quarta-feira, 8 de janeiro de 2014

Os Afoxés em Sergipe

Foto: Alberto Dutra

Artigo publicado na Revista Rever, em 13 de dezembro de 2013.

Os Afoxés em Sergipe: Articulações Políticas e visibilidade Religiosa.

As festas de celebração aos Orixás tem uma trajetória recente em Aracaju, se diferenciando da formação em Salvador. Em artigo para a REVER, Lili Santana trás o histórico desses grupos e suas relações com partidos políticos

Por Lili Santana*

No dia 08 de dezembro, dia de Nossa Senhora da Conceição/Oxum ocorre o cortejo de afoxés na Orla de Atalaia em Aracaju. Esse cortejo completa sua nona edição este ano. No entanto, também existem afoxés que não fazem seus cortejos nesta data, mas em dias específicos homenageando os seus orixás.

Mas o que é afoxé? Afoxé é uma manifestação cultural que busca dar visibilidade aos elementos do candomblé para a sociedade através de rituais e símbolos que remetem à religião (roupas, adereços, músicas, danças e instrumentos musicais) e tem como elementos principais que o caracterizam: o ritmo ijexá e o cortejo. Eles também têm como pauta discursos de resistência cultural e luta étnica pela valorização do negro enquanto ser social.

Os afoxés no Brasil surgem primeiramente na Bahia, mais especificamente no ano de 1895, em Salvador, período de fortes proibições a elementos que remetessem ao candomblé e à cultura negra. Naquele momento, havia no país a campanha higienista e uma busca pelo embranquecimento da população. Neste cenário surgem os primeiros afoxés evidenciando o candomblé nas ruas da cidade, demarcando um espaço territorial e se fazendo presente enquanto meio de resistência cultural dos negros na sociedade baiana. Esse período passa a ser denominado de “africanização” da Bahia por remeter-se ao passado de origem africana e começar a utilizar elementos que situem essa origem. Esse ideal de “africanização” espalhou-se por vários estados brasileiros.

Foi também através da saída dos afoxés às ruas que se criou o carnaval em Salvador, ainda não o carnaval como conhecemos atualmente, mas uma espécie de proto-carnaval que culminaria com o carnaval atual.

No século XXI (precisamente em 2005) aparecem os primeiros afoxés em Sergipe, em contextos completamente diferentes dos encontrados na Bahia. Diferente de Salvador, os que se iniciam em Sergipe estão fortemente ligados à política partidária, contudo os discursos utilizados são similares aos mesmos do século XIX, valorizando a busca pela origem africana e valorização étnica.

A religião a qual os afoxés estão vinculados em Sergipe é o candomblé, o qual se utiliza do calendário católico para produzir suas festas. Nesse sentido, é utilizada a correlação entre os santos para que a festa se desenvolva no mesmo dia. Sendo assim, é vinculado ao ciclo de Oxum (um dia de homenagens ao orixá Oxum e concomitantemente a santa católica Nossa Senhora da Conceição) que vai surgir o primeiro afoxé sergipano e, posteriormente, alguns outros afoxés.

O afoxé Omo Oxum, foi o primeiro afoxé a surgir em Aracaju. Ele apareceu em 2005 como um afoxé exclusivamente feminino. O nome Omo Oxum dado a esse afoxé está relacionado à descendência do terreiro Abaçá São Jorge que é matriarcal e descendente de Oxum, tendo em vista que Oxum era o santo de cabeça de Mãe Nanã a matriarca do terreiro Abaçá São Jorge, a qual se tornou uma mãe de santo famosa e muito reconhecida em vários lugares do país.

Desde o período de Mãe Nanã, já havia fortes ligações com a política sergipana, alguns mencionando que ela tinha excelente relação com o governador do Estado Leandro Maciel, encontrando nele um bom aliado. Assim, Marizete dá continuidade aos trabalhos anteriores e também se consolida como sacerdotisa de grande reconhecimento no estado e em vários lugares do país, cercando-se também de aliados influentes, o que possibilitou o contato dela com os políticos locais para viabilizar o surgimento do afoxé.

Pautado na articulação política surgiu o primeiro afoxé de Sergipe, criando oportunidades para que outros afoxés também pudessem ser criados. Sendo assim, em 2007 surge mais um afoxé em Sergipe, o Afoxé Akueran. Este afoxé aparece após a “separação” de alguns membros do Ilê Axé Dematá Ni Sahara com o Omo Oxum, efetivando-se como um afoxé próprio que faz parte da Associação Afro Cultural Akueran a qual foi criada dentro do Ilê Axé Dematá Ni Sahara. O afoxé faz parte dessa associação que desenvolve algumas atividades com a comunidade do bairro em que o Ilê está situado, principalmente voltadas à saúde dos moradores.

No primeiro cortejo deste afoxé, ele era composto exclusivamente por homens. Entretanto, a partir de 2008, torna-se uma manifestação sem divisão de gênero. Em relação ao nome, foi dito que ele possui o nome Akueran devido a ligação com Logun- Edé e com Oxóssi. O Akueran seria uma entidade que é uma qualidade de Oxóssi, então o termo foi pensado como forma de homenageá-lo e significa o filho do grande rei que é farto. Este afoxé sai atrás do Omo Oxum e encerra o ciclo existente nesse dia.

Em 2008 surge mais um afoxé denominado de Di Preto, o qual tem apresentações em dias variados, mas vem também se apresentando há alguns anos na Lavagem de Nossa Senhora da Conceição, o que o coloca também dentro desse ciclo festivo. Ele leva esse nome, segundo seu representante, devido a uma figura de linguagem em que se diz que algo é “di preto”. Aproveitando-se dessa palavra passou-se a utilizar o termo Di Preto para o afoxé, que se tornou Grupo Afro Popular Afoxé Di Preto. Em relação a pertencer a algum terreiro, os representantes do afoxé Di Preto são todos vinculados à casas de santo, mas não possuem um terreiro específico de criação do afoxé.

Os demais afoxés existentes em Sergipe não estão atrelados ao ciclo de Oxum, tendo apresentações em dias diferenciados e reverenciando outros orixás. Percebemos que todos os afoxés estão buscando respeito e visibilidade religiosa, entretanto, a maioria dos afoxés deste estado estão diretamente vinculados à política partidária, sendo os afoxés dependentes dos gestores políticos ao surgir e para conseguir se desenvolver. Desde o financiamento para que ocorram os cortejos, até o registro burocrático dos afoxés são instituídos por via política. Nem todos os afoxés sergipanos possuem ligações próximas com a política partidária, mas a maioria deles possui essa dependência.

A inclusão dessas manifestações em meio à sociedade, a qual posteriormente os incorporou ao calendário cultural de Aracaju, bem como no calendário cultural do estado passaram a existir a partir da gestão municipal de Marcelo Déda (PT) como prefeito da capital sergipana. Foi através de articulações políticas que se possibilitou o surgimento do primeiro afoxé em Sergipe, e posteriormente o aparecimento de outros.

Através dos contatos estabelecidos entre os representantes dos afoxés e gestores políticos foi que os afoxés surgiram e conseguiram se desenvolver. As aberturas políticas advinda com o governo Lula em âmbito nacional e em eixo local com a chegada do PT à prefeitura de Aracaju e posteriormente ao governo do estado, possibilitou essa relação de co-produção entre os afoxés e os gestores políticos. A partir dessa relação os afoxés conseguiram apoio para realizar os cortejos, assim como o registro jurídico que os afirmam enquanto afoxé. Assim, a relação estabelecida entre os afoxés e a política partidária sergipana foi essencial para que houvesse o aparecimento e desenvolvimento desta manifestação cultural na sociedade.

Entretanto, as relações estabelecidas entre os afoxés sergipanos e a política partidária são desiguais, fazendo com que alguns afoxés consigam se desenvolver majoritariamente enquanto outros tenham poucas possibilidades de desenvolvimento.

Dessa forma, em Sergipe, o afoxé aparece como meio de viabilizar uma cultura denominada de “afro”, mas concomitantemente é também um meio de viabilização de gestores políticos que se utilizam dessa co-produção para se fazer presentes na manifestação e obter também visibilidade e respaldo. É então através de articulações políticas e buscando visibilidade e respeito religioso que os afoxés surgem e se desenvolvem nesse Estado.

*Lili Santana é mestranda em Antropologia pela Universidade Federal de Sergipe.

Imagem e texto reproduzidos do site: revistarever.com

Postagem originária da página do Facebook/MTéSERGIPE, de 7 de janeiro de 2014.

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