sexta-feira, 16 de novembro de 2012

Do Vaqueiro ao Manequito


(Continuando com a história da Atalaia, republico:)

Do Vaqueiro ao Manequito
Por Amaral Cavalcante

Ninguém conseguia arrancar Luiz do Vaqueiro da sua cadeira de balanço na cozinha, só se fosse para atender a um desembargador ou algo que o valha, porque Luiz não era mole não. Sorridente e bonachão tinha lá seus princípios. Um deles era o de que um filho de Deus, mesmo sendo dono do mais concorrido bar da Atalaia, merecia descanso quando bem quisesse. “Tenho empregado é pra isso” dizia, mas quando Deus dava bom tempo era uma moça no trato com os amigos e uma fera com qualquer bagunça.
Lá mesmo, não! Quisesse tocar seu Iê-Iê-Iê que fosse pras dunas, onde aquela idiotice proliferava. Já as situações de amigação duvidosa e transgressões matrimoniais eram permitidas, desde que na entoca de uma mesa discreta e sem nenhuma safadeza visível.

De vaqueiro o bar do Luiz só tinha o nome: especializado em moquecas sergipanas com muito coco um tiquinho de dendê, atendia a um filé com fritas fazendo munganga, debicando do freguês. Um Parmegianne, tão em moda entre os elegantes da época, saia sim, mas debaixo de quatro tuncos.

Atração musical, propriamente, ainda não existia, mas lá estavam em mesa bancada por Hugo Costa, o seresteiro Antonio Teles e o cantor Lourão, de vez em quando o sopro de Medeiros, o violão de Macêpa e a voz maviosa de Nicinha Santos, debulhando boleros e guarânias.

O “Balneário”, primeira construção vetusta na praia de Atalaia, fora construído no governo Leandro Maciel por volta de 58 e completava, com a pista asfáltica onde se incluía uma ponte nova e o Aeroporto Santa Maria, as atenciosas melhorias que o governo apresentava a uma Aracaju que se descobria capaz de grandes transformações.

A iniciativa privada chegou afoita: primeiro Zé, o irmão, depois Luiz assumiu a empreitada, transformando o “Balneário” no “Vaqueiro” de quem trato aqui por conhecê-lo como a palma da mão. Muitas vezes fui levado para a cozinha pra acomodar o facho, degustando com Luiz um resto de camarão ao alho, cada um dest’amanho.

O bar passou de Luiz pata Rivaldo, o seu último dono, e a evolução estética no local tornou-se visível. Amante das artes, Rivaldo mujdou o nome para “Tropeiro”, criou uma ala vip onde instalou um belo mural de Joubert e chamou pra lá os artistas de então. Amorosa, esta cantora nossa de tantos predicados apareceu no Vaqueiro, quicando sua energia itabaianense para deleite nosso.

O “Tropeiro “ deu no que vemos hoje: uma terreno baldio enfeiando a principal esquina do nossa maior cartão postal.

Saindo do Vaqueiro convinha dar uma passadinha no vizinho “Busrguesia” para tomar um Cleper- bebida inventada pelo dono para substituir o Cuba Libre, já fora de moda – e encontrar a moçada politizada urdindo contra golpes intelectuais contra a ditadura e declamando Maiakovski. Seu Burgesia, um velho comunista de sólidas posições adotara este apelido desonroso, talvez para debicar da História.
Depois vinha o Barbudo’s, onde eu certamente estaria, nas delícias homéricas das curtições etílicas.

A tinta passos do Vaqueiro ficava o templo homérico das transgressões mais malucas, a bodega do velho pescador Manequito, um gigantesco preto-retinto de manoplas incomensuráveis e voz suave, idílico, contando coisas do mar difíceis de acreditar: arraias que assombravam o mundo, caranguejos dançando gafieira, camarões de barba branca e tempestades dignas de qualquer Ulisses.

Enquanto a moçada navegava no alto mar das lorotas, ria bonito o velho negão gigante, servindo pros bebuns a pilombeta esquálida que lhe rendia alguns trocados. Também era um bar de cheiro insinuante: a despudorada sovaqueira do proprietário invadia em feromônios o casto nariz das donzelas. Diz-se dele que nunca calçou um sapato; os pés cinqüenta e tanto nunca encontraram calçado que os abrigasse. E era sempre de pés no chão que nos atendia, abrindo folgazão suas garrafas de batida. a atração da casa “Tem de tudo quanto é coisa!” e mostrava na prateleira a fileira de litros arrolhados com capuco de milho.

Bebi de todas, mas a melhor, meu branco, era a de murici que travava o gogó e batia imediatamente no juízo do freguês.
Nunca se viu igual.

Postagem original da página do Facebook/Minha Terra é SERGIPE, em 16 de Novembro de 2012.

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