sábado, 6 de dezembro de 2014

Homenagem de Araripe Coutinho a Marcelo Déda

Foto: Fredson Navarro/G1.

Publicado originalmente no site G1 SE, em 02/12/2014.

Araripe Coutinho recorda momentos com Déda e presta homenagem
Déda partiu num alazão da noite, cujo nome é raio, raio de luar, diz poeta.

Governador morreu no dia 2 de dezembro de 2013.

Do G1 SE

Nesta terça-feira (2) completa um ano da morte do governador de Sergipe Marcelo Déda. Ele faleceu aos 53 anos no Hospital Sírio-Libanês, em São Paulo, onde estava internado para tratar de problemas decorrentes de câncer no estômago e no pâncreas. Ele lutava contra a doença havia quatro anos.

Uma missa será celebrada pelo padre Peixoto a partir das 19h desta terça-feira (2) na Igreja Jesus Ressuscitado em Aracaju, pela passagem do primeiro ano da morte do governador.

O poeta, escritor e jornalista Araripe Coutinho recorda a data fazendo uma homenagem. Confira na íntegra:

Déda: foi ontem

Um ano de adeus. Lágrimas não cabem neste adeus. A imagem que me vem é de Eliane Aquino que sempre me beijou com amor de mãe. No Sírio Libanês, na porta do hospital, não me deixaram entrar. Eu também não aguentaria. Deixava flores, bombons e cartões no seu prédio. A sua mulher deve ter recebido tudo. Parece que foi ontem. Com Rose Nascimento, amiga de Déda, jantamos e pedimos que colocasse um prato para ele. Rose declamou pra mim “Lázaro: obra prima. Chorei, pedi pra ela parar, quase gritando pedi um amarula. A noite foi descendo: eu Lázaro, eu Maria Madalena. Cristo cai pela terceira vez.

"O tempo escreve com as linhas tortas do meu rosto a certeza da finitude e os homens não param de bater à minha porta para saber o que pensam que sei. Como um fantasma teimo em estar entre eles. Estou só e sou único sob os céus que alevantastes".

"Então, aos pés das muralhas, ouvindo Pedro, compreendi: ressuscitastes, Senhor, mas não ficastes aqui para enfrentar a marcha dos dias, acompanhar a falência das horas, e o drama dos ocasos quando o céu do deserto se ensanguenta para dar passagem à noite - voltastes ao Pai e destes fim à solidão do Deus de Israel. Mas, perdoa-me, Rabi, deixaste-me aqui com o fardo do ressurrecto que não mudou sua condição mortal nem reinventou a fortaleza da carne nem se livrou da angústia da morte - condenado a cumpri-la duas vezes."- do "Lázaro", de Marcelo Déda.

Fiquei a lembrar da vez que me recebeu em seu gabinete, mostrando-me o acervo riquíssimo de Florival a Jenner, quadro por quadro, na parede, e eu me sentindo todo importante com todo mundo olhando. Quem é “essezinho”? Depois nos sentamos e ele estava lindo, normal, calmo. O fantasma da ópera não tinha aparecido ainda. Lembrei da sua fidelidade a Oliveira Junior, a quem chamou na minha audiência. Rode o livro do poeta e assim foi feito. Ele adorava Oliveira Jr.

Na imagem de 1 ano de partida, vejo a figura de Eliane Aquino e com ela me lembro de Maria. “Junto da Cruz de Jesus estavam sua mãe, a irmã de sua mãe, Maria, mulher de de Cléofas, e Maria de Magdala. Ao ver sua mãe e, junto dela, o discípulo que Ele amava, Jesus disse a sua Mãe: “Mulher, eis aí o teu filho”. depois disse ao discípulo: “Eis aí a tua mãe”. E, desde aquela hora, o discípulo recebeu-a em sua casa. Depois, sabendo que tudo estava consumado e para que se cumprisse a Escritura, Jesus disse: “Tenho sede”. Estava ali um vaso cheio de vinagre. Embeberam uma esponja no vinagre e, fixando-a a um ramo de hissopo, levaram-Lha à boca. Quando Jesus tomou o vinagre, disse: “Tudo está consumado”. E inclinando a cabeça, rendeu o espírito.” Todo o sacrifício e resignação foi para Eliane Aquino, que como Jesus deve ter dito, no fundo do seu coração: “Eloi, Eloi, lamma sabacthani? Meu Deus, meu Deus, por que me abandonaste? Assim vejo Eliane Aquino, a quem aprendi a amar em silêncio, a quem nunca pedi nada. Cristo cai pela terceira vez.

A vida crucis de Eliane Aquino a fez melhor pessoa, melhor gente, melhor mulher. Déda nunca escondeu seu filho especial, de mesmo nome dele, ao contrário de Jô Soares, que nunca quis mostrar o seu, enquanto Diogo Mainardi escreveu “A Queda’, em homenagem ao filho com paralisia cerebral. Nunca Déda me viu para não me homenagear.

“Está o poeta ali com sua Louis Vuiton.Um boné que ganhei de Clodovil. Ele era de uma percepção única e um bom gosto irreparável.Tudo está consumado. Parece que foi ontem. Agora enquanto escrevo as três da manhã. choro copiosamente. Não tive forças, pela minha doença, de ir ao funeral do rei".

“De repente do riso fez-se o pranto silencioso e branco como a bruma?E das bocas unidas fez-se a espuma. E das mãos espalmadas fez-se o espanto. De repente da calma fez-se o vento, que dos olhos desfez a última chama e da paixão fez-se o pressentimento. E do momento imóvel fez-se o drama. De repente, não mais que de repente. Fez-se de triste o que se fez amante e de sozinho o que se fez contente. Fez-se do amigo próximo o distante. Fez-se da vida uma aventura errante. de repente, não mais que de repente.” Nosso poetinha Vinicius de Moraes.

Nos meus alfarrábios meticulosos fui encontrar o texto do ex-bispo auxiliar de Aracaju. Assim falou Dom Henrique Soares da Costa “Convivi com Déda muito pouco, mas ele sempre me fascinou desde que o conheci. Ele foi um homem que buscou a vida toda o sentido das coisas. Déda tanto em nível pessoal, humano como no nível do fazer político, sempre procurou o sentido das coisas e ser fiel a esse sentido.
Era um peregrino, um mendigo do sentido. Ele não se contentava. Sentia isso nele, não se contentava apenas no fazer, mas num fazer que brotasse de um sentido. Quando soube da doença dele a minha maior preocupação era essa que sentido ele daria a essa doença e a sua morte. Porque este é o desafio da vida da gente, porque somos capazes dos maiores sacrifícios, das maiores dores se a gente encontrar o sentido.

Mas se o homem não encontrar o sentido ele desaba, não suporta. E Déda era inquieto e ativo, um homem de reflexão e minha preocupação era essa. Por isso tive um grande consolo, uns quinze dias antes da morte dele tive no Sírio, quando segurei na mão dele e perguntei: Déda já encontrou o sentido para isso? E encontrei um homem em paz, em paz com sigo, com a história que construiu e em paz com Deus. Déda morreu diante de Deus. Ele não só morreu fazendo as contas com o passado dele, não só morreu fazendo as contas com a história pessoal e política dele, certamente é uma história superavitária.Déda soube viver, mas já era um homem que se olhava diante da eternidade.

Quando o encontrei era um homem que já estava como alguém que toma um barco levanta a âncora, corta a corda e tudo vai tomando distancia e vai vendo tudo sob uma nova perspectiva. Déda morreu já vendo tudo que ele tinha vivenciado na perspectiva da eternidade. Por isso morreu maduro.

Por isso morreu não como alguém que é colhido de surpresa pela morte, mas como alguém que morreu dizendo eu sei o que vivi e agora entrego a minha vida. Isso me emocionou muito foi um encontro muito bonito com Déda. Dou esse testemunhou que esse é um desafio de todos nós, meu como bispo e de todos vocês. Dar um sentido a vida, porque a vida passa. E triste de nós se na nossa hora de ir não tivermos a graça de termos um sentido.

Que Deus acolha e certamente o acolheu. E que Deus nos ajude a mim e a vocês a encontrar e viver de modo coerente com este sentido. Acho que é um dos grandes legados de Déda isso transpira em tudo que ele fez no homem político, no poeta, no ser humano que foi. Com a morte os sergipanos como de repente viram o homem que os liderava. Mas tudo por causa do sentido. Que nós sejamos como ele: mendigos buscadores do sentido.”

Assim como diz Thomaz Man de “Morte em Veneza”, “O homem é essencialmente um enfermo” no livro “A montanha Mágica”. Agora eu me permito transmutar do corpo e abraçar a Eliane e toda a família. Foi ontem sim. Foi hoje. Será sempre. Lázaro curando as feridas. Ressuscitado por Cristo. Déda partiu “num alazão da noite, cujo nome é raio, raio de luar.”

Texto e imagem reproduzidos do site: g1.globo.com/se

Postagem originária da página do Facebook/Grupo MTéSERGIPE, de 2 de dezembro de 2014.

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