pronto para tomar porrada” .

Das torturas revela que era submetido a choques elétricos, a pau de arara, era jogado num túnel de cabeça para baixo com uma viseira nos olhos. Também conta que ficava dentro da cela algemado com as mãos para trás e encostado numa parede sem reboco, totalmente chapiscada de cimento. “Quando era chamado para depor, o soldado vinha e era puxado pela goela do macacão”.

Pela amizade com Prestes em Moscou, ele o acompanhou em sua saída do Partido Comunista Brasileiro. “Já naquele época do exílio eu sabia que Prestes estava se preparando para romper com o PCB. Ele não acreditava mais na prática, na escritura e na organização do partido. Por isso, já vim com isso na cabeça. Para onde ele pendesse, eu acompanharia”.

Como Prestes nos seus pronunciamentos no Rio de Janeiro já sinalizava que a sociedade brasileira deveria construir um novo partido dos trabalhadores, isso facilitou a sua vida política, pois resolveu trabalhar para o Movimento Pró-PT. “Em nível nacional assinei a ata de fundação dos Partido dos Trabalhadores”. No PT em Sergipe foi o seu primeiro presidente e o primeiro candidato a governador pelo partido na eleição de 82.

Participou com todo entusiasmo da Campanha das Diretas e, ainda como integrante do PT, foi às ruas. Não sendo aprovada emenda Dante Oliveira e com a formação da Aliança Democrática que tinha como pessoa chave Tancredo Neves, começou a sua divergência com o PT: “Eu era membro do diretório nacional e na última reunião que eu participei a gente saiu em bloco. Eu saí do PT acompanhado de Airton Soares, que era deputado federal por São Paulo, e da deputada federal Bete Mendes, além de um grupo de parlamentares membros do diretório nacional que se afastaram para entrar na campanha de Tancredo Neves. Eu me afastei do PT e tive o cuidado de aqui em Sergipe eu sair só. Quero dizer que eu nunca falei e nem em entrevista fiz essa revelação. Uma coisa que eu tenho o maior orgulho do mundo, é o de ter contribuído para a organização do PT, porque é mais uma alternativa partidária que a sociedade brasileira quer. No PT fui seu delegado regional”.

Ingressou no PSB no ano de 86 e saiu a candidato a deputado estadual. “Perdi a eleição porque faltou 200 votos na legenda” .

Foi nomeado delegado regional do Senar (Serviço Nacional de Aprendizagem Rural), órgão ligado ao Ministério do Trabalho.

Se elegeu vereador de Aracaju em 1988 pelo PSB, sendo o presidente da 1ª Câmara Municipal Constituinte.

A convite de Jackson Barreto assume a Secretaria de Serviços Urbanos da Prefeitura de Aracaju.

No momento atual está filiado ao PPS e saiu na eleição de outubro como candidato do partido a vereador, mesmo a contragosto de alguns integrantes da Executiva Municipal. “Tentaram impedir o registro da minha candidatura. O diretório municipal do PPS não incluiu o meu nome na relação em que enviou ao Tribunal Regional Eleitoral. Só vim saber disso no dia 30, dia da convenção. Por alguns dias eu comecei a reagir de forma diferente. Eu achava que tinha mandato para continuar a fazer política, pois como acabei de contar a minha história, por toda uma vida sempre fiz política sem ser candidato e sem ter mandato. Mas diante da violência praticada contra mim, eu não queria mais ser candidato, mas não ia deixar de fazer política. Aí foi quando a coisa complicou, porque centenas de pessoas de todos os lados de Aracaju passaram a me pressionar e a me cobrar o comportamento que eu sempre tive no passado, de enfrentar os problemas de frente e não temer ameaças. Foi toda essa pressão, que me levou a entrar com recurso no TRT no último dia de prazo final, que era o dia 5 de julho. Tive a felicidade da Justiça Eleitoral ter devolvido a minha filiação partidária. Agora, eu vou em casa em casa, pois em todo lugar que eu chego a pergunta é uma só: é ou não é candidato? Vou dizer para toda essa gente: sou candidato”.

Casou com Maria Geovanina de Carvalho Rocha e dessa união nasceram os filhos: Marx, Marília Saskia, Mônica Pablo Neruda. É avô de quatro netos.

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Marcélio Bomfim foi homenageado pela Assembleia Legislativa do Estado de Sergipe com a medalha da Ordem do Mérito Parlamentar no dia 6 de maio de 2013.

Foto e texto reproduzidos do site: jornaldacidade.net/osmario-leitura

Foto: Álbum de família Ao lado de Lula.

Postagem originária da página do Facebook/MTéSERGIPE, em 7 de maio de 2012.

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