sábado, 17 de março de 2012

"Rua Vila Cristina n. 68"


"Rua Vila Cristina, nº 68
Esse passou a ser o nosso endereço, alguns anos após a morte de vovô Cabral. Saímos de sua casa, a Vila Cabral, e viemos para a Rua Vila Cristina. Em parte pela sua aparente ausência, mas principalmente, pela constante presença através das lembranças e da saudade... Eu começava a entender que, quando a gente está de luto, não é só pela perda do ser amado, mas também pela parte de nós que se perde com ele. A vida estava começando a me colocar em contato com sua dura realidade.
Anos depois vimos que essa mudança foi uma benção para todos nós. Chegamos à Rua Vila Cristina no ano de 1962. Eu tinha exatamente 11 anos de idade. Era uma criança e pensava e agia como tal. Minha primeira amiga na nova rua foi Cecília Martins. Depois vieram Vivian Lima e Ana Beatriz Buarque.
Nessa época conheci Laura Cecília. Mais nova do que eu, tinha 08 anos apenas, mas isso não foi impecilho para que ficássemos amigas e que ela se tornasse uma espécie de mascote da nossa turma. Ela era viva, curiosa, inteligente. Estava sempre onde eu estava e teve até direito a um apelido carinhoso colocado por Renato Conde Garcia: a Garota de Liverpool. Apelido colocado por causa das roupas transadas que Dinha trazia para ela do Rio de Janeiro. E como nossos pais eram muito amigos ela sempre estava lá em casa.
Foi aí que a vida de todos mudou... Guerrinha foi estudar no Ginásio de Aplicação, Beth e Ângela no Colégio Nossa Senhora de Lourdes e eu fui para um educandário (não me lembro do nome) na Rua Santa Luzia e cuja proprietária era D. Julia (tia de Geraldão). Foi nesse educandário que fui preparada para o exame de departamento realizado pela Secretaria de Educação. Naquela época só fazia o exame de admissão quem passasse nesse exame. A nota máxima era 10 e eu passei com média 9,9. Ainda tenho esse certificado. Logo fiz o exame de admissão para o Ginásio de Aplicação e passei também. Lembro que foi dificílimo. Era composto de prova escrita e prova oral com dois examinadores. Para mim foi complicado, pois estava com escorbuto. Imaginem uma filha de médico com falta de vitamina C no organismo. Uma doença já erradicada. Fato que deixou papai bastante chateado.
Guerrinha ao acabar o ginásio passou para o Ateneu e as meninas também.
Mas deixa-me falar como era o nosso trecho de rua. Na esquina com a frente para a Praça Camerino era a casa de D. Marita Sobral, mãe de Geraldo e José. Vizinho a ela era a nossa casa, depois a dos Fonseca (Sr. Eduardo Fonseca e D. Aidil, pais de Silvinha, Aidil e o filho homem), depois vinha a casa dos Martins (Sr. Nelson, D. Deruchete, Cecília e Nelsinho), a casa de Dr. Olavo (pai de Amelinha e da irmã), a casa dos Amado ( Sr. Paulo, D. Mercedes, Tonho Amado, Zé Amado, Doda, Dudu e Paulinho) e na esquina com a Rua Senador Rolemberg era a casa de D. Ester. Anos depois a casa de Sr. Eduardo Fonseca foi vendida à família Lima (Sr. Rodrigo, D. Alice, Rita, Douglas, Vivian, Rodriguinho e Popô).
Do outro lado da rua, da Rua Senador Rolemberg para a Praça Camerino, ficava a Associação Atlética de Sergipe, um terreno baldio que depois virou um campo de futebol do clube, a fábrica de gelo, a casa de Senhor Batalha, D. Elzinha, Licia e os irmãos. Anos depois essa casa virou a Clínica de Acidentados, e na esquina com a Praça Camerino era a casa de D. Zulnara, avó de Zulmira.
Ah! Foi na Rua Vila Cristina que um mundo novo passou a se descortinar para mim. Despi o manto de inocência da infância e vesti o das descobertas da adolescência. Descobri coisas que nem sabia que existiam (a descoberta do meu corpo e de sentimentos como o amor, a ternura e a amizade verdadeira). Despertei, então, para as paqueras. Os namorados naquela época nem pegavam nas mãos. Braço no ombro nem pensar e o beijo era um sacrilégio. Tive algumas paqueras antes de namorar com aquele que seria o meu marido.
A varanda da nossa casa era privilegiada, pois dali víamos passar os estudantes do Ateneu e do G.A.. Era um desfile diário de estudantes para lá e para cá.
A década de 60 foi mágica... Época de mudanças no estilo de vestir, nas danças (rock e twist) e no comportamento também. Época dos Beatles e da Jovem Guarda. Passei a ter consciência dessas mudanças e comecei a desfrutar das coisas boas que a vida me dava. Papai passou a dar a chave da porta, mas só podíamos usar quando saíamos a três irmãs juntas. Foi quando passamos a sair acompanhadas por Guerrinha. Papai que sempre foi um homem festeiro de repente se afastou e passou a responsabilidade para os ombros de meu irmão. Guerrinha era de uma rigidez a toda prova e ai da irmã que o desobedecesse... Ele seria capaz de tirá-la da festa na mesma hora.
A nossa casa era o ponto de encontro dos amigos: Max Rolemberg, Milton Barreto, Raul Rolemberg, Josilávio Araujo e Marcelo Marinho (colegas de Guerrinha na Faculdade de Medicina), Paixão, Ivan, Pedrito Barreto, Teobaldo, Duílio, Pedrão, Betinho, Tidê, Toinho Barbulino, José Francisco Fontes Lima, João Aragão, Aurinha, Antônio Sérgio dos Anjos, João Monteiro, Laura Cecília, Nilva, Bárbara, Eliana Chocolate, Licia, Jussara Maynard, Kátia Veloso, Vivian, Cecilia, Douglas, Elygio, Tadeu, Roberto Botelho, Tonho Rezende, Mané e Guila Rezende, Sergio e Renato Garcia, Pedro Marcelo, Lili e Bete Prado e Ana Beatriz Buarque. Sempre tinha um violão tocando e alguém cantando. Será que esqueci alguém?
Em Aracaju naquela época existiam algumas bandas formadas por amigos: The Tops por Pascoal Maynard na bateria, Marcelo Brito de Melo na guitarra solo, Marcos na guitarra base, Pithiu no contra baixo, e Rubinho no órgão eletrônico. Esta foi a formação inicial. Depois vieram: Tonho Baixinho, Wellington Menezes Barbosa, John Manush (um americano que aportou por aqui), as Moendas (Lina e Adi) – vocais, Nandika na guitarra e Marquinhos na bateria.
Os Top Caps, na sua primeira formação, era composta por: Edgarzinho no teclado, Paulo Amilcar na bateria, Zé de Otília e Hermercílio nas guitarras, Marcos e Tonho Baixinho - vocais. Na sua segunda formação tinha: Edgarzinho no teclado e guitarra, Sérgio Garcia e Lobinho nos violões e vocais, Anchieta vocal, Paulo Amilcar na bateria, Marco e Orlando nas guitarras e Pedrão, eventualmente, na gaita. Lembro de alguns ensaios no local onde era a boate Segredo na Atlética. Os mesmos eram à tarde e os amigos participavam. E virava uma festa improvisada.
Os Águias banda que foi incentivada por Tenisson Freire, comodoro do Iate Clube de Aracaju, e que ensaiava no barracão dos barcos do clube era composta por: Toninho na guitarra solo, Beno na bateria, Luiz Mário no baixo, Tosca (depois Orlando) na guitarra e Zenóbio no teclado.
Os Nômades, banda originária da cidade de Itabaiana, na sua primeira formação, era composta por: Anatólio na bateria, Jorge Roberto Silveira e Luiz nas guitarras, Airton no contrabaixo e vocal de Chico. Já na sua segunda formação contava com: Jorge Roberto Silveira na guitarra, Anatólio na bateria, Lisboa vocal, Edgarzinho no teclado e Airton contrabaixo.
Os meninos da turma tinham mania de fazer serenata na porta lá de casa, o que deixava papai possesso. Ele sempre perguntava a mamãe se eles não tinham o que fazer.
Na década de 60 começaram a surgir as boates. Foi inaugurada a boate Catavento na Associação Atlética de Sergipe. A Top Som embaixo do Hotel Palace e cujos proprietários eram Antonio Manoel, Wilson do Gavetão e Gilberto Vilanova.
A boate Stallo, no Atalaia Clube, cujos proprietários eram Edgarzinho e Beto Silveira tendo como “assessores”: Renato Conde Garcia e Carlos Manoel Burgos. Lembro de ter ido a uma festa de reveillon lá. Só não lembro o ano. Começavam, assim, “os embalos de sábado à noite”.
A boate Oxente, no Cotinguiba, cujo proprietário era Alfredinho. Se não me engano, essa última já na década de 70.
Foi a época das festas em casas de amigos, na Associação Atlética de Sergipe, no Iate Clube de Aracaju e no Clube dos Médicos, de idas à praia de Atalaia, dos banhos de piscina na Atlética, dos torneios de buraco, aliás, tudo era motivo de uma festa.
A festa do Havaí no Clube dos Médicos que colocaram um estrado na piscina e a orquestra de Medeiros tocando nele. Final da festa Medeiros e sua orquestra acabaram tomando banho de piscina porque foram jogados nela.
Nas tardes de sábado papai ia jogar tênis com seus amigos Blanar, Ascanio, Bragancinha, Anquizes e o prof. Candido. Gostava de vê-los jogar. Eles participavam de torneios em Propriá e em Penedo. Papai tinha uns amigos lá da família Peixoto Gonçalves. Guerrinha às vezes acompanhava papai nessas viagens.
Com a inauguração da piscina da Atlética passávamos os dias de férias nela. Nessa época existia um maitre estrangeiro que se chamava Thomas Van Dick. Papai caiu na besteira de autorizar a ele que nos atendesse no que pedíssemos e que depois a conta seria por ele acertada. Todo dia de tarde tinha uma conta de daiquiris nevados tomados por nós para papai pagar.
Lembro ainda de algumas pessoas que trabalhavam lá: Bispo sempre calmo e com um sorriso nos lábios, Tertulino (o cobrador), Frances (que ficava na sorveteria), Amor (cozinheira) e que sempre me dava uns petiscos, Bota fogo (eletricista), Sr. Pedro, o garçon Pelé e Izaildes que trabalhava na secretaria.
Nos carnavais, durante o dia, era na Atlética que a turma brincava.
A Associação Atlética de Sergipe era um clube acolhedor e na década de 60 foi quase que uma extensão da nossa casa. Um crime o que fizeram com o clube. Vendê-lo numa transação mal explicada e depredá-lo do jeito que fizeram. Hoje ao passar na Rua Vila Cristina meu coração se aperta de tristeza ao ver um patrimônio como aquele no estado que ficou.
Ainda na década de 60, Guerrinha estava na faculdade de Medicina, Beth na Faculdade de Direito, Ângela na Faculdade de Medicina em Salvador e eu noiva esperando a data do casamento.
Abdiquei do sonho de ser médica, para casar e constituir família. Casei no ano de 1970, mas estava diariamente, à tarde, na Rua Vila Cristina, 68. Para sempre estava ligada àquele endereço até o dia que vovó vendeu a casa para a Construtora Norcon que construiu no lugar dela o Edifício Vila Cristina.
Interessante, achava que tinha passado mais anos na Rua Vila Cristina. De 1962 a 1970 quando casei. Os anos que vivemos ali foram tão bons que contaram cada um como dois ou três. Como se isso fosse possível. Naqueles anos o romantismo foi vivido e cantado em versos e prosa e por isso eles serão sempre os nossos anos dourados".

(Fernanda - Aracaju, 2009/2012)

Postagem original na página do Facebook em 12 de janeiro de 2012.

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