sábado, 14 de abril de 2012

A Balsa


Foto: arquivo Fernanda Cabral.

Era um Pontiac (carro da G.M.), ano 1948, hidramático, ou seja, tinha uma caixa de marcha automática.
Só tinha dois pedais, um do acelerador, outro do freio.
Na coluna de direção a alavanca de marchas, com Ponto Morto, Drive com 1ª, 2ª, 3ª e 4ª marchas normais, L.O. com 1ª e 2ª marchas reduzidas e ré.
Hoje, é comum, mas em sua época, uma raridade.
Como as marchas de força engatavam bem e sem tranco, eram muito úteis quando faltava freio, ou na hora de dar “cavalo de pau”.
Era grande, imponente, grande grade cromada na frente, com pára-choques em aço inox escovados, faixas brancas nos pneus e em cima do capô a imagem do cacique Pontiac, chefe otawa que liderou importante insurreição na América do Norte ocupada por ingleses.
Olhado à distância parecia preto, mas de perto, com luz forte, percebia-se sua rara cor Azul Noite.
Só tinha dois no Estado, um do pai de Decinho Garcez, o outro a Balsa, adquirido por meu pai ao pai de Zé Goiamum (Zé Garcez), se não me engano.
Depois de anos de uso, a caixa automática pifou e foi preciso importar uma.
Demorou muito e, meu pai aproveitou para fazer um serviço geral de pintura e estofamento.
Quando ficou pronta, meu pai já tinha adquirido um Jeep Willys todo maceteado e a Balsa foi ficando na oficina, a ponto de não se identificar sua cor, de tanta poeira.
Tinha eu, na época, uns 18 anos e, fui ao meu pai e pedi o carro para mim.
Depois de alguma dúvida, concordou, mas com a condição de mantê-lo com minha mesada.
Sai aos pulos de alegria, mas logo cai na realidade, pois a bateria já tinha pifado.
Após muita negociação, ele pagou uma bateria nova e pude finalmente, trazer MEU CARRO, para casa.
Foi meu grande companheiro nas primeiras farras, primeiras aventuras sexuais e namoros.
Era pau para toda obra, chegando a fazer verdadeiros rallys com ele.
As outras turmas morriam de inveja, pois só os “Balseiros” tinham um carro.
Como consumia muito, meu pai trocou o carburador original, pelo famoso carburador “Pé preto” Chevrolet, mais econômico.
Mesmo assim, a despesa era demais para mim, que às vezes o deixava parado em qualquer lugar, por falta de gasolina e de dinheiro para comprá-la e, ficava usando minha Lambreta, até conseguir dinheiro.
Nos fins de semana, fazíamos uma vaquinha para a gasolina e ai, íamos para as festas na Balsa, que chegou a levar ate 18 pessoas, gente até na mala.
A minha avó Mariazinha, também me salvou muitas vezes, financiando a gasolina.
Quando estourava um pneu ou quando quebrava, era um problema ainda maior.
Minha salvação?
Torneirinho, mecânico amigo de meu pai, que condoído pela minha quebradeira, não trocava peças, e sim, dava um jeito e, não cobrava. Nunca o vi trocando peças.
Como pagava?
Quando me sobrava algum dinheiro, inventava algum conserto e ia à oficina aos sábados, ficava esperando até fechar e ia com ele ao bar da esquina beber cerveja e comer um torresmo especial que o dono do bar fazia.
Quanto aos pneus, eram aro16, raro de encontrar usado. Novo, nem pensar em comprar e de Jeep, também aro 16, era uma afronta usar.
A Balsa me fez passar por algumas situações inusitadas:
1ª – Como andava carregada, as molas traseiras cansaram e foi preciso arqueá-las. Ficou com a traseira muito alta e, não tinha condições para mandar corrigir.
Solução?
Uma noite na volta de uma festa, vimos um monte de pedras de construção com uma delas enorme. Foi preciso quatro de nós, para colocá-la na mala. Ganhou o apelido de carinhoso de “O Cisco”.
A Balsa ficou uma beleza, com a altura certinha.
Problema?
Quando fazíamos uma curva em velocidade, daquelas que ficava todo mundo olhando para trás, para ver se tinha arrancado uma faixa branca (era suposta), “O Cisco” corria para um lado e a Balsa ficava toda torta.
Solução?
Trocamos o dito cujo, por três sacos cheios de areia.
2ª – Só colocava gasolina aos poucos.
Certo dia, ganhei um dinheiro a mais e, todo prosa, parei no posto de Miraldo, na Praça do Palácio, e com a boca cheia, ordenei: Encha! Era a primeira vez que o fazia.
Saí da Praça do Palácio e ao chegar à esquina da Barão de Maruim, o tanque caiu, para meu total desespero, vendo toda aquela gasolina derramar.
3ª – No Tecarmo, a Petrobras estava fazendo o oleoduto, com uns tratores enormes entrando mar adentro, levando os tubulões que os rebocadores puxavam à medida que iam sendo soldados.
Distraídos, ficamos apreciando e, a maré enchendo.
Querendo vir embora, dei partida e a Balsa, não pegou.
Problema?
A Balsa por ser hidramática, só pegava “no empurrão” depois de atingir 40 Km/h.
Pedimos ao engenheiro, para um trator rebocar a Balsa, mas ele disse que só quando terminasse o serviço. Na última hora, a água quase chegando ao carro, ele autorizou, o trator rebocou o carro, que pegou e conseguimos nos safar.
4ª – Quando ficou mais velha, apareceu um buraco no piso, que nos dias de chuva molhava quem ia no banco da frente.
Resultado?
Com chuva, todo mundo queria ir no banco traseiro.
5ª – Saímos para caçar eu e Milton Barreto.
Na volta da caçada, um pneu furado.
Problema?
A Balsa não tinha macaco.
Escoramos o eixo traseiro com uma pedra, cavamos um buraco debaixo do pneu, fizemos a troca e depois penamos para tirar a Balsa de cima da pedra e de dentro do buraco.
6ª – Um dia vinha descendo a Barão de Maruim, e no trecho entre Lagarto e Arauá, ouvi o barulho de um ferro tilintar (blem, belém, bem, bem ,bem). Achei que tinha pisado em algum pedaço de ferro.
Qual nada. Ao fazer a curva para entrar na Rua da Frente, a Balsa desabou de um lado.
Peguei a Lambreta e fui procurar Torneirinho.
Diagnóstico?
A Balsa tinha na dianteira, um amortecedor, tipo relógio, que ficava em cima do chassis e desciam dois braços para a manga de eixo.
Pois bem, um desses braços tinha partido e causado o problema.
Perguntou Torneirinho: Não ouviu nenhum pedaço de ferro cair?
Lembrei do ferro tilintando seis trechos atrás e fomos procurar.
Depois, foi só desarmar, soldar e montar.
7ª- Fomos a uma festa na Rua de Frei Paulo, na casa de Sonia Centurion.
A rua não era calçada e, lá chegando, ao procurar estacionar no escuro, vi o que parecia ser uma graminha. Que nada, era uma vala enorme com um capinzinho enganador. A Balsa caiu dentro, ficando com uma roda traseira no ar.
A partir daí, apareceram uns estalos estranhos. Tinha partido o chassi e a lataria, tão forte, agüentou vários dias até que descobríssemos a origem dos estalos.
Já cursando a Faculdade de Medicina, ainda no tempo das Kombis de passageiro, era um abuso total, pois só andavam pelo meio da Avenida Barão de Maruim, porque não tinha buracos, expulsando todos os carros e, só respeitavam a Balsa, pois eu também só andava pelo meio da avenida e não abria para ninguém.
A concertista Maria Lívia São Marcos quando por aqui esteve para uma apresentação no Teatro Atheneu, tomou-se de amores por Sergio Garcia.
A Balsa era o meio de transporte para a farra, a concertista tocando bossa nova ao violão, e Célia (cantora paulista) cantando, para o nosso deleite.
Certo dia bateu o motor. Foi para uma oficina na Praça do Cemitério Santa Izabel, onde ficou alguns anos sem que eu conseguisse conserta-la.
Foi vendida e, nunca mais a vi.
Foi a responsável, entre outros motivos, pela união da nossa turma, sendo citada juntamente com os Balseiros, por diversas vezes, nas colunas sociais. Nunca vi isso, em lugar nenhum.
Os Balseiros:
Rapazes: Eu, Paixão, Duílio, Curvelinho, Chico Fontes Lima, Tadeu, Pedrito Barreto, Theobaldo, Tonho Rezende, Roberto Botelho, Roberto Paulista, Sergio e Renato Garcia, Toinho Barbulino, Tidê, Raul Rollemberg, Serjão, Virgilio, Douglas, Wilson Bolinha e Ivan.
Garotas: Tetê, Beth, Ângela, Fernanda, Nilva, Sandra, Nize e Soninha, Vivian, Eliana Chocolate, Ailse, Miriam e Júlia Garangau e Kátia Veloso.
A turma variava muito, pois alguns andavam conosco uma época, depois sumiam, voltavam e assim íamos levando.
Caso tenha esquecido de alguém, favor me lembrar.
Aracaju, 02/06/08
Guerrinha

Postagem original na página do Facebook em 6 de janeiro de 2012.

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