terça-feira, 15 de abril de 2014

"Escute Aqui, Tobias"



"Escute aqui, Tobias"
Por Petrônio Gomes.

“Você não está percebendo nada? Quando a gente gosta de uma coisa, Tobias, ela não é guardada hoje aqui e amanhã, em lugar diferente. Tem lugar certo, destacado, para que as visitas compartilhem de nossa alegria em possuí-la. Somente quando deixamos de prezar um objeto, é que não encontramos lugar na casa para ele, largando-o em qualquer canto obscuro, atrás de uma cama, em cima do guarda-roupa. Você tinha pousada certa, Tobias, lembra-se?”

A Praça Pinheiro Machado (hoje Tobias Barreto) ficava engalonada e alegre para receber seu carrossel; aquelas árvores recebiam luzes da noite para o dia. Você ainda era jovem e seu riso mais simpático. Nunca lhe colocaram onde não houvesse uma Igreja por perto, pois o melhor da festa era esperar pela Missa do Galo. E a garotada, lá na Igreja, muito contra a vontade, ficava escutando o seu apito estridente, doida para voltar. Nunca deixou de haver filas em torno de seus cavalinhos, tão disputados pelos pais cansados e impacientes. Se para outra parte se levavam os meninos, era por não ter sido possível encontrar vazio um dos seus pequenos corcéis. Ninguém achava graça na roda gigante como no seu carrossel, Tobias, mas os tempos foram passando. Você hoje está encanecido e usa óculos.

Os velhos foram se desgostando dos ruídos de que tanto gostam as crianças. E resolveram tirar Tobias. Onde colocá-lo? Todos fazem a mesma pergunta e uma meia dúzia de adultos fornece a resposta, que deveria pertencer aos meninos. Procura-se uma praça distante, onde a algazarra dos que estão contentes com esta vida não perturbe a muitos desiludidos. Essa Praça não existe. Os meninos começam a reclamar, cada vez que avistam os cavalinhos deitados, as barcas desarmadas e os aviões pelo chão.

Na Praça Pinheiro Machado? Não serve. Existe ali um Colégio de Freiras e não se sabe se a praça pertence ao colégio ou a cidade. No Parque? Também não. A festa é dos meninos, mas a gente grande é que estraga tudo o que está bem cuidado. Na Praça da Bandeira? Existe um Hospital nas vizinhanças.

Terminaram arranjando um lugar que não é praça nem tem Igreja, mas tem um nome pomposo: Esplanada do Bomfim. Fui vê-lo, Tobias, lá em cima do guarda-roupa, esquecido e de cabelos brancos. Os velhos já estão cansados e fartos do burburinho e jogaram Tobias atrás de um circo. Não deixaram um espaço para a garotada estirar as pernas, pois existe a construção da Estação Rodoviária.

Mas eu fui. E aqui estou para prestar-lhe minha solidariedade, velho Tobias. Agradeço-lhe pela expressão de felicidade que vi no semblante das crianças. Elas são alegres durante todo o ano, mas na época do Natal é que podemos ouvir em coro toda a pureza dos risos infantis. Percorri todos os brinquedos, comprei pipocas, carreguei nos braços minha caçula adormecida.

No próximo ano, Tobias, qual será o lugar da sua cidade de sonhos? Talvez concordem em deixar mais uma vez seu carrossel na Esplanada. Ficarei torcendo para não lhe mandarem para a Estrada da Cerâmica, para trás da Caixa d'água, para o inferno...

(Crônica originalmente publicada na 'Gazeta de Sergipe', em 27 de dezembro de 1959)

Notas do autor:
"Tobias" - nome dado ao boneco principal do carrossel.
"Praça Pinheiro Machado" - hoje chamada 'Tobias Barreto'
Colégio de Freiras - Colégio Patrocínio São José

"Esplanada do Bomfim" - como era conhecida a região onde hoje se localiza a rodoviária velha. No lugar onde hoje fica o supermercado Bompreço, havia um morro de areia, conhecido como 'Morro do Bomfim'.


Postagem originária da página do Facebook/MTéSERGIPE.

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