Infonet, Blog Marcos Cardoso, em 08/12/2013.
Lições de um sedutor.
Por Marcos Cardoso.
Marcelo Déda era um sedutor. A verve irrequieta, a simpatia
encarnada no jeito familiar de se relacionar com os iguais e os diferentes, o
raciocínio ligeiro, a capacidade de perscrutar a memória prodigiosa e colocar
as palavras certas nos lugares adequados faziam dele um homem fascinante. Claro
que o fato de ser bonito contribuiu para torná-lo mais atraente. E vaidoso.
A jornalista Mônica Gugliano, que cobria a Câmara Federal
quando Déda lá chegou em 1995, aos 34 anos, fez um depoimento para O Globo
lembrando que, inteligente, habilidoso político e bom frasista, ele logo virou
uma referência para os jornalistas que cobriam as atividades da Casa.
"Mas estaríamos faltando com a verdade ou omitindo uma
partezinha dela se ignorássemos que o deputado de risada franca e aberta,
gentil no trato com a imprensa, conquistava corações", ressalta ela,
acrescentando: "Déda era um colírio para os olhos da mulherada. Ao ser
eleito líder da bancada petista, as jornalistas, informalmente, passaram a
referir-se a ele como líder e gato".
Quando se despediu da liderança, ainda segundo Mônica, teria
dito: "Finalmente não sou mais líder. Agora, sou só gato".
Mas por trás daquela persona que irradiava beleza, gentileza
e alegria escondia-se um aristotélico animal político. Puro sangue. Intelectual
sabedor de sua função social, Déda se destacou pela paixão como procurou
compreender desde sempre a política, essa arte complexa que rege a relação
entre cidadãos e sociedades. Era possuidor de sensibilidade aguçada para
apreender o sentido do interlocutor e ao mesmo tempo perceber os anseios
coletivos.
Exigente e às vezes até rude com quem trabalhava com ele,
mas sin perder la ternura jamás, tinha a humildade de buscar aprender com os
adversários e a capacidade de perdoar. Tornou-se amigo e aliado de primeira
hora de Edvaldo Nogueira, o ex-estudante de medicina comunista que derrotou o
seu grupo na disputa pelo DCE da Universidade Federal de Sergipe. Edvaldo
sucedeu a Déda na presidência do diretório estudantil no começo dos anos 80,
num embate fundamental na formação da sua práxis política.
E em 1987, ao chegar à Assembleia Legislativa com púberes 26
anos, após marcar posição em eleições anteriores para deputado estadual e para
prefeito de Aracaju, quando apareceu como estrela em ascensão, Déda se
aproximou daquele que mais conhecia sobre a engrenagem e as vicissitudes
parlamentares, o deputado e ex-vice-governador Djenal Tavares de Queiroz. O
general do Exército, que poderia ter sido o adversário mais duro, deixou-se
seduzir pelos sentimentos honestos daquele barbudinho com ideal socialista.
"Seu avô era assim como você. Ele dava a palavra e
cumpria", contou o próprio Déda ao jornalista Osmário Santos (Memórias de
Políticos de Sergipe no Século XX, 2002), citando comparação do velho
deputado-general com o seu avô, jornalista, rábula e também deputado
constituinte, de 1947, José de Carvalho Déda. Marcelo inspirou-se na
intelectualidade do avô, mas teve contato com a política e com a história da
esquerda sergipana na barbearia de seu Edgar Ribeiro, comunista histórico que
trabalhava numa esquina da rua Socorro, onde morava o estudante do Atheneu que
veio de Simão Dias para concluir o primeiro grau em Aracaju.
O jovem Déda foi um deputado constituinte atuante, que deu
coloração importante à Carta Estadual promulgada em 1989. O menino que chamou a
atenção na paupérrima estreia eleitoral do PT, em 1982, e se sobressaiu ao só
perder para o fenômeno Jackson Barreto na primeira eleição nas capitais pós
ditadura, tornou-se ali reconhecido como político de verdade. "Esse garoto
daria um excelente deputado federal", vaticinou o jornalista paulista Ivan
Rodrigues, então diretor de jornalismo da TV Sergipe, impressionado com a
capacidade de articulação e com o discurso da revelação petista.
Não se reelegeu porque ousou votar a favor da cassação do
prefeito acusado de superfaturar obras e serviços, o que pareceu alinhamento
com o único governador do PFL, Antonio Carlos Valadares. Pode ter avaliado mal,
mas foi por imaturidade e convicção. E o povo sergipano soube reconhecer que
ali havia mais do que um suposto algoz do popular e corajoso político
emedebista e concedeu-lhe a eleição para deputado federal em 1994.
Voltas que o mundo dá: Valadares e Jackson tornaram-se
correligionários e amigos. “Só quem não conhecia o Governador Marcelo Déda
poderia duvidar da facilidade com que os adversários se dispunham a lhe
estender a mão, tal o respeito que ele lhes dedicava e tamanho o espírito
conciliador de que era dotado. Déda fazia da política uma atividade maior, em
que o benefício da sociedade era sempre o seu objetivo primeiro. Na sua prática
política não havia lugar para mesquinharia, apenas para o diálogo e para gestos
de grandeza”, desabafou no Senado o político do PSB que sofreu dura oposição de
Déda enquanto governador, no final dos anos 80. Estavam juntos desde a campanha
de 2002, quando ele se reelegeu senador e José Eduardo Dutra, candidato ao
governo, foi derrotado no segundo turno por João Alves Filho.
"O que iremos guardar de Marcelo Déda é a sua
jovialidade e a sua capacidade de aglutinar tantas forças para elaborar um
projeto que trouxe muitas mudanças para Sergipe. Ele foi um guerreiro e sua
grande obra foi a honradez, a dignidade e a ética que sempre nortearam seu
caminho e sua vida pública", disse o agora governador de fato e de direito
Jackson Barreto.
Déda se apaixonou de vez pela política na dura e
surpreendente — para os militares — eleição de 1974, quando assistiu na TV a
Jackson Barreto e Jonas Amaral, dois resistentes da ditadura que se elegeriam
deputados estaduais. Foi a eleição em que Gilvan Rocha, também do MDB,
elegeu-se senador, derrotando nada menos que o mito Leandro Maciel. E José
Carlos Teixeira elegeu-se deputado federal. Esses são os precursores do que
Déda viria a se tornar depois. Só que Déda foi maior do que todos eles.
Ninguém por acaso vence seis eleições consecutivas, duas
vezes para deputado federal, sendo o mais votado em 1998, e ganhando quatro
disputas para cargo executivo no primeiro turno, duas vezes para prefeito de
Aracaju (2000 e 2004) e duas vezes para o governo de Sergipe (2006 e 2010),
derrotando o experiente e respeitado João Alves nos dois embates, inclusive
quando o negão era o governador do Estado, em 2006.
Nos sonhos de Lula, Déda estaria no Senado em 2015. “Eu acho
que estão faltando tribunos com envergadura no Senado e o Déda poderia ser um
senador extraordinário. Ele poderia ser o tribuno que está faltando no nosso
país”, disse o compadre durante o velório no Palácio Museu Olímpio Campos,
acariciando a cabeça daquele com quem guardava uma relação quase de pai para
filho. “Além do PT perder um quadro extraordinário como Marcelo Déda, a gente
perde uma das grandes realidades políticas desse estado”, concluiu o
ex-presidente, uma referência indiscutível.
Como referência também o foi Ibarê Dantas, professor de
Ciência Política na UFS, “um homem que foi fundamental em minha formação”, nas
palavras do próprio Déda. “Eu lia nos manuais clássicos do Marxismo, ele me
trouxe Gramsci, que foi fundamental para que eu mudasse a minha imagem de
mundo”.
Ensinamentos que fizeram dele não um esquerdista sectário,
um socialista frustrado, mas um homem ciente da grandiosidade de sua função e
consciente de que não foi inventado do nada, porque outros vieram antes dele,
como sinalizou no discurso de posse no governo em 1º de janeiro de 2007:
"Sou filho de uma geração e, como representante dessa
geração, eu sei o que devemos às outras que nos antecederam. Um filho cuja
história, com paciência e tempo, tece a sua multifacetada tapeçaria que nos
liga a outras eras e a muita gente. Nos liga, por exemplo, a tradição
oligárquica de Fausto Cardoso, o grande herói urbano de Aracaju, o tribuno
eterno de Sergipe que sacrificou a vida no altar das suas ideias e fez-se
símbolo e exemplo para todos os que buscaram a modernização política, a justiça
social, a democracia e o fim dos conluios oligárquicos. Não deixa, pois, de me
emocionar que justo em 2006, quando a revolta de Fausto Cardoso completou cem
anos, um centro-esquerda com forte apelo antioligárquico e indiscutível perfil
mudancista conseguisse levantar Sergipe numa revolução pelo voto, produzindo a
vitória que hoje me traz aqui à presença de Vossas Excelências para em nome do
povo sergipano assumir o governo do Estado trazendo no coração o compromisso
democrático e popular e nas mãos as bandeiras das mudanças".
O que pode ser arrematado com o que disse em maio deste ano,
já alquebrado pela doença, ao sancionar o projeto do Proinveste: "Não sou
capaz de decifrar os enigmas de Deus. Deus é insondável. O que ele está
querendo com isso, não sei e nunca saberei. Mas me compete, na história, que é
no terreno onde sempre operei, buscar fazer aquilo que me fez Marcelo
Déda". E assim fez.
Texto reproduzido do site: infonet.com.br//marcoscardoso
Foto reproduzida do site: bobcharles.com.br
Postagem originária da página do Facebook/MTéSERGIPE, de 9 de dezembro de 2013.
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