terça-feira, 3 de fevereiro de 2015

Dom Luciano


Publicado originalmente no Facebook/Petrônio Gomes, em 28/01/2015.

Dom Luciano.
Por Petrônio Gomes.

Podemos crer que tudo já foi dito a respeito do nosso Arcebispo emérito, quanto à sua brilhante carreira e à sua inestimável atuação, como religioso e educador, em prol de Sergipe. As penas mais brilhantes que enaltecem nossas letras recapitularam os passos de sua admirável trajetória e teceram os justos e devidos encômios ao seu magnífico trabalho. Se espaço houver, entretanto, para mais uma homenagem ao ilustre aniversariante, desejaria ilustrar meu grande abraço de parabéns com uma simples crônica que lhe ofereço, fruto que tirei de minhas caras lembranças.

Certa vez, abordei Dom Luciano para fazer-lhe um pedido. Como responsável pela programação da “escolinha” do Cursilho, eu precisava agendar uma palestra para a segunda-feira seguinte e já era a noite de sexta-feira. Ele tirou uma caderneta do bolso, escreveu a data do compromisso e me perguntou qual o tema da palestra. “Satanás”, respondi. Ele riu e aceitou. Era a primeira vez que no Cursilho de Cristandade alguém pedira a um bispo para falar do diabo.

Na noite da segunda-feira, o salão do Cursilho estava lotado e eu já sabia disso. Dom Luciano chegou, fez a prece costumeira e tomou a palavra. Durante uma hora e vinte minutos, não se ouvia um ruído sequer na sala. Muitas pessoas haviam chegado de outros ambientes, lá nas dependências da Rádio Cultura, e não havia assentos para todos.

Fiquei observando a plateia, pois eu me encontrava de frente para o público, fazendo parte da mesa. Todos estavam como que dominados pela exposição do tema. Dom Luciano ia e vinha através dos textos sagrados, com aquela sua invejável facilidade de expressão. E todos saíram com uma verdade no espírito: "Quem não crê em Satanás, está francamente do lado dele..."

Fui aluno da Faculdade de Filosofia, da querida Faculdade que ele desenhou e construiu. Ela estava novinha em folha, ainda com aquela felicidade de debutante, mergulhada no entusiasmo quase infantil dos alunos e professores. Certo dia, Don Luciano nos deu um presente de rei: entrou na Faculdade com um visitante que ninguém conhecia. Reuniu todos os alunos e anunciou uma palestra que ouviríamos em seguida. Sabem quem era o visitante? O Professor Mello e Souza, o famoso “Malba Tahan”, autor de “O Homem que Calculava”, “À Sombra do Arco-Iris” e de tantos outros livros que empolgaram meus dias de menino. Foi uma ocasião inesquecível. Pouco depois, o Professor Mello e Souza viria a falecer, parece que em Fortaleza.

Dom Luciano fez da Rádio Cultura o seu púlpito, com programas diários que apresentava às 6,30h, além da grande apresentação dominical, com a Santa Missa e a Hora Católica, às 12,30h. Eu prestava assistência ao “Café Aragipe”, de Theódulo Cruz, já falecido. Na hora do programa matutino, o balcão da lanchonete vivia cheio de fregueses. Um desses fregueses era um protestante de mão cheia, mas que se empolgava, como todos os outros, pelas imagens que Dom Luciano criava. Certa vez, quando Dom Luciano se despediu, ele pagou o café e nos disse: “Sabe de uma coisa? Esse bispo ainda termina me convertendo." Contei esta passagem a Dom Luciano, que riu a bom rir.

Fui colega de profissão de Carlos Cabral Duarte, seu irmão. Assisti ao sepultamento do seu pai, José Góes Duarte e de seu irmão. Ouvi quando ele cantou a oração de São Francisco, no cemitério, diante do ataúde, com a voz inflexível de homem de fé.

Mas nosso Arcebispo era também o homem de atitudes firmes, diante de certas circunstâncias. Costumava viajar pelo interior do Estado, em obediência à sua tarefa social. E, passando pelas vizinhanças de São Cristóvão, via aquela série de ‘motéis” espalhados pela rodovia. Repugnava-lhe, como pastor de almas, aquele descalabro. Uma vez, durante o programa da Hora Católica, ele não se conteve: "Que a maldição de Deus caia sobre aquilo.” Resistiu também, de viva voz, quando foi praticamente afrontado por militantes de uma seita, no interior do Estado.
Há uma ira santa, e Dom Luciano tinha, às vezes, esse rubor que não pode deixar de existir na alma dos zelosos de Deus.

Recebi dos meus filhos o presente inestimável de uma viagem à Europa. Levei na bagagem um roteiro que escrevi cuidadosamente, baseado, em muitos pontos, nas aulas de Dom Luciano. Foi por sua influência que fiz questão de visitar Chartres, lembrando uma frase que ele nos disse: “Os operários trabalharam lá em estado de graça, e a gente sente um impacto quando penetra em seus umbrais...”

Receba, meu caríssimo Dom Luciano Duarte, este meu grande abraço pelos seus noventa anos. Obrigado por suas palavras, pelo seu trabalho, por cada homilia proferida em sua querida Igreja do São Salvador. Tenho plena certeza de que, se ainda estivesse em seu poder tomar do microfone para responder aos artigos que foram escritos em sua homenagem, todos ficaríamos silenciosos como sempre...

Texto e imagem reproduzidos do Facebook/Petrônio Gomes.

Postagem originária da página do Facebook/MTéSERGIPE, de 3 de fevereiro de 2015.

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