quinta-feira, 31 de outubro de 2013

Horácio Hora


Horácio Hora **
Fonte: GOIS, Baltazar. Biographia de Horacio Hora (1901)

Thiago Fragata*

Nos idos de 1959, ao conceber o projeto expográfico do Museu Histórico de Sergipe, Jenner Augusto idealizou sala dedicada a obra de Horácio Hora. Com o apoio do irmão, Junot Silveira, e do próprio Governador, Luis Garcia, assim fez.[1]Em abril de 2007 a instituição cerrou as portas para uma restauração e desde sua reabertura em novembro do ano passado que o público ansiava pela reativação da Sala Horácio Hora, visto que a instituição detém maior acervo do artista romântico.

Nascido na cidade de Laranjeiras, no dia 17 de setembro de 1853, filho de Maria Augusta Hora e Antônio Esteves de Souza, cedo Horacio Hora revelou inclinação para o desenho e artes plásticas. Fez os primeiros estudos na terra natal. Seu talento sensibilizou a Assembléia Legislativa da então Província de Sergipe que concedeu subvenção para estudar e aperfeiçoar seu trabalho na Escola de Belas Artes de Paris, França. Falecido no dia 28 de fevereiro de 1890, em Paris foi enterrado, longe dos familiares, da sua pátria. Na imprensa baiana, a notícia foi publicada somente em 1 de abril.[2]

O principal estudo biográfico sobre o artista foi publicado por Baltazar Góis, onze anos depois de sua morte. Na “Biographia de Horácio Hora: pintor sergipano”, de 1901, o autor discorre sobre a vida e a obra do artista, com adendos de João Ribeiro, Gumercindo Bessa e Manuel dos Passos.[3] Recentemente, chegou ao nosso conhecimento um artigo de Manuel Curvelo de Mendonça (1870-1914) não-citado na referida biografia. Independente de qualquer justificativa evocada para o esquecimento de Góis, reproduzimos o achado a fim de endossar futuras pesquisas:

“Não posso resistir ao impulso de trazer para aqui, posto que confusamente, as impressões amargas que me tocam o espírito, ao ter a notícia da morte de Horácio Hora, o saudoso artista sergipano.

Não sei mesmo o que contribui mais para avivar este desejo: se a simpatia que desde criança tenho pelo ilustre pintor, ou se a consternação que nos deixa sempre no espírito o desaparecimento de uma dessas raras personalidades, que vivendo obscuramente, entregue ao serviço de uma causa, de uma ciência, ou de uma arte, deixam, morrendo, um vazio tanto maior, quanto mais difícil é de ser preenchido, o que não acontece, ao menos entre nós, com esses grandes da política, aos quais aliás rendem-se, em momentos idênticos, suntuosas homenagens.

É provável que essas duas circunstâncias hajam pesado do mesmo modo neste meu empreendimento, nelas, pois, encontra ele sua explicação e justificativa.

De todas as manifestações intelectuais de um povo qualquer, a arte é, fora de toda dúvida, uma das que mais próprias são para significar o grau de adiantamento em que ele permanece. Dar à matéria a forma de suas idéias e de suas crenças, traduzir do modo que lhes é permitido, o estado do seu espírito, tal é, conforme o que me parece de mais verossímil, uma das primeiras preocupações das sociedades, ao se constituírem.

Afora o pendor natural pelo belo, tanto mais palpável quanto mais civilizado é o povo onde ele se faz sentir, tal é a causa imediata do apreço em que são tidas as artes nas grandes nações e do acoroçoamento que lhes deve um governo bem intencionado. Entre nós, todavia, a política nos tem assoberbado. Eis porque “a nossa instrução artística”, na frase caustica de José Veríssimo, o novel, mas já tão autorizado crítico paraense, “envolve-se ainda nas sombras do mito”.

Ma não é isto o que me importa neste momento. Penso firmemente que Horácio Hora merece um completo estudo crítico, que nos venha revelar todas as variações e irradiações de que era capaz e seu belo talento artístico. Não serei eu quem leve, quem pretenda levar avante semelhante cometimento, para um tal estudo a falta dos documentos indispensáveis seria um enorme obstáculo, se maior e em primeira linha uma outra não viesse se antolhar – a minha incompetência.

O Brasil, ou pelo menos, Sergipe precisa saber quem foi seu filho que a morte acaba de surpreender em Paris, quero dizer, no único lugar onde ele pode dos recursos de sua arte, honradamente viver. Nesse estudo deve ser salientado o “nacionalismo” de seus quadros e... não hesito em dizer, de todos os seus quadros, visto como penso que esse notável caráter há transparecido em seus trabalhos, com a dupla vantagem de torná-lo um artista verdadeiramente brasileiro, digno de nós, e de conservá-lo em sua originalidade, isto é, deixando entrever neles um “quê” indefinível, que é o reflexo do supremo encontro de nossa natureza inesgotável, que não se afastou do artista em sua peregrinação pelo velho mundo e que tão claramente se manifestou nos últimos momentos de sua vida, nestas palavras de amor: “longe da pátria”.

Seja permitido aqui fazer uma pequena digressão. Com ternas reminiscências da infância, ainda tenho bem vivas na memória as impressões de uma tarde em que estive com o ilustre pintor em Laranjeiras, nas encostas de um dos morros dessa cidade, quando ele se entregava aos seus trabalhos de arte.

Eu passava pela estrada que vai ter a Igreja do Bomfim, sita no cume do outeiro do mesmo nome, quando avistei-o embebido no seu mister. Semelhante descoberta era de natureza a atrair-me a curiosidade, tão acesa quanto era natural na idade em que eu estava. Lá chegando, só por instinto, reprimir a ansiedade de fazer-lhe mil perguntas, no que fui sempre muito pródigo a ponto de tão poucas vezes tornar-me imprudente.

Naquele instante, porém, fui de uma extraordinária paciência, que não passou despercebida ao nosso artista. Num intervalo em que parecia descansar como quem termina a elaboração de uma estrofe, virou-se para mim, que sentado numa anfractuosidade da encosta, entretinha-me quedo na contemplação do que não compreendia, e perguntou-me o que achava no que via, isto é, nos traços que esboçavam a tela.

- “Não sei como dessas linhas possa sair a cópia fiel desse belo quadro que ali vemos, mas gosto de ver como se faz aquelas bonitas pinturas que tem no seu gabinete”, disse-lhe eu com a intimidade e afoiteza das crianças. Não tenho fiel recordação do mais, porém sei que fiquei muito satisfeito com a palestra e votando-lhe já uma embrionária admiração, porque via nele um homem diferente dos outros, visto fazer coisas que os outros não faziam. Hoje, traduzindo esse “ser diferente dos outros” por – gênio – folgo ao considerar que naquele tempo eu já o tinha como tal.

Peza-me bastante estar na impossibilidade de acrescentar aqui uma resenha mais ou menos perfeita de seus trabalhos. Alguma coisa que sobre mérito afirmei, quer me parecer seja de fácil verificação. O “nacionalismo” tem no quadro “Pery e Cecy” atualmente na Bahia, a mais eloqüente confirmação do que eu disse a esse respeito. Creio que a representação da deliciosa passagem do Paquequer em nada desmerece da bela criação de José de Alencar.

Pela natureza dessas linhas, cujo alvo não ultrapassa o mero desejo de associar minhas mágoas as de meus conterrâneos pelo triste fim de nosso ilustre irmão, por sua natureza, digo eu, tendo-se ela em vista, se me desculpará que eu só tenha tido para ele elogios. Defeitos, se os tem, e censuras, se as merece, só a crítica compete apontá-lo e fazê-las, mas... com sobriedade e cordura para não afugentar os poucos talentos que em tal arte ousam se desenvolver entre nós, a ponto de se tornarem “avis rara”.

Uma homenagem ao honrado artista sergipano, cujo laureado pincel a morte acaba de paralisar tão atrozmente, - eis o destino destas despretensiosas palavras. E... Como precedi-as de um belo pensamento de Bernardin de Saint Pierre [um túmulo é um monumento colocado no limite de dois mundos], fecho-as com uma não menos expressiva sentença de Álvares de Azevedo, um dos maiores escritores brasileiros antigos e modernos: “é ainda uma aurora sem dia que perdeu-se numa tempestade de inverno”.[4]

Eis o artigo redigido por Manuel Curvelo de Mendonça, em Recife, em abril de 1890, e publicado em Sergipe, em junho daquele ano. Sincero e emocionado com a morte do artista a quem admirava. Para não esquecer Horácio Hora, ainda que a vida tenha sido breve, sua arte, aliás, o artista vive em suas obras. Convido o leitor, apreciá-las. O Museu Histórico de Sergipe funciona de terça a domingo, das 10 às 16 horas.

* Thiago Fragata é historiador e poeta, especialista em História Cultural (UFS), sócio efetivo do Instituto Histórico e Geográfico de Sergipe (IHGSE) e diretor do Museu Histórico de Sergipe (MHS). E-mail: thiagofragata@gmail.com Artigo publicado no Jornal da Cidade. Aracaju, ano XXXIX, n. 22/6/2010, p. B6

NOTAS DE PESQUISA
[1] FRAGATA, Thiago. Cinqüentenário do Museu Histórico de Sergipe: Jenner Augusto (III).Jornal da Cidade. Aracaju, ano XXXIX, n. 11322, 14/04/2010, p. B-6.
[2] GOIS, Baltazar. Biographia de Horacio Hora: um pintor sergipano. Aracaju: Impr. Estado de Sergipe, 1901.
[3]NUNES, Verônica; CARVALHO, Ana Conceição Sobral. Horácio Hora. Aracaju: Governo do Estado de Sergipe, 1982, p. 25.
[4] MENDONÇA, Manuel Curvelo de. Horácio Hora. O Republicano. Aracaju, ano II, n. 151, 1/6/1890, p. 3.

**Foto e texto reproduzidos do blog museuhsergipe.blogspot

Postagem originária da página do Facebook/MTéSERGIPE, de 20 de outubro de 2012.

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