quinta-feira, 7 de janeiro de 2016

A Armadilha


Publicado originalmente no Facebook/Petrônio Gomes, em 10/12/2015.

A Armadilha.
Por Petrônio Gomes.

Há uma pequena escada em nossa residência que conduz a um pavimento construído sobre a garagem e demais dependências de serviço. São apenas quinze degraus, mas o declive é íngreme, de tal modo que as pessoas idosas devem usá-los com extrema cautela. Queda de velho é uma desgraça.
Nossos netos, entretanto, subiam e desciam por eles como se estivessem numa calçada, deixando-nos, às vezes, com a respiração suspensa, saudosos do tempo em que nossas articulações não nos envergonhavam. Aos sábados, particularmente, a escada virava passarela de tempestade, com trânsito cerrado em ambos os sentidos.

Certo dia, tentando apelar para a diplomacia, chamei Tiago para uma conversa. Ele tinha seis anos, idade de ouro do homem, quando nada no mundo faz medo. As quedas mais incríveis não passam de pequenos incidentes. Nessa idade, mulher também nada significa, só serve para atrapalhar. Tiro por mim: filme bom era aquele do mocinho contra os bandidos, com tesouro escondido e cavalo ensinado. Filme de amor era um purgante!

Tiago já figurava em meus registros como formador de quadrilha, pois sempre foi o aliciador dos companheiros mais novos para o seu grande leque de peripécias. Durante nossa entrevista, inventei que um gato costumava subir as escadas do meu sétimo céu, onde moram meus livros, meus discos e meus sonhos, além dos chocolates que costumava guardar para ele e seus comparsas. No final, pedi sua valiosa cooperação, no sentido de capturarmos o traiçoeiro felino, mas, na verdade, o que eu estava pretendendo era ocupá-lo com uma tarefa que mantivesse a quadrilha em sossego.
Tiago ouviu tudo sem dizer uma palavra, mas uma ideia já havia começado a faiscar em sua cabeça. Eu conheço o meu gado.

No dia seguinte, ao voltar da cidade, segui direto para o meu refúgio. Mas parei no meio da escada, diante de uma complicação que tentarei descrever: no quarto degrau, de baixo para cima, havia uma lata de leite condensado vazia. No fundo da lata, estava amarrado um cordão, que, através de um pequeno furo, o prendia a um pedaço de pau. Segui o cordão, que se achava enroscado no corrimão da escada, pelo lado de fora. Em cima, no alpendre, a ponta do cordão havia sido presa a um cabo de vassoura, e esta, por sua vez, estava colocada entre as grades do pequeno parapeito.

Debrucei-me para concluir o exame. E vi, lá em baixo, um balde com água até às bordas, colocado em local estratégico, isto é, sob a linha vertical do cabo de vassoura. Vários objetos estavam colocados depois do balde, inclusive engradados vazios, garrafas e uma gaiola velha, tudo com a finalidade de dificultar a fuga do gato, que, a esta altura, já deveria ter entrado em pânico. Sentei-me no quinto degrau, de cima para baixo, encostei a cabeça na mão e chamei Tiago. Ele apareceu, vestido numa capa esvoaçante, presa ao pescoço por uma fivela; tinha também um chapéu preto na cabeça, pois esta indumentária era o traje favorito de um vingador qualquer.

Tiago estava visivelmente contrariado com a interrupção do meu chamado, mas compareceu. Quando lhe perguntei que diabo era aquilo tudo na minha escada, ele me olhou com extrema paciência e explicou:
- Vovô, o gato vai subir a escada, não vai? O senhor não disse que ele sobe todo dia? Vai subir e achar a lata. Vai pensar que tem comida na lata, mas não tem. Quando ele meter a cabeça na lata, a corda tira a vassoura do lugar, lá em cima. O gato vai pensar que a vassoura está presa e termina caindo no balde. Quando sair do balde, não vai poder passar por cima das garrafas e da gaiola, porque está apavorado.”

Depois afastou-se, balançando a cabeça diante da lentidão do meu pensamento. Deixei no mesmo lugar a armadilha do meu neto e pedi a todos os familiares que me deixassem com minhas reflexões.
Eu inventei a história do gato para comprar silêncio. Tiago inventou uma armadilha que, se funcionasse, faria mais barulho do que ele e sua quadrilha.

Na manhã seguinte, já esquecido de tudo, tropecei na vassoura, escorreguei na corda e agarrei, molhado de suor, o corrimão da escada. Por um triz, não caí lá em baixo, dentro do balde. Pois queda de velho é uma desgraça.

Texto e imagem reproduzidos do Facebook/Fan Page/Petrônio Gomes.

Postagem originária do Facebook/MTéSERGIPE, de 2 de janeiro de 2016.

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