terça-feira, 27 de março de 2012

Quando Conheci Carmelita Fontes


Conheci  Carmelita Fontes numa fase bastante delicada da minha vida. Cheguei  em Aracaju rapazote, formado nas securas de Simão Dias. Tinha a cabeça esponjosa de sonhos absorvendo curiosas novidades: gente apressada, marinete cheia, ruas sem fim, carestia de vida.
Mas a cidade me recebeu com cuidados de madrinha, tomando-me a mão em seus caminhos perigosos por suas calçadas íngremes, seus casarões misteriosos entrevistos pela ramada dos jardins, seus incompreensíveis elevadores pantográficos que me levariam ao topo do mundo no último andar do edifício “A Moda”, de onde se via um pedacinho do mar.
E o mar, para um sertanejo como eu, era uma divindade líquida lambendo os pés das pessoas, num leva-e-traz de mistérios. Um açudão se derramando no horizonte com ruídos de besta-fera!
A visão dele ainda hoje me atormenta.
Chegado aqui sem emprego, intelectualmente solitário e sem convívio social, passava horas sentado no parque Teófilo Dantas, comendo pipoca Lyrio do Valle e escrevendo poemas num caderno de capa dura. Amassado dentro dele um calhamaço de poemas juvenis, precariamente datilografados em papel de seda; cor de rosas para os de amor, amarelos para os de espanto e azuis para as esperanças.
Mas então me apresentaram a Carmelita Fontes. Fui a uma reunião da Academia Sergipana dos Jovens Escritores que ela criara e fiz o teste para freqüentá-la, que consistia em escrever um poema ali, na hora, em cima de um tema proposto por Carmelita. O meu foi “Uma Gota D’água”.
Ora, para um rapaz vindo do sertão, falar de uma gota d’água, da falta ou da fartura dela... foi fácil. Tanto é que passei.
A convivência com a Academia me trouxe dois grandes benefícios: a integração com a juventude intelectualmente atuante da cidade e o bendito acesso à orientação de Carmelita, aos seus conselhos literários, aos cuidados quase maternos que ela dedicava a um jovem escritor em plena formação.
Todos nós, que passamos pelo seu gabinete, ali na Rua Arauá, fomos beneficiados pelo garimpo aos tesouros da sua biblioteca, pela leitura de suas crônicas e poemas e, principalmente, pela convivência com a excelência literária que ela, com absoluta maestria e capacidade de liderança, reunia em torno de si, para distribuí-la.
Todos nós, os que passamos pela Academia dos Jovens Escritores, devemos a Carmelita Fontes a moldagem perfeita dos nossos melhores ideais.

Gratidão.
Amaral Cavalcante

Postagem original na página do Facebook em 27 de março de 2012.

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