segunda-feira, 29 de dezembro de 2014

Lara Aguiar entrevista Amaral Cavalcante

Foto: Arquivo Amaral Cavalcante.

Enrevista ao Caderno Revista da Cidade, no Jornal da Cidade de 28/12/2014, editado por Lara Aguiar:

Lara Aguiar - Como começou a sua trajetória no jornalismo alternativo em Sergipe? Em que época surgiu o jornal Folha da Praia e com qual intuito foi criado?

Amaral Cavalcante – Comecei publicando “O Margilino” em mimeógrafo, jornal de humor e algumas literatices, produzido pela “Turma do Parque” liderada pelo saudoso Cabo Tripa. No jornalismo tradicional trabalhei no “Sergipe Jornal”, editado por Edmundo de Paula onde convivi com os mestres Luiz Eduardo Costa e Hugo Costa. Servi também ao Diário de Aracaju, editado por Raymundo Luiz Gonçalves e publiquei a coluna “Pique Geral” no Jornal de Sergipe, editado por Leó Filho e na Gazeta de Seu Orlando Dantas, onde estavam Ivan Valença, Nino Porto e José Rosa de Oliveira Neto. Como se vê eu sempre estive em boas companhias.

Já o Folha da Praia surgiu em 1981, para dar voz a novos talentos na escrita e no jornalismo que surgiam naquela época, uma juventude dourada que instigava a cena cultural sergipana, mas não tinha audiência, não conseguia veicular suas ideias, cerceados pelo conservadorismo careta em nossos veículos tradicionais de imprensa. O nosso nanico, feito ao modo de outros alternativos de expressão nacional como O Pasquim, O Movimento, o Ex, acabou se transformando numa peça de resistência política, divulgando artistas e escritores emergentes e patrocinando uma certa revolução de costumes em Sergipe. Durante10 anos o Folha da Praia teve periodicidade semanal, circulando principalmente na praia de Atalaia e nos mais badalados points da cidade. Ele resiste circulando até hoje, aos 43 anos, com periodicidade mensal, ainda revelando novos talentos e tentado acompanhar a vertigem desses novos tempos.

O folha é uma grife e, como tal, tem leitores cativos, aqueles que conquistamos nas areias da Atalaia e que hoje são cidadãos, , que se tornaram leitores dele por identificação. Veja que não mudamos muito, o Folha da Praia ainda é “um jornal feito nas coxas”.

Lara - A partir de que época acontece o seu despertar literário? E como se dá esse impulso de escrever?

Amaral - Sou de uma geração que leu muito, que viu bons filmes e grandes espetáculos e, principalmente, que se comunicava e trocava ideias, frequentando os mesmos espaços de lazer e cultura. Comecei a escrever poesia logo cedo, ainda em minha cidade natal, Simão Dias, incentivado pela leitura de mestres da literatura nacional e estrangeira. Ao me mudar para Aracaju recebi o precioso incentivo da Academia Sergipana dos Jovens Escritores, liderada pela poeta Carmelita Fontes, e depois, convivendo com os escritores marginais da Contracultura, fui ampliando os meus horizontes.

Lara - Quais livros já têm publicados e como se deu essa produção literária?

Amaral - Tenho um único livro de poesias publicado, O Instante Amarelo, um livro convencional impresso em gráfica, mas a minha produção em mimeografo - naqueles tempos a forma usual de publicação para poetas desabonados - foi bastante profícua.

Hoje, escrevo quase diariamente nas redes sociais e mantenho uma intensa troca de emails com amigos e escritores espalhados pelo mundo. Ainda considero a publicação de livros convencionais importante para a fixação da produção literária, mas duvido que o livro tenha a mesma capacidade de difusão e interatividade que a Web proporciona. Estou empenhado em parar um pouco a minha produção para organizar um livro de crônicas, bonitinho e agradável aos olhos, para reunir os amigos numa badalada noite de autógrafos com um bom vinho e salvas de canapés, embora tema que a maioria desses livros acabe virgem de leitura, esquecidos entre as heráldicas pucumãns de uma estante qualquer.

Lara - Como foi sua participação no movimento contracultura em Sergipe, juntamente com Ilma Fontes e Mário Jorge?

Amaral - Não sou daqueles que lamentam os “velhos tempos”, muito pelo contrário, considero os tempos atuais mais inclusivos e muito mais profícuos, mas não posso negar que em nosso tempo o enfrentamento às condições políticas que cerceavam a nossa liberdade, o desejo de expressar o “novo” nas artes e nos costumes, enchia-nos de uma tesão criativa e do prazer da contravenção que nos forçava ao compadrio com as mais legitimas aspirações do cidadão comum, coisa que se tornou raras nos dias de hoje.

Figuras como Ilma Fontes, Mário Jorge, Joubert Moraes, Lu Spinelli, Barrinhos, Fernando Sávio, Luciano Correia e tantos outros que empreenderam por aqui um certo movimento contracultural, foram decisivas para que a província sergipana pudesse encarar os horizontes da modernidade. Principalmente Ilma fontes e Mario Jorge, que estabeleceram uma conexão entre nós e os movimentos artísticos e literários em processo nos grandes centros culturais de então, Rio de Janeiro e São Paulo.

Lara - Você já assumiu cargos de gerência pública na área de cultura. Em quais pontos da cultura atuou?

Amaral - É, eu sempre tive que trabalhar para me manter e o serviço público foi quem me absorveu. Comecei como secretário executivo da Galeria “Álvaro Santos” levado pelo seu primeiro presidente, Florival Santos. Iniciamos ali o acolhimento do poder público a toda uma geração de artistas plásticos. Alem da difusão de novos pintores, colocando-os em interação com a sociedade e fortalecendo um processo de mercado de arte, inclusive instituindo o financiamento para aquisição de obras pelo Benese, a Álvaro Santos consolidou-se como espaço referencial de encontro entre intelectuais e ativistas políticos, um lugar onde a cidade se encontrava com os seus artistas e pensadores.

Servi, por algum tempo, como secretário executivo da Sociedade de Cultura Artística, SCAS, sob a presidência de João Augusto Gama, quando reerguemos a importância daquela instituição para a formação cultural em Sergipe, colocando-nos como destino acreditado para importantes companhias nacionais e internacionais. Quando não havia nenhuma repartição pública cuidando da Cultura, era a SCAS que fazia este trabalho;

Fui diretor técnico da Subsecretaria de Cultura estadual nas inesquecíveis gestões de Luiz Eduardo Costa e Fernando Lins de Carvalho e assumi a presidência da Fundação Estadual de Cultura, no governo Antonio Carlos Valadares. Durante os dois governos de Marcelo Déda atuei como assessor especial para a Cultura.

Atualmente, aposentado do serviço público e sem grandes compromissos funcionais, exerço a prazerosa editoria da Revista Cumbuca, sob a coordenação do escritor Jorge do Nascimento Carvalho, na Segrase, cujo aparecimento é considerado por muitos como um divisor de águas no campo do designer e da editoração de revistas culturais em Sergipe, até agora. Se me permite, cara Lara Aguiar, este é o auto elogio em que me seguro, desesperadamente, para continuar renovando o meu já combalido tesão pelo trabalho.

Lara - Como é envelhecer?

Amaral – É encontrar novos caminhos, continuar caminhando. È sentar-se num banco de praça e ver que o desconhecido ainda passa por ali em busca de veredas que você já percorreu. É a pinima do corpo desobedecendo, a porra do coração ameaçando se entregar ao cansaço, é a ameaça da obsolescência, esta sim, a mais cruel matadora.
É também um pacífico amor pelo futuro.

Finalmente, o sentimento que nos imortaliza.

Texto reproduzido do Facebook/Linha do Tempo/Amaral Cavalcante.

Postagem originária da página do Facebook/MTéSERGIPE, de 29 de dezembro de 2014.

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