segunda-feira, 12 de agosto de 2013

João Bebe-Água, um Dom Quixote.

Charge de Raí Ramos, 2005

Mudança da Capital e a Lição de João Bebe-Água*

João Bebe-Água, um Dom Quixote.
Por Thiago Fragata**

A Resolução Provicial N. 413, de 17/03/1855, chancelou a Mudança da Capital de São Cristóvão para vila de pescadores de Santo Antônio de Aracaju. Ela foi assinada pelo então Presidente da Província de Sergipe Del Rey, Inácio Joaquim Barbosa. Adiante veremos que o ato teve implicações políticas e econômicas locais além de respaldo externo.

Cenário Político - Na época dois partidos políticos dividiam e defendiam os interesses dos seus respectivos agrupamentos: o Partido Liberal, no poder durante toda a primeira metade do século XIX, defendia a economia da região do Vaza-Barris (São Cristóvão e Itaporanga); já o Partido Conservador, por sua vez, defendia a economia do Vale do Cotinguiba (Maruim, Japaratuba, Santo Amaro e Laranjeiras).

FATORES INTERNOS QUE FAVORECERAM A MUDANÇA:

Político - Em 1853 o Partido Conservador vence as eleições, toma posse Inácio Joaquim Barbosa. Esse partido sempre defendeu a Mudança da Capital. Inácio Joaquim Barbosa contribuiu para a emancipação de Itaporanga, em 1854, o que enfraqueceu o poder econômico de São Cristóvão e dividiu o Partido Liberal. Pertinente lembrar que a grande liderança desse partido, Sebastião Gaspar de Almeida Botto, fora acusado de assassinato, o que fragilizou ainda mais o partido.

Infra-estrutura - Alegando a dificuldade de escoamento da cana-de-açúçar produzida na região do Vaza-Barris uma vez que o rio Paramopama era raso e não permitia navegação de embarcações de grande porte; alegando também a dificuldade de transporte, pois a distância entre o Porto das Pedreiras e a Mesa de Rendas era de 9 KM, o que encarecia o produto, Inácio passou a defender a Mudança da Capital.

Econômico - Os investimentos se concentraram na região do Cotinguiba. Em 1855, a produção canavieira do Vale do Cotinguiba era maior do que a produção do Vaza-Barris, realidade que legitimou o plano dos conservadores.

FATORES EXTERNOS QUE FAVORECERAM A MUDANÇA:

Político - No cenário político brasileiro, com representação na corte (Rio de Janeiro), registrava-se um momento de conciliação dos ministérios e da base dos partidos. Não adiantou os liberais sergipanos apelar para os liberais da corte.

Econômico – Irineu Evangelista de Sousa, o Barão de Mauá, foi um empreendedor responsável pela modernização do Brasil. Por sua iniciativa ocorreu a implantação das primeiras ferrovias e a navegação a vapor. Assim, a economia brasileira vivenciou na Era Mauá uma re-estruturação. A tendência da antiga cidade-fortaleza, concebida no interior ou em cima de morros, era mudar para cidade-porto. Nesse sentido, Alagoas mudou sua sede de Marechal Deodoro para Maceió, o mesmo se deu no Piauí e em Sergipe.[1]

CONSEQÜÊNCIAS DA MUDANÇA DA CAPITAL.

Com a Mudança da Capital deu-se a falência da economia sancristovense uma vez a maioria dos negócios dependia da elite burocrática. O êxodo para a Aracaju foi a única alternativa para muitos. A insatisfação popular não se transformou em revolta nem foi traduzida em mortes.
A Câmara de Vereadores chegou a escrever um protesto ao Imperador D. Pedro II, que visitou a cidade em janeiro de 1860, sem efeito. O comerciante João Nepomuceno Borges, conhecido como João Bebe-Água, dizem ter juntado voluntários para impedir o traslado dos cofres públicos, viu seu plano esvaziado, foi ridicularizado como patriota louco e maltrapilho pelos agentes da manobra política.

Para Sergipe, a conseqüência positiva foi a emancipação econômica dos portos baianos e a possibilidade de estabelecer comercio diretamente com a Europa.

JOÃO BEBE-ÁGUA: LIÇÃO DE SANCRISTOVIDADE

João Nepomuceno Borges nasceu em São Cristóvão, no ano de 1823. Era filho do capitão Francisco Borges da Cruz e teve um irmão de nome Silvério da Costa Borges.

Nada sabemos da sua formação escolar. Foi escrivão interino da Alfândega e Mesa de Rendas, de Santo Amaro, a partir de 7 de março de 1836. Com a transferência dessa Mesa de Rendas para Laranjeiras, em 11 de janeiro de 1837, foi nomeado amanuense interino, sendo demitido em 4 de outubro desse ano. Logo foi promovido ao cargo de “patrão-mor” da Mesa de Rendas da Barra da Cidade, hoje Barra dos Coqueiros.[2]

Em 1847, o cidadão João Nepomuceno Borges morava em São Cristóvão, no ‘quarteirão n. 19’, mais precisamente na atual rua João Bebe-Água. Essa rua chamava-se rua do Varadouro até o advento da República (15/11/1889), quando foi rebatizada “rua da Nova Constituição”. Na data da Mudança da Capital (17/03/1855), João Bebe-Água era proprietário de quitanda.

Otimista, João Bebe-Água mudou de ocupação depois da falência nos negócios. Trabalhou como fiscal da Câmara de Vereadores de São Cristóvão, por volta de 1872 [3], e arrendou terras de um sítio nos arredores do povoado Caípe.

Durante os anos que sucederam à transferência da capital, o jacobino sancristovense manteve o juramento de não pisar em Aracaju, período que observou piamente suas obrigações religiosas. João Nepomuceno Borges era membro da Irmandade do Amparo dos Homens Pardos, freqüentando a igreja do orago regularmente. Nessa irmandade ele desempenhou quase todas as funções: foi sineiro, zelador, sacristão, tesoureiro, avalista e procurador.

O homem simples gozava de prestígio na sociedade sancristovense. Era vereador em 1864, cargo não-remunerado na época. O termo de sua posse (29/09) revela que o membro do Partido Liberal era vereador re-eleito.[4]

João Nepomuceno Borges atuava como juiz de paz em 1893. Manuel dos Passos de Oliveira Teles, juiz de órfãos de São Cristóvão, na época, afirmou ter conhecido João Bebe-Água e garante que ele “não foi louco, não foi um mendigo, era um resignado”.[5]

Tais evidências levam a refletir o quanto a imagem depreciativa de João Bebe-Água veiculada pelos seus adversários políticos deve ser ponderada. Independente de tudo e de todos, no mínimo, sua inconformidade merece admiração e o reconhecimento póstumo.

O símbolo maior da sancristovidade (amor a São Cristóvão) faleceu em 1895.

* Palestra concedida na primeira edição do CICLO DE PALESTRAS CONHECENDO NOSSA HISTÓRIA.
** Thiago Fragata é coordenador da Comissão Pró-candidatura da Praça São Francisco, de São Cristóvão, a Patrimônio da Humanidade; pós-graduando em História Cultural (UFS) e membro da ong Sociedade para o Avanço Humano e Desenvolvimento Ecosófico (SAHUDE). E-mail: thiagofragata@gmail.com

REFERÊNCIAS DE PESQUISA:
1 – SILVA, José Calasans Brandão da. Aracaju e outros temas sergipanos. Aracaju: Fundesc, 1990.
2 - SOBRINHO, Sebrão. Fragmentos da História de Sergipe. Aracaju: Liv. Regina, 1972, p. 97.
3 - FRANCO, Augusto Pereira. Compilações das leis provinciais de Sergipe – 1835 a 1880. Aracaju: Typ. de Francisco das Chagas Lima, s/d, vol. II, p. 301.
4 - Arquivo da Prefeitura Municipal de São Cristóvão. Livro de Eleição do Câmara Municipal - 1848/1893. Manuscrito.
5 - TELES, Manuel dos Passos de Oliveira. João Bebe-Água. In: __. Sergipenses. Aracaju: Typ. d’O Estado de Sergipe, 1896, p. 61.

Texto e ilustração reproduzidos de postagem feita
por Thiago Fragata no blog thiagofragata.blogspot.com.br

Postagem originária da página do Facebook/Grupo MTéSERGIPE, em 12 de agosto de 2013.

Nenhum comentário:

Postar um comentário