quarta-feira, 19 de dezembro de 2012

A Vida da Professora Marlene Alves Calumby

Foto reproduzida do site: joaoalvesfilho.org

A vida da professora Marlene Calumby*
Por Osmário Santos.

*Imortal da Academia Sergipana de Letras, além do magistério, é radialista e advogada.

Marlene Alves Calumby nasceu a 21 de outubro de 1950, na cidade de Aracaju-SE. Seus pais: João Alves e Maria de Lourdes Gomes. Seu pai faz parte da história de Aracaju pela sua participação na história da construção civil, tendo sido o responsável pela ampliação do bairro São José, onde construiu o primeiro conjunto habitacional direcionado à classe média. Dele, herdou o dinamismo em suas ações. “Ele era uma pessoa que não cedia aos problemas da vida. Os problemas chegavam, ficava abatido, mas não cedia. Procurava uma saída e seguia em frente. Ele nunca baixava a cabeça. Isso herdei dele”.
Conta que sua mãe tinha um coração de bondade. Era uma pessoa muita ativa, gostava de conversar, abrir sua casa às pessoas mais simples. O que tinha em casa repartia com os vizinhos, com as pessoas que batiam à sua porta em busca de comida. “Todo dia, tinha gente humilde na minha casa. Tudo nosso era repartido com as pessoas necessitadas. Essa capacidade de partilhar que caracterizava minha mãe, repartindo sempre tudo com os outros, herdei dela. Minha mãe, de profundo sentimento religioso, também era muito comunicativa, ensinou-me a viver intensamente com a sua maneira de ser. Gostava de cantar, dançar, de ir ao cinema. Essas coisas ficaram arraigadas em mim”.
Os momentos da infância de Marlene foram vividos em torno da rua do Carmo e Avenida João Ribeiro. “Em volta das bonitas imagens da Igreja do Santo Antônio, das procissões de Bom Jesus dos Navegantes, da festa de 8 de dezembro, Nossa Senhora da Conceição, da Feirinha de Natal, do Carrossel do “Seu Tobias”. “Apesar de ser a mais nova dos três irmãos – por parte de pai e mãe - minha infância foi bastante movimentada. Como era comum na época, brincava muito de boneca e até hoje guardo esses momentos na memória. Ainda tenho algumas bonecas em minha casa. Lembro também que gostava muito de ler e João, meu irmão, me incentivava nessa prática. Minha avó, com quem tinha uma relação muito afetuosa e de cumplicidade, também gostava de ler. Acredito que fui uma criança que apresentou, até certo ponto, sinais de precocidade. Buscava sempre crianças mais velhas para partilhar as brincadeiras.”
Sua vida estudantil tem a marca do Colégio Jackson de Figueiredo, iniciada no curso infantil com a professora Dona Celina. Foram 11 anos vividos ali, no colégio dos professores Benedito Alves Oliveira e Judite Rocha de Oliveira. “O Jackson de Figueiredo é parte de minha vida. Eu era considerada uma filha do professor Benedito e da professora Dona Judite. Acompanhei-os até o final da vida dos dois. A ligação era tão evidente que as alianças, quando da morte dos dois, ficaram para mim. O desejo do professor Benedito era que o par de alianças se transformasse em uma jóia para que pudesse estar constantemente comigo e assim o fiz. O Jackson de Figueiredo era a minha segunda casa. Tudo que aprendi – a desenvoltura de falar em público, o sentimento de patriotismo, o amor ao Brasil, a Sergipe, todos esse valores foram absorvidos no dia-a-dia do Colégio Jackson de Figueiredo, onde estudei até o primeiro ano científico. Dona Judite, até hoje, é um paradigma para a mulher atual, pelo destaque e respeito adquirido no desempenho digno e marcante da função administrativa. Além de D. Judite Rocha de Oliveira, uma outra mulher, também administradora, influenciou positivamente a minha formação: Dona Maria das Graças Azevedo Melo, que foi a minha chefe, minha diretora no Instituto de Educação Rui Barbosa. A dinamicidade das ações destas duas mulheres induziram-me à escolha do magistério como meu caminho profissional.”
Como estudante interna em Salvador, capital baiana, faz o segundo ano científico no Colégio das Irmãs Sacramentinas. “Considero uma fase triste de minha vida, porque nunca me adaptei ao sistema de internato. Lá, não tinha o espaço que tinha no Jackson de Figueiredo, onde eu criava, escrevia, fazia meus discursos. Isso mudou totalmente minha vida e, por isso mesmo, durou somente um ano. Pedi a meu pai para retornar a Aracaju. Não queria continuar cursando o científico uma vez que não gostava de ciências exatas e o que eu queira mesmo era ser professora”.
Volta da Bahia e começa a estudar no curso pedagógico do Colégio Patrocínio São José. “Lá, encontrei várias figuras importantes na minha vida pelo fato de que foram decisivas na minha ferrenha convicção de ser professora”.
Ao final do curso, em 1969, recebe o convite para continuar no colégio, agora, na condição de professora, ajudando às irmãs no trabalho pedagógico. O Colégio São José é outra fase de minha vida que deixou lembranças fortes. Não esqueço Irmã Angelina, Madre Superiora e as outras freiras que me deixavam escrever e montar minhas peças infantis.”
Pressionada pelo pai, submete-se ao concurso vestibular para Pedagogia, na Universidade Federal de Sergipe. “Eu achava que não lograria êxito porque entendia que só a dedicação e o estudo intensivo levavam à aprovação. Classifiquei-me no 7º lugar. Integrei a 3ª turma de Pedagogia da UFS.”
“Como estudante universitária, considerava-me privilegiada por ter tido como professores Dom Luciano Cabral Duarte, Carmelita Pinto Fontes, Cabral Machado, Gilvan Rocha, professor Rivas em História da Educação, Padre Ovídio em Sociologia, Maria Thetis Nunes em Cultura Brasileira, José Rollemberg Leite, professor Paulino, professor Jackson dentre outros”. Cola grau em Pedagogia no ano de 1973.
No segundo ano de faculdade, deixa o Colégio São José e passa a ser monitora da Faculdade de Pedagogia por aprovação em concurso. No terceiro ano, já estava ministrando aulas no Instituto de Educação Rui Barbosa - Escola Normal. No quarto ano de faculdade, pelas boas notas, é selecionada para a implantação do serviço de orientação educacional e profissional da Escola Técnica de Sergipe. “Passei seis meses como estagiária e logo depois fui contratada como profissional”.
A sua experiência em escola da rede pública considera que foi das mais gratificantes e até hoje se faz presente em sua vida, principalmente quando em seu dia-a-dia encontra com ex-alunas. “Até hoje, encontro gente daquela época. A Escola Normal foi uma etapa importantíssima da minha vida e essa vivência guardo com muito carinho”.
“Na Escola Normal, permaneci por 11 anos de trabalho prazeiroso. Saí da Escola Normal quando saí do Estado para fazer especialização na área de Educação. Quando retornei, em substituição à professora Marlene Montalvão, fui nomeada diretora do Colégio Estadual Atheneu Sergipense, o qual administrei por dois promissores anos, com a colaboração de colegas, excelentes professores, sempre dispostos a trabalhar incessantemente. Nós formávamos uma equipe extraordinária.
Na Prefeitura Municipal de Aracaju, implanta os serviços de Orientação Educacional e Pedagógica da Secretaria Municipal de Educação. “Uma idéia que deu certo. Na prefeitura, em quatro anos de trabalho, junto ao então secretário municipal de Educação - Nicodemos Falcão - e depois atuando em diversos colégios como funcionária pública municipal, a exemplo do Freitas Brandão, Presidente Vargas e outros, sempre trabalhando no serviço de orientação educacional. Uma das mais importantes passagens desta minha vida profissional foi o trabalho realizado na Escola da Paróquia de São José, cujo alunado era de domésticas, funcionando no turno noturno, quando tive a felicidade de conviver com as freiras Sacramentinas e, em especial, com a Irmã Maria de Nazaré, que marcou profundamente a minha vida. Encerrei minha gestão na prefeitura auxiliando a direção do Colégio Presidente Vargas”.
Quando saiu do Atheneu, foi nomeada suplente do Conselho Estadual de Educação. Depois passou a Conselheira, chegando a presidir o Conselho pelo período de sete anos. “Lá, conheci mais amiúde as leis e tem relação de perto com o trabalho pedagógico, evidentemente, voltado para a parte administrativa. Foi aí que encorajei-me para submeter-me ao vestibular para a Faculdade de Direito da Universidade Tiradentes. Formei-me em 1993”.
Como advogada diz que só teve três causas. Uma delas, separação amigável. “Não nasci para advogar. Fiz Direito pois queria ampliar horizontes e sedimentar meu conhecimento sobre legislação.”
No segundo governo de João Alves Filho, recebe o convite para dirigir a Fundação Aperipê, tendo relutado, a princípio, por achar que prevalecia em sua vida profissional o seu lado educacional, argumento este não aceito pelo senhor governador, que rebate com a argumentação de que a sua indicação fora exatamente para implantar uma visão educativa nas emissoras da Fundação. “Fiquei por quatro anos na Fundação Aperipê de Sergipe, envolvendo-me pelo trabalho. Senti-me motivada para fazer rádio e televisão. Como não podia sem o registro profissional, fiz curso de radialismo, concluí e me sindicalizei. A verdade é que me envolvi e me apaixonei pela área de comunicação e é um verdadeiro xodó”. No dia 24 de maio de 2005, retorna ao comando da Fundação Aperipê.
Faz vestibular para Psicologia, na Faculdade Pio Décimo, e chega a cursar o primeiro período. “Tinha vontade de fazer Psicologia, como também Jornalismo. O tempo curto, já viúva, mais responsabilidades em casa, vi-me obrigada a deixar o curso”.
É membro da Academia Sergipana de Letras. Inicialmente, a convite do sr. Ferreira Lima fui levada a participar do Movimento Cultural de Apoio à Academia (MAC) e daí, por insistência dos colegas do MAC, inscrevi-me e acabei me tornando acadêmica. É a Cadeira Número 30 - Gilvan Rocha, uma pessoa que queria bem demais”.
Apaixonada por esporte, atualmente, é membro do Tribunal de Justiça dos Jogos Estudantis e membro da Confederação Brasileira de Handebol.
Casou com o médico José Calumby Filho. “Nos conhecemos na Escola Técnica Federal de Sergipe e no primeiro dia que vi Calumby, eu tinha a certeza de que ele seria o meu companheiro. Fomos casados durante quase 23 anos e tivemos duas filhas: Bianca Bárbara e Liza Cristina”.
Conta que a vida nunca lhe deu nada de graça. “Sempre a minha vida foi muito conquistada, passo a passo. Tudo que tenho foi fruto de muita luta. A sensibilidade que deixo emanar é porque tenho muito amor e paixão por tudo que faço, tudo que gosto. Gosto demais de escrever, de falar de improviso, gosto da música, das artes de uma maneira geral. Sou apaixonada pelo teatro . Apaixono-me por tudo”.

Texto reproduzido do site: usuarioweb.infonet.com.br/~osmario/
Publicação original em: 12/04/2006.

Postagem originária da página do Facebook/Minha Terra é SERGIPE, em 19 de Dezembro/2012.

Discurso de Amaral Cavalcante em sua Posse na Academia

Foto reproduzida do site: agencia.se.gov.br

Discurso proferido por Amaral Cavalcante por ocasião da sua posse na cadeira 39 da Academia Sergipana de Letras, no dia 11 de Julho de 2011. *

O amor desta cidade é o que me torna imortal

Senhores e senhoras imortais da Academia Sergipana de Letras

Franscino da Silveira Déda, escrivão da comarca de Simão Dias nos tempos da minha infância, foi a mais impressionante figura que eu conheci, até os 12 anos de idade. Cercado de livros enormes, Seu Sininho estava sempre escrevendo em grandes páginas pautadas, algo que eu não compreendia. Mas a majestade dele, ao descer das prateleiras, os tomos, e a elegante grafia com que construía a sua misteriosa escrita, me fascinavam.

Mais que o trapézio do circo, mais que o desejo de ser clarinetista, mais que o aventuroso destino dos caminhoneiros, fascinava-me a faina do escrivão Franscino, ocupado em preencher com tantas palavras, tantas, aqueles livros enormes. Ali, no cartório de Seu Sininho, o fascínio da escrita e o mistério dos livros me tomaram.
Escrever seria o meu destino.

Um dia, quando mais uma vez eu apoiava o queixo no balcão do seu cartório, Seu Sininho me abordou:
- Soube que você gosta de poesia; pois bem, eu tenho aqui um livro de Ascenso Ferreira, um poeta sertanejo como nós. É seu.
Catimbó foi o meu primeiro livro de cabeceira.

Vim tangendo a mula da poesia, picando palavras por veredas íngremes, calejando o coração em pedregulhos, arejando a alma nos vales sertanejos onde crepita o sonoro matagal das palavras mais simples. Com Ascenso, tostei os dedos no fogaréu dos poemas, sapequei minha alma no fogo de si própria e emergi do caos em fantásticas pirotecnias. Vi queimar-se até a última labareda o cepo mais recôndito da minha alma juvenil.

Ascenso Ferreira me ungiu nos catimbós da poesia e me trouxe até aqui, ao luminoso convívio dos senhores, onde, finalmente, desapeio para abrir, satisfeito, o meu bornal de guardados. Mas chego aqui ainda tropeiro, afoito, querendo mais estradas, buscando o vilarejo que virá depois, ainda querendo o incentivo de outras trilhas onde trotar por mais um tempo. Não seja aqui, na enseada da imortalidade acadêmica, para onde converge a senda luminosa desses sergipanos ilustres que me elegeram como par, que eu erga mourão e cumeeira para acomodar na quietude dessa paragem, minha busca pela vastidão de novos horizontes. Abriguem-me então como um tropeiro mercador, disposto a permutar meu alforje de sonhos pelo cabedal dos seus ensinamentos, meus deslumbramentos por um naco das suas experiências, minha maior gratidão pelo aconchego fraterno e, finalmente, meu amor de poeta pelo amor de vocês.

Aguarda-me a cadeira de nº 39 nesta Academia que tem como patrono o poeta sergipano Joaquim Martins Fontes da Silva, cuja merecida imortalidade se configura muito mais no seu amor pelas flores, especificamente pelas rosas, a quem ele dedicou seus mais caros cuidados. Advogado por formação, rodólogo por dedicação, Joaquim Fontes preferiu poetar enterrando a mão na terra macia dos caqueiros para inventar novas castas de rosas. Era o poeta dialogando com a estética divina, cuidando de inventar encantamentos profanos. Um construtor de poemas palpáveis: flores que encantam e fenecem como soe ser, afinal de contas, o costumeiro destino das palavras. O poeta sergipano preferiu fazer brotar da terra o belo encarnado nas rosas, acrescentar à obra divina o labor da criatura humana e experimentar uma paternidade que só os deuses conhecem: a gestação das flores!
Joaquim Fontes, um dos fundadores desta Academia, fez uma bela escolha.

Na cadeira 39 deste colegiado, sentaram-se figuras exponenciais da nossa fortuna cultural: os jornalistas Zózimo Lima e Orlando Dantas e a escritora Maria Thétis Nunes, a quem substituo com um sentimento de admiração e responsabilidade.

O jornalista Zózimo Lima, primeiro a ocupar esta cadeira, eu o lia na década de 1970 espremido nas páginas da Gazeta de Sergipe, vociferando diariamente em sua coluna “Variações em Fá Sustenido” contra as injustiças sociais e apontando com acuidade e inteligência, as mazelas da Aracaju provinciana que o lia, muito respeitosamente. Credor do muito que investiu na afirmação da sua irreverência, era ainda com mordacidade e vigor que Zózimo Lima mantinha sua relação com o leitor da Gazeta, oferecendo-nos ali o que acumulara em mordacidade, santa ironia e acre humor. Não privei da sua amizade, sendo eu apenas um seu fiel leitor, mas os meus fundadores na faina da imprensa, os jornalistas Luiz Eduardo Costa e Raimundo Luiz da Silva - primeiro no “Sergipe Jornal” dirigido por Edmundo de Paula, depois na moderna redação do “Diário de Aracaju” - me ensinaram a respeitá-lo e a acatar de Zózimo Lima, naquela espremida coluna da Gazeta, a lição capital do jornalismo combativo.

Depois dele, ocupou esta mesma cadeira o jornalista Orlando Dantas, a quem conheci e tive a oportunidade de cultuar, como frequentador da redação e das oficinas da intimorata Gazeta de Sergipe, o jornal onde Seu Orlando lecionava a toda uma geração de grandes jornalistas, os seus melhores exemplos de cidadania.
Era uma figura ímpar. Vestia-se de branco com ternos em impecável linho belga, talhados à moda dos senhores de engenho. De estatura mediana, branco de faces irrigadas, Orlando Dantas tinha a favor de si um olhar quase infantil, mas certeiro em direção ao interlocutor.
Afável, disposto a distribuir sem parcimônia a sua augusta atenção, a figura de Orlando Dantas transmitia-me, ao mesmo tempo, uma aguda sensação de pressa, de dinamismo e, por outro lado, a confortável certeza de que eu estava diante de um luminar da inteligência sergipana em sua heróica batalha.

O Orlando Dantas que eu rememoro resulta da valentia que caracteriza a sua história e da capacidade de reunir em torno de si e dos seus ideais, alguns dos maiores nomes do jornalismo sergipano. Ao seu lado estiveram Nino Porto, Ivan Valença, Luiz Antonio Barreto, Zé Rosa, Ezequiel Monteiro e tantos outros.

A redação da Gazeta era também um ponto referencial de convergência para intelectuais e agregados, envolvidos com a vida cotidiana da cidade. É o caso do inesquecível violonista Macepa, cantor dos melhores repertórios e personagem de alguns dos mais memoráveis “causos” na história boêmia de Aracaju. Era Macepa uma figura festejada no saudoso Bar do Pinto, instalado às margens do rio Sergipe na avenida Ivo do Prado, bem em frente à Gazeta, para onde se transferiam, informalmente, os repórteres e redatores do jornal, em busca do frutuoso “papo em mesa de bar”, depois da batalha cotidiana pela notícia. No Bar do Pinto concentrava-se, desde a tardinha, o melhor contingente intelectual de então, em liberal parceria com as damas da noite, com operários, artistas e poetas desabonados como eu, em busca de audiência e afagos.
E foi certamente ali, na convivência boêmia com os jornalistas da Gazeta, que eu melhor apreendi os motivos que levam um profissional de imprensa a abraçar a causa pública com destemor e garra. O exemplo de Seu Orlando forjou a têmpera dos seus comandados.

Assim o jornalista Orlando Dantas, acastelado em sua cidadela na Rua da Frente, difundia os seus ideais e empreendia sua luta pela modernização do processo político e econômico de Sergipe.

A professora Thétis, eu a conheci quando frequentávamos as tertúlias literárias lideradas pela inesquecível Núbia Marques no Clube Sergipano de Poesia. Depois, foi companheira minha no Conselho Estadual de Cultura, onde a consistência dos seus pareceres e o vigor da sua inteligência engrandeceram minha admiração por ela.

A inteligência excepcional da itabaianense Maria Théthis começou a se consolidar nos meios culturais sergipanos, quando, em 1946, ela venceu expressivos concorrentes em concurso para a cátedra do prestigiado Colégio Atheneu Sergipense, naquele tempo, a mais importante instituição de ensino em Sergipe. Era a primeira mulher a alcançar tal posto, quebrando, já naqueles idos, a hegemonia masculina na condução da educação sergipana.

Maria Thétis Nunes honrou a nossa intelectualidade em voos mais altaneiros. Ela cumpriu, em quadras decisivas da nossa história, o papel de indutora e agente da brasilidade, assumindo funções importantes no Instituto Superior de Estudos Brasileiros (ISEB), o mais destacado fórum ideológico no Brasil pré-Ditadura Militar. Em 1961 assumiu o posto de adida cultural do Brasil na Argentina, retornando depois ao nosso Estado onde contribuiu com a fundação da Universidade Federal de Sergipe e pôde, com clareza e discernimento, solidificar a sua imortal obra como pesquisadora da história, revelando-nos novas apreciações sobre as raízes do pensamento brasileiro.

A contribuição da sergipana Thétis Nunes à inteligência nacional nunca poderá ser descrita aqui, neste exíguo discurso acadêmico. É missão para o fôlego de estudiosos da sua obra como a escritora Maria Nely Santos e os confrades Jorge Carvalho e Luiz Antonio Barreto - de cujos escritos me servi para tecer estas breves informações sobre a grande sergipana Maria Thétis Nunes, a quem, honrosamente, venho suceder na cadeira 39 deste colegiado.

Respeitáveis imortais da Academia Sergipana de Letras, tem agora os senhores e senhoras que descarregar o meu burrego das suas mochilas cabedais e prover-lhe o feno da sabedoria, o delicado alfenim da inteligência, a água fresca da vida intelectual que medra por aqui.

Trago-lhes no bornal as preciosas quinquilharias que amealhei em minha jornada: o cordel das feiras, as sabedorias de Pedro Malazarte, o romance da princesa Theodora lido ao pé do pote, o terno amor de Patativa do Assaré pela simpleza das caatingas, seus curiós cantores, alçapões de versos, cantochões ecoando na gaiola dos ventos. Trago-lhes, tanto o coração espinhoso das matas de Simão Dias, quanto o conforto amoroso das mães sertanejas, em memória de Corina, minha mãe, jaguatirica que me inventou diferente para servir às tarefas da poesia. Eis que sou poeta como ela me quis e não me ocorre instrumento melhor que a poesia para confirmar imortal a minha alma sertaneja.
Trago-lhes também fragmentos do que me legaram as veredas literárias: devo a Mallarmé a compreensão da imponderabilidade poética. Ao seu poema “Um Coup de Dés” (Um Lance de Dados Jamais Abolirá o Acaso) devo a dessacralização do verso, a compreensão de que a escrita poética comporta um universo inteiro de possibilidades como um dado lançado rebatendo-se sobre suas próprias quinas, equilibra-se, com apenas uma das suas miríades de possibilidades para cima. Que lógica, que fios conduzirão num arremesso de dados a escolha de uma, entre tantas resoluções? Entendi, senhores e senhoras, que esta é a mesma força que rege, na poesia, a escritura do imprevisível.
Devo à crônica proustiana a busca pela elegância do texto e a construção dos pilares que sustentam em minha prosa o perseguido edifício da recordação. Ao frágil Marcel Proust, fiando a transparente tessitura da vida mundana nos salões do século XIX, devo a busca pela natureza musical das palavras, a precisão da pausa entre o tilintar de uma colherinha numa xícara de chá e o burburinho das madames empoadas, nos salões da casa de Swan. Aprendi com Proust a buscar, não nos relatos históricos ou na enumeração das efemérides, mas na paixão de poeta, a imortalidade dos sentimentos, contido na mais recôndita memória das palavras. Aprendi muito com Proust, embora ele mesmo tenha dito que “A sabedoria não nos é dada. É preciso descobri-la por nós mesmos, depois de uma viagem a que ninguém nos pode poupar, ou fazer por nós”.
Trago-lhes no bornal, desde os soluços de Antígona ao desvairado amor de Madame Bovary; desde as peripécias do heroi de Cervantes ao agoniado fluxo Joyceano de Leopold Blomm, navegando sua Odisseia pelas ruas de Dublin. Trago-lhes o fedor dos guetos parisienses, onde Jean Genet cuidou de excitar a vida ao afirmar a marginalidade social como essencial à plenitude dela e a contravenção moral como um derivativo da genialidade. O marginal Jean Genet, estendendo o existencialismo sartreano às sarjetas de Paris, liberou-nos da assepsia literária herdada do século XIX instituindo para a literatura ocidental do século XX o compadrio das ruas. Foi Jean Genet quem nos revelou o fígado das praças.

Genet, em “Pompas fúnebres”

“Minha arte consiste em explorar o mal,
já que sou poeta:
O poeta trata do mal.
É seu papel ver a beleza, extraí-la (ou colocar a beleza que ele quiser, por orgulho) e utilizá-la.
O erro interessa ao poeta, pois somente o erro ensina a verdade.
Repito que o poeta é associal, ele canta os erros, e os encanta depois para que sejam úteis à beleza do dia seguinte”.

Assim, impregnado da herança desses malditos, chego para bater na soleira desta Academia a empoeirada alpercata dos poetas “beat”: Keroac, Burroughs, e, principalmente, Allen Ginsberg, cujo uivo libertário levantou-se das cloacas da sociedade americana para arremeter contra os ouvidos moucos do seu tempo o grito mais agudo da sua geração.

Ginsberg, no trecho inicial do poema Uivo:

“Eu vi as melhores cabeças da minha geração destruídas pela loucura,
famintos histéricos, nus,
se arrastando na aurora pelas ruas do bairro negro, na fissura de um pico,
jovens de cabeça feita, anjos ardendo por uma conexão celestial e ancestral na maquinaria da noite,
que pobreza e farrapos e olhos ocos e loucos sentaram-se fumando na escuridão sobrenatural dos apartamentos sem calefação,
flutuando pelos tetos das cidades, e contemplando o jazz (…)”

Somos ainda assim, os beatniks, os hippies, os tropicalistas, os metaleiros, os fanqueiros, os hip hop, os emos, os GLBTs, todos os inconformistas que batalhamos pela diversidade de ideais, pela escolha de opções sexuais e afetivas, todos os que defendemos posturas alternativas em nome do sagrado direito às liberdades individuais. Somos o eco de Woodstock, a saia rodada de Caetano Veloso, o anjo torto do Jorge Mautner com sua rebeca, o doido do Tom Zé a inventar tropicálias. Assim ainda o somos, até agora reagindo à vida besta dos que assumem o destino como um projeto para a humanidade, como se fôssemos cobaias de Deus.

Eis o menino Cazuza, impregnado de amor à brevidade da vida:

“Estou desmilinguido, cara de boi lavado Traga uma corda irmão, irmão acorda! Nós as cobaias, vivemos muito sós Por isso Deus tem pena, e nos põe na cadeia E nos faz cantar, dentro de uma cadeia E nos põe numa clínica e nos faz voar. Nós as cobaias de Deus”

Seremos nós as cobaias de Deus?
Sejamos, isto sim, as cobaias da vida.

Embalados pelas visões transcendentais de Carlos Castanheda, nós somos os malucos do Parque Teófilo Dantas, viemos do Bar 315 na rodoviária velha, onde Núbia Marques e Vera Sobral amanheciam em estado poético. Inventamos na Atalaia o Bar Barbudo’s, onde a geração lisérgica detonava os tímpanos ouvindo Pink Floyd. Fizemos a ASC com João de Barros, a JOVREU com Djaldino Mota Moreno, a SCAS de José Carlos Teixeira e João Costa, a Academia dos Jovens Escritores com Carmelita Fontes e o Grupo Raízes do empreendedor Jorge Lins. Frequentamos as matinées da Associação Atlética e os chás dançantes do Iate Clube, onde a cidade reverenciava a elegância de Pedrito Barreto e tranquila beleza de Rosa Sampaio.
Estivemos no Clube de Poesia onde se sobressaíam, além da teimosa determinação de Núbia Marques, a aguda inteligência de Giselda Moraes e a abalizada mediação intelectual de Jackson da Silva Lima. Lembro-lhes o mestre Leonardo Alencar na sua busca agoniada pela sutileza das cores, do pintor Daniel da Orelhinha traçando no horizonte a vermelhidão da sua humildade e de Henrique Barbudo, o mentor da nossa melhor marginalidade. Evoco os poetas que aprendemos a ouvir e a amar como Santo Souza, Hunald Alencar, Wagner Ribeiro e Araripe Coutinho. Trago-lhes à memória o querido João de Barros, o Barrinhos, cuja vida dedicada ao prazer e à afabilidade, legou-nos a abertura de espaços essenciais ao exercício da arte. Quero lhes lembrar da esfuziante figura do carnavalesco Lisbôa, das performances do querido Mariano dançando nas ruas com o seu Imbuaça e do bailarino Erê, cuja beleza me levou pelas mãos aos inesquecíveis rincões do prazer e da amorosidade.
Somos a juventude dourada de sol, distribuindo humor e contestação nas páginas do jornal Folha da Praia, hoje a nossa mais longeva experiência de imprensa alternativa, com 30 anos de circulação ininterrupta. Nas veias da Folha da Praia corre a inquietação produtiva de várias gerações, irrigando a criatividade de alguns dos melhores jornalistas locais. Ela abrigou as inquietações juvenis e o amadurecimento de Luciano Correia, a inteligência fulgurante de Fernando Sávio, as sutilezas de Clara Angélica Porto, a loucura de Carlos Magno, a solidez existencial de Ilma Fontes, o olhar competente dos fotógrafos Fernando Souza, César de Oliveira e Flávio Monteiro, a vocação nascente em Dilson Ramos, o humor de Guga Oliveira, a respeitosa inteligência de Antonio Passos e a iniciação dos queridos Marcos Cardoso, Elton Coelho e Silvinha Oliveira. E tantos e tantos outros, essenciais à vitoriosa experiência da Folha da Praia, desde os pioneiros que estendemos ao sol da Atalaia nos idos de 1980 os sonhos juvenis e o substrato intelectual da nossa geração.

Senhores e senhoras, pares meus neste cenáculo da inteligência.
De vocês, que trazem até aqui, cada um, os sonhos que lhes configuraram a vida; de vocês que reúnem nesta Academia a melhor experiência intelectual de tantas gerações, e que, como eu, embalaram seus ideais sob o manto iridescente da arte e da literatura; de vocês eu espero receber as benesses do companheirismo, o doce mel da convivência fraterna e o beneplácito da respeitosa atenção. Sou, como cada um de vocês, um veterano do sonho. Quero simbolizar aqui a presença dos meus que se engajaram na luta por tempos melhores, na construção de novos paradigmas de relacionamento entre as pessoas, entre as nações, numa conjunção universal de paz e amor.

É esse o lugar que pretendo ocupar entre vocês. Sou um coletor de fragmentos, um colecionador de memórias, um construtor de afetos e um feliz guardião de grandes amizades. Mas sou também um poeta inquieto em constante transformação e, por conseguinte, trago-lhes o benefício das coisas inconclusas que acabam sendo tão imprescindíveis à imortalidade. Porque a inconclusão nos remeterá sempre ao futuro, onde as certezas arremetidas ao encontro de novas realidades acabarão por nos conceder, sequer, um simulacro de eternidade.

Minha geração, a mesma de Raul Seixas, de Torquato Neto, de Paulo Leminski, de Glauber Rocha e do nosso irmão Mario Jorge, desperdiçada nos anos de chumbo da ditadura militar no Brasil, tentou alinhar a nossa florescente inteligência tropical a um mundo novo de justiça e equidade social. Os revezes da ditadura militar, se nos tiraram a liberdade de dizer, atiçaram-nos à revolta, fizeram-nos militantes da rebeldia. Resistimos na trincheira das ruas, “sem lenço e sem documentos” e as transformações que propusemos marcaram a vida nacional para sempre. Embora a chamada revolução hippie tenha-se arrefecido nesses tempos insossos de economia globalizada e progresso material, o sonho do “paraíso agora” continua presente na geração que nos sucede e que, de nós, herda os sentimentos de justiça, o cuidado com a natureza, a negação dos preconceitos, os conceitos plenos de cidadania e auto-determinação. Somos, ainda, quem sabe, os malucos fraternos da geração hippie, que ainda andamos a construir esse mundo novo de paz e amor.

Trago-lhes, senhores e senhoras, os ecos de uma incansável luta pelo direito à livre expressão, pelo reconhecimento da nossa feição cultural, pela liberdade cidadã e, sobretudo, pelo sonho imorredouro de justiça social. São do meu tempo de mochila e alparcatas de couro as primeiras notícias que ouvi sobre a equidade, a transparência e os compromissos de gestão ética da coisa pública, esses princípios que, neste momento da História sergipana, se apresentam como balizadores na gestão governadora desse outro poeta simãodiense, o meu querido Marcelo Déda, a quem compete agora conduzir o bastão dos sonhos de progresso e justiça social que lhe foi passado por tantas gerações.

Este é um sonho que vemos realizar-se agora graças à persistente luta travada por muitos companheiros, no front da resistência política. Destaco, entre tantos outros, figuras como Jackson Barreto, João Gama, Welington Mangueira, Augustinho Maynard, Marcélio Bonfim, Edvaldo Nogueira, Zelita Correia, Bosco Rollemberg, Silvio Santos, Rosalvo Alexandre, Agonalto Pacheco, Bosco Mendonça... São tantos osque, na corrida pela construção de um mundo novo e mais justo, foram passando o bastão em milimétricas (mas significativas) vitórias, a caminho dos louros da História no panteão da nossa modernidade política.

Digo-lhes, portanto, meus queridos acadêmicos e acadêmicas, recebam-me como outro veterano entre vocês. A mim que me apresento à toga da Academia ainda vestindo os panos de Hélio Oiticica e o brilho dos Dzi Croquetes, recebam-me como um entusiasmado batalhador pela construção de um Brasil multicolorido, alegre e tropical onde a conquista do progresso não nos prive da felicidade.

Senhores e senhoras, acadêmicos, autoridades, amigos sergipanos que vieram se encontrar aqui, nesta esquina da história, quando um poeta das suas ruas desprovido de elegâncias formais, adentra o mais emblemático palco da sua tradição cultural. Juro, amigos e amigas, que nunca abandonarei o bem-bom das ruas, a novidade da poesia que se estende cotidianamente ao sol em nossas calçadas. Serei sempre fiel aos sonhos da minha geração e às benditas maluquices dela, atento à sofrida poesia emanada dos seus becos.

Serei sempre o poeta do bar, das esquinas fortuitas, da alegria nas feiras e dos mexericos comadres nesta Aracaju querida. Sou companheiro da arte de Alcides Melo e de Marcos Preto - o preto mais musical que jamais conheci. Guardo na memória o swing de Irmão e Tonho Baixinho, a carinhosa presença de Lânia Duarte e as performances de Benedito Letrado. Fiz-me atento às maravilhas da boa literatura ouvindo Ezequiel Monteiro e aprendi a desfazer o sisudo novelo da crônica cotidiana com Carlos Alberto Chatô. Tietei o locutor Reinaldo Moura, ouvindo o seu inesquecível “Roteiro das Onze, ouvi J.Ignácio contar suas peripécias de andarilho e convivi com Florival Santos testemunhando sua agonia criativa e o seu doloroso perfeccionismo. Vi Antonio Leite da Capela desembarcar em Aracaju, andei com Marieta Fontes a fazer teatro de rua no mercado central, curti noitadas de poesia e música com Ismar Barreto. Sou a memória desses tempos de loucura produtiva que se moviam à margem do socialmente estabelecido. Visitei as bocas do Manoel Preto e curti a convivência libertária dos malucos curtindo os coqueirais do Colodiano, amanheci embevecido de luz entre os cestos de cajus e mangas no Mercado Thales Ferraz, fui ao Beco dos Cocos ver o bailarino Cubanchêro parodiar a dança dos Cisnes e Candelária reinar como o mais disputado troféu dos lupanares. Encontrei Magnólia no Bar do Meio da Rua, conheci “Tô te Ajeitando”, tirei onda com o maluco Pipiri, apalpei as sedas da Viúva de Juca e em certo dia de junho tracei um conta-jaca com a irrequieta Cremilda na Rua São João. E por isso, por proceder da mais esfuziante vida desta Aracaju querida, digo-lhes: o amor desta cidade é o que me torna imortal.

Senhores e senhoras acadêmicos,

Nesta oração em que me regozijo pela honrosa posição a que a vida me trouxe, incluindo-me entre os 40 sergipanos dignos da imortalidade acadêmica, quero ainda agradecer à minha cidade, Simão Dias, que me criou num ambiente propício à elegância e à valorização da cultura artística. Ao ginásio Carvalho Neto que me concedeu professores decisivos para a minha formação intelectual e a duas figuras que quero destacar, ainda em Simão Dias: Maria Rosina de Oliveira, minha irmã Maroquinha, e a professora Aliete Andrade, memoráveis na minha formação.

Daqui de Aracaju, aonde cheguei em 1984 aos 18 anos e onde amadureci minha consciência política, ressalto a influência encorajadora de Ilma Fontes, a querida pitonisa esclarecida, mãezona de influências decisivas na construção de todos nós. Ressalto também o meu respeito ao querido pintor Jouber Moraes, o mais completo artista da minha geração, que ainda hoje nos lega a constante reinvenção da sua arte como um desiderato de vida. E a Lu Spinelli, a irmãzinha sílfide que tanto nos ensinou a linguagem do corpo, quanto (“passionária!”) sempre empunhou bandeiras em defesa da arte e da diversidade.

Aqui fico, senhores e senhoras, enaltecendo a alma sergipana e tentando contribuir, com humildade e denodo, para o resgate do papel destacado que sempre foi o de Sergipe, na formação da identidade nacional.

VIVA A ALMA SERGIPANA!

*Texto reproduzido do site: pedritobarreto.com.br

Postagem originária da página do Facebook/Minha Terra é SERGIPE, em 19 de Dezembro/2012.

terça-feira, 18 de dezembro de 2012

Dr. Luiz Rabelo Leite


A vocação do homem é de eternidade:
Crônicas do Desembargador Luiz Rabelo Leite
Por Manoel Leonardo Santana Dantas. 1

“A vocação do homem é de eternidade. Por onde ele passa vai deixando atrás de si marcas desta vocação e sinetes desta eternidade. Traz ele no fundo de sua alma a presença do grande Presente – Deus – Supremo Ser que plenifica todos os seres. Viandante das estradas da terra, o homem – peregrino do absoluto – carrega dentro de seu coração uma vontade incontida de marcar a sua passagem com o signo de gratidão à aquele que o criou. Deo Gratias é o grito que ecoa por toda a natureza, num hino de reconhecimento de todos os seres vivos. Mesmo aquelas criaturas que dizem negar Deus – sentem nos escrínios de seu ser a angustia de Deus, a nostalgia do Criador.”2 O intelectual Rabelo Leite escreveu e publicou crônicas para o jornal católico “A Cruzada”, mesclando o gênero jornalístico e literário ao mesmo tempo, sobretudo, embasando sua escrita no campo religioso, conforme evidenciado nesta citação.

A vida de Luiz Rabelo Leite é a existência de um sergipano nascido na cidade de Propriá em 27 de abril de 1926, tendo como avós paternos José Rabelo Leite e D. Amélia de Oliveira Leite, e genitores o Dr. Moacyr Rabelo Leite e D. Adalgisa Rabelo Leite. Formado em 1954 no Curso de Ciências Jurídicas e Sociais pela Faculdade de Direito da Bahia, foi Promotor de Justiça, Cronista, Diretor de Educação e Cultura do Município de Aracaju, Chefe do Posto do INIC-Instituto Nacional de Imigração e Colonização, Diretor do Jornal “A Cruzada”, Radialista na Rádio Jornal de Sergipe, Professor Universitário, Secretário de Educação, Cultura e Saúde do Estado, Presidente do Rotary Clube Aracaju-Norte, membro do Instituto Histórico e Geográfico de Sergipe, Desembargador do Tribunal de Justiça e Imortal da Academia Sergipana de Letras.

Como colaborador da coluna “A crônica da semana” no Jornal A Cruzada, Luiz Rabelo Leite se firma como cronista, explicita sem sectarismo religioso suas convicções religiosas com base católica, elaborando um texto suave com constante referência às Escrituras Sagradas, Deus, Jesus Cristo, Mãe Maria e Igreja. Com um viés na Doutrina Social da Igreja, as crônicas de Rabelo Leite fazem críticas a classe burguesa que procura, a toda prova, defender os seus privilégios à base de explorações e imoralidades. A crônica enquanto narrativa literária trata de problemas do cotidiano, assim o nosso cronista abordou em seus escritos temas como: Religião, Morte, Direito, Amizade, Educação, Cultura, Propriedade, Habitação, Economia, Forças Armadas, Nacionalismo, Agricultura, Família, Urbanismo e Desenvolvimento.

A Amizade foi um tema recorrente em suas crônicas, fazendo referência a amizade de seu pai, o médico Moacyr Rabelo Leite. A ponta da pena escreveu: “Moacyr Leite, meu pai, marcou a nossa vida pela sua presença de fogo, pela sua voz de profeta, pelos seus olhos claros de esperança, pela sua inteligência magnífica, pela sua amizade leal e franca. Moacyr Leite, meu amigo pai, que sofreu uma tempestade de dor, imensa como um mar e arrasadora como a morte, foi entregue a terra, que tanto engrandeceu e dignificou em um domingo de setembro, claro como a esperança de ressurreição e límpido como as lágrimas derramadas pelos seus."3

O cronista enfatizou uma constante defesa da Doutrina Social da Igreja, afirmando que a propriedade privada é o fruto natural do trabalho, produto de uma intensa atividade do homem que pelos seus esforços deve criar para si mesmo e para os seus um domínio de justa liberdade, não somente em matéria econômica, mas também, política, cultural e religiosa. Assim sendo, o trabalhador deve possuir a sua casa para morar, seus instrumentos de trabalho e uma certa soma de bens a fim de que possa levar com seus familiares uma vida independente.

O Dr. Luiz Rabelo Leite além do engajamento com a área sociocultural, seguiu a carreira jurídica com intensa dedicação, militando na advocacia ao lado de Dr. Manoel Cabral Machado, bem como, adentrou a carreira do Ministério Público, no cargo de Promotor de Justiça, que permitiu sua ascensão ao Tribunal de Justiça do Estado de Sergipe como Desembargador, exercendo a Presidência da Egrégia Corte no biênio 1983/1984. Foi ainda Corregedor Geral de Justiça, Presidente do TRE-Tribunal Regional Eleitoral e Diretor da ESMESE- Escola Superior da Magistratura do Estado de Sergipe. Uma década já se passou do seu descanso eterno, e o cronista nos deixou uma lição que a vocação do homem é a eternidade.

1 Especialista em Sergipe: Sociedade e Cultura, e Técnico do Memorial do Poder Judiciário (TJ-SE)

2 Leite, Luiz Rabelo. A Mensagem do Sinal, 1954.

3 Leite, Luiz Rabelo. Dois Amigos, 1961.

Memorial do Tribunal de Justiça de Sergipe.
Foto e texto reproduzidos do site: tjse.jus.br/memorial/artigos

Postagem originária da página do Facebook/Minha Terra é SERGIPE, em 17 de Dezembro/2012.

Quintina Diniz Primeira Parlamentar Sergipana

Memorial Quintina Diniz conta a história do parlamento sergipano

Antônio Carlos Garcia, Agência Alese

Quintina Diniz primeira parlamentar sergipana

Mergulhar na história, conhecer o passado, entender o presente e ter uma perspectiva de futuro. Quando o assunto é Assembléia Legislativa de Sergipe não precisa ir muito longe para viajar na história. Ela está bem próximo da população, no Memorial Quintina Diniz, que funciona na Escola do Legislativo. Quem quiser entender o parlamento, é bom começar conhecendo quem foi a mulher, cujo nome foi emprestado ao memorial, sua importância para história política sergipana e chegar até os dias atuais, com a atual composição da Casa com 24 parlamentares.

Onde hoje funciona a Escola do Legislativo, foi, na verdade, por mais de um século e meio – de 1855 a 1987 - a Assembléia Legislativa, quando da transferência da capital de São Cristóvão para Aracaju. No Memorial Quintina Diniz, estudantes e turistas podem encontrar, em suas salas amplas, painéis, fotos e fatos contando a história do Poder Legislativo, recheada de momentos marcantes. “A Assembléia se apresenta em termos de passado para a sociedade sergipana. O projeto Memorial Quintina Diniz é para que o parlamento se veja, desde sua origem até os dias atuais. É uma oportunidade para conhecer um pouco do legislativo sergipano”, diz o coordenador de projetos especiais da Escola do Legislativo, Eriberto Souza.

E uma das oportunidades de conhecimento são os painéis. Em um deles, pode ser visto o prédio da Assembléia Provincial de Sergipe, em São Cristóvão, assim como Palácio Fausto Cardoso, primeira sede do legislativo em Aracaju, e, ainda, o Palácio Governador João Alves Filho, desde 1985. Um olhar mais atento, e o visitante vislumbra um painel mostrando o discurso do presidente da Província de Sergipe, Manoel Ribeiro da Silva Lisboa, durante o encerramento da primeira sessão da Assembléia Provincial, em março de 1835.

O Memorial Quintina Diniz é o melhor local para conhecer, também, a primeira Constituição estadual, datada de 1892 e também a última, em 1989. Tudo isso está contado nos painéis. O monsenhor Olímpio Campos, por exemplo, foi quem presidiu a primeira Constituição; em 1935, foi a vez do empresário Pedro Diniz presidir a segunda; a terceira, em 1947, foi presidida por Marcos Ferreira de Jesus, também grande maçom sergipano, e a última teve o advogado Guido Azevedo com presidente da Assembléia Legislativa.

“Sem dúvida alguma, foi uma Constituição que refletiu o sentimento popular da época e teve participação do povo em grande monta. Tanto assim que das emendas apresentadas, mais de 100 foram iniciativa popular”, afirmou Guido Azevedo. Além dele na elaboração das Constituintes, tiveram alguns deputados que depois se tornaram governadores de Sergipe, a exemplo de Olímpio Campos, Luiz Garcia, Arnaldo Garcez, Seixas Dórea, Lourival Batista e Marcelo Déda.

Quem foi Quintina Diniz

A professora Quintina Diniz de Oliveira Ribeiro nasceu em 1878, em Laranjeiras, e exerceu o magistério na antiga Escola Normal e manteve, em Aracaju, o Colégio Sant’Ana, que funcionou na avenida Rio Branco e depois foi transferido para a rua Maruim até a década de 40. A vida política de Quintina começou em 1934, quando foi eleita a primeira mulher deputada estadual constituinte pela UDN aos 57 anos, durante o curto período de organização democrática da chamada República Nova. Ela ajudou a escrever a Constituinte de 1935.

Quintina, que morreu aos 64 anos, em 1942, foi a primeira mulher sergipana a ter esse tipo de participação política, decorrente tanto das suas ligações de família, quanto de seu engajamento nas causas do seu tempo, incluindo o movimento feminista que empolgou e destacou algumas mulheres, em todo o Brasil. Dentre suas alunas merece referência Ofenísia Soares Freire, de Estância, exemplo de mestra, mulher e intelectual, engajada ideologicamente, reunindo qualidades que promovem, ainda hoje, a admiração dos sergipanos.

As mulheres só voltariam a ser representadas na Assembléia Legislativa do Estado de Sergipe 20 anos depois, em 1954, com Núbia Nabuco Macedo, esposa de Francisco de Araújo Macedo, líder do Partido Trabalhista Brasileiro, em Sergipe.

Foto e texto reproduzidos do site: agenciaalese.se.gov.br
Agência de Notícias da Assembléia Legislativa de Sergipe
Publicado em: 21/12/2007
Foto: Maria Odília

Postagem originária da página do Facebook/Minha Terra é SERGIPE, em 18 de Dezembro/2012.

domingo, 16 de dezembro de 2012

Livro: "Lampião em Sergipe" de Alcino Alves da Costa

Livro: "Lampião em Sergipe" de Alcino Alves da Costa

No dia 1º de março de 1929, fugindo do cerco das volantes baianas, Virgolino Ferreira da Silva - Lampião - refugia-se em Sergipe e, a partir daí, estabelece um reinado que durou nove anos. É essa a história que Alcino Costa nos conta, a trajetória do rei do cangaço na região conhecida como Sertão do São Francisco. Das cidades que sofreram com peso da presença dos bandoleiros, das tragédias que acometeram o povo sertanejo, das atrocidades cometidas pelos asseclas do cangaço e pelas "forças da lei", o autor narra episódios estarrecedores, no entanto, afasta-se das lendas buscando a verdade sobre histórias fantasiosas que rondam o nome de Lampião. "Lampião em Sergipe", não se refere somente ao mais ilustre dos cangaceiros, dando espaço também aos coadjuvantes como Corisco, Azulão, Zé Baiano, Maria Bonita, Dadá, Sila e Adília, estas últimas têm dedicação especial do autor no capítulo "A mulher no cangaço". O livro faz ainda um cuidadoso levantamento dos sergipanos - homens e mulheres - que aderiram ao banditismo, marcando para sempre suas vidas e de suas famílias. "Lampião em Sergipe" é antes de tudo a história dos sertanejos, que experimentaram um sofrimento sobre-humano vivenciando na árdua vida do sertão uma verdadeira guerra. Guerra que só viria a ter fim com o controverso episódio na Grota do Angico onde Lampião foi morto e, segundo o autor, com ele o cangaço.

Postagem originária da página do Facebook/Minha Terra é SERGIPE, em 15 de Dezembro/2012.

Bar do Pinto, na Avenida Rio Branco, em Aracaju

Foto: acervo A. Gentil

Algumas recordações.2
Por Jorge Lins

É pra lembrar do Velho Bar do Pinto, ponto de encontro e
reflexões de jornalistas, artistas, prostitutas e boêmios. Numa época em que ainda os trabalhadores da noite econtravam-se pela madrugada e jogavam conversa fora. Decidiam o mundo. Opinavam politicamente. Discutiam comportamento, moda, música e sobrevivência.

Eu era bem mais jovem que Ivan Valença, Nino Porto (Já falecido), Nilson Barreto Socorro (que já foi Secretário de Estado da Educação no Governo Albano Franco e hoje é nome de Escola em Socorro) e até mesmo que a Nega da Madruga, prostituta das antigas, mas que tinha base cultural e política e falava corretamente (a ponto de corrigir um outro que se atrevesse a atropelar a língua mãe). Na verdade, eu nunca fui jornalista de redação. Escrevia uma página cultural, tinha uma coluna, uma época, editei a Gazetinha, que era o suplemento dominical da GAZETA DE SERGIPE e que lançou a Thaís Bezerra. O Ivan valença, editor do Jornal, me pediu uma indicação para uma colunista e eu indiquei a Thaís que estava voltando de um “Time” no Rio Grande do Sul. As primeiras colunas foram construídas com o pensamento de Zé Luiz (presidente do DCE na época), eu e o próprio Ivan Valença.

Mas, voltando as madrugadas, depois, esticava-se para a Churrascaria São Carlos (Hoje, tem um posto de Gasolina – vizinha do antigo terminal de barcos para Barra e Atalaia Nova) e deliciava-se com um Filé à Parmigiano. Muitas vezes, a noite só terminava quando o dia já aparecia e os primeiros trabalhadores já passavam com as suas ferramentas e bolsas. Aí, não dava mais pra continuar. Era o convite para o retorno à casa.

Na noite, conheci muita gente curiosa e profundos conhecedores da vida. Cada noite, era uma aventura diferente, inusitada. Era um mundo de descobertas para um “mortal estudante universitário” como eu, na época. Afinal, eu estava começando a conhecer a noite. Meu irmão, Eduardo é que é o professor de histórias, tragos e anedotas. Mas foi nessa época, que eu comecei a beber Montila com coca, o famoso Cuba libre (costume que me acompanhou por quase 30 anos. Hoje, estou curado). E aprendi a beber de carreirinha. Muito.

Dizem que os amigos que fazemos em mesa de bar, são os mais verdadeiros. São muitos. Alberto Leguelé, Jaime Costa, Ismar Barreto (que já nos deixou), Plínio, Fradim (garçonzinho), Beto do calabar, Sílvio, Vera do Baneb, Zé Fernandes (o pintor), Sílvio Rocha (que canta e é fotógrafo), Gil Gala, Bel, Ailton Rocha, Américo Negão, Wilson Góes, Nestor Amazonas, Mascarenhas (que também já nos deixou), Montalvão, Gilvan Manoel (Jornalista do Jornal do DIA), Cláudio Cinegrafista, Jesus, Nairson Menezes, Daniel do Valle, Fabrini (que hoje mora em Minas), Lealdo Feitosa (do Teimonde), Fradinho. Por hoje, basta de forçar a Memória. São só algumas recordações pra deixar a saudade mais viva do que nunca.

*Texto reproduzido do site: http://educar-se.com/aue de Jorge Lins.

Reproduzida do blog: fotosantigasdearacaju.blogspot

Postagem originária da página do Facebook/Minha Terra é SERGIPE, em 12 de Dezembro/2012.

Lampião em Capela-SE.

Lampião em Capela-SE.

Assim como tantas outras cidades no Estado de Sergipe, Capela também foi visitada pelo afamado Capitão Lampião, na época do cangaço, e não só uma vez, como duas.
A primeira honrada visita do rei à Capela, aconteceu no dia 24 de outubro de 1929. Descaradamente mandou um recado para o prefeito da cidade, Antão Correia de Andrade, para que entrasse na cidade com ele. Virgulino passou no telégrafo e depois foi ao Cine-Teatro Capela, que no momento exibia um filme mudo e a orquestra tocando. Depois que Lampião entrou, as luzes se acenderam e o povo começou a querer sair. “Daqui ninguém sai e quem correr vê o gosto da bala atrás”, teria dito Lampião. O juiz correu, conseguiu pular o muro e se escondeu num convento.
O filme era Anjos das Ruas, de Janet Gaynor. Lampião mandou que a luz fosse apagada e que o filme continuasse, e ainda teria dito ao jornalista Zózimo Lima que nenhuma notícia dele era para ser dada. Lampião não gostou do filme e saiu. Ele teria pedido ao prefeito 20 mil contos de réis, mas Antão só tinha 5 e ele aceitou.
Em seguida, Lampião e o bando foram a uma pensão e lá almoçaram. A turma foi para a Estação de Trem à espera de soldados que vinham da Bahia. Mas nada de soldados. Depois de receber o dinheiro, de fazer algumas compras e pagar e de ganhar um livro sobre a vida de Jesus, Lampião reuniu o bando e foi embora.
Em outubro de 1931, Lampião e o bando voltam à Capela. Fazem alguns reféns nas fazendas e manda o irmão do vigário informar que entraria de novo na cidade. O recado foi dado, mas desta vez um grande grupo de moradores (inclusive mulheres) se organizou, armou-se e ficou escondido nas torres da igreja. Lampião achou demorado o recado, entra na cidade e é recebido com chumbo.
Fazendo referência aos tiros que vinham das torres da igreja de Nossa Senhora da Purificação, Lampião teria dito: “Vamos embora que nesta cidade até os santos atiram”. Virgulino ficou nos arredores da cidade e teria praticado uma série de crimes. O Jornal da Tarde, de São Paulo, em 30 de julho de 1973, conta as histórias de Lampião em Capela.

Fonte Pesquisada: Wikipédia, a enciclopédia livre.

Foto e texto reproduzidos do Blog: blogdomendesemendes.blogspot
De: José Mendes Pereira

Postagem originária da página do Facebook/Minha Terra é SERGIPE, em 15 de Dezembro/2012.

Lampião em Sergipe - 1a. Parte

Foto: Alejandro Zambrana

LAMPIÃO EM SERGIPE - 1
Por Luiz Antônio Barreto

Virgulino Ferreira da Silva, o Capitão Lampião como assinava, morreu em Sergipe em 28 de julho de 1938. Atacado de surpresa por força alagoana na Gruta do Angico, município de Poço Redondo no sertão...
Virgulino Ferreira da Silva, o Capitão Lampião como assinava, morreu em Sergipe em 28 de julho de 1938. Atacado de surpresa por força alagoana na Gruta do Angico, município de Poço Redondo no sertão “sanfranciscano”, seu corpo, depois de decepada e levada a cabeça como troféu de guerra, ficou exposto naquela região sergipana com o da sua companheira Maria de Déa, ou Santinha, a Maria Bonita, e cangaceiros- uma dezena deles - que participavam da reunião dos grupos naqueles dias de desconfiança. A cena da morte de Lampião aconteceu quase dez anos depois das suas primeiras e famosas incursões em Sergipe, em 1929, que representam um capítulo especial na vida do cangaceiro e das quais se ocuparam, mais recentemente, Oleone Coelho Fontes da Bahia, Antonio Amaury de São Paulo e Vera Ferreira, filha de Expedita e neta de Virgulino e de Maria Bonita, de Sergipe. Carira, no oeste sergipano, vizinho ao sertão baiano, parece ter sido o primeiro ponto da presença de Lampião com seu grupo, em Sergipe em 1º de março de 1829 e marcaria um roteiro de visitas por vários municípios do Estado, no vai e vem cíclico que ainda não foi devidamente mapeado e nem registrado textualmente como deveria. A visita de Lampião a Carira foi rápida, precedida de uma comunicação ao Delegado e indicava uma viagem maior chegando até Frei Paulo. Na madrugada do dia 2 de março, depois de conversar com o povo, dar sua versão de como entrou no cangaço e zombar da Polícia, que chegava nos lugares sempre depois de sua saída, Lampião acompanho de 6 homens, voltou para o interior baiano passando pelas terras do Coronel João Sá, chegando já com 10 homens na Fazenda Capitão, em Jeremoabo. A visita seguinte, a Poço Redondo em 19 de abril de 1929, permitiu um encontro de Virgulino Ferreira da Silva com o padre Artur Passos, Pároco de Porto da Folha então celebrando missa naquele povoado como fazia periodicamente. Um diálogo duro entre o cangaceiro e o padre, marcou a presença do grupo em frente da Igreja quando Lampião pediu permissão para assistir missa com seus “rapazes”. Para o padre celebrante, virando-se do altar para o povo viu além do sol fora da capela, cabeças descobertas, sem armas, de braços cruzados, atentos, respeitosos, olhos pregados nele (o Capitão), “Esses homens cujas vidas têm sido um amontoado de crimes, delitos e abominações, mas homens todavia”. Lampião tomou lápis e papel e fez uma lista dos seus homens informando nome, apelido, idade e entregando-a ao padre com observações de defesa. Tinha Lampião 29 anos e estava acompanhado do seu irmão Ezequiel, o Ponto Fino, de 20 anos, Virgínio Fortunato, o Moderno, com 28, Luiz Pedro da Silva, o Esperança, com 24, Cristino Gomes da Silva, o Corisco, com 23, Mariano Gomes da Silva, o Pernambuco, com 25, Hortêncio Gomes da Silva, o Arvoredo, com 24, José Alves dos Santos, o Fortaleza, sem indicação de idade, José Vieira da Silva, o Lavareda, com 27, e Antonio Alves de Souza, o Volta Seca, com 18. Diante de Virgulino Ferreira da Silva, o padre Artur Passos diz: “Alto, acaboclado, robusto, andar firme e compassado, cabeça um tanto inclinada, o olho direito inutilizado, com uma grande mancha branca, olhos brancos de aro de ouro, ou metal dourado, um sinal preto na face direita. Na cabeça, grande, alto, vistoso chapéu de couro, ainda novo, bem trabalhado, a imitar os antigos chapéus de dois bicos, com as pontas para os lados, tendo as largas abas da frente e de detrás erguidas e enfeitadas. Uma estreita tira de couro, ornada, o prende a testa, uma outra à nuca, e uma terceira, o barbicacho, aos queixos. Este chapéu fica, assim, bem seguro e apesar da altura não deve cair com facilidade. Cabelos estirados, cortados à Nazarena, inteiramente bem barbeado. Blusa e calças - perneiras de caqui. Aos pulsos – guarda – pulsos – de couro, de uns quatro dedos de largura. Anéis em todos os dedos, teria na ocasião uns 5 ou 6 na mão direita e uns 6 ou 8 na mão esquerda.” Padre Artur Passos dá em seu testemunho dos jornais, longa descrição da figura quase cavalheiresca do cangaceiro, já integrada ao imaginário do povo brasileiro, especialmente nos estados do Nordeste, onde era tido como governador” e como “interventor” do sertão. O vigário de Porto da Folha continua construindo a imagem que fez de Lampião: “Duas grandes cartucheiras de um lado e duas iguais do outro, cruzam-se sobre o peito. A cintura, à quisa de cinturão, uma larga cartucheira com dois ou três ordens de cartuchos. Tudo bem enfeitado de ilhoses e placas de metal. Na mão, inseparavelmente, a arma terrível que tantas mortes já vomitou, no rápido crepitar, no lampejar contínuo do qual, segundo consta, se origina o seu nome de guerra. Esta arma não é rifle. É sim um mosquetão de cavalaria, ou coisa semelhante, arma de cinco tiros que tem o ponto curvo. A frente, passando entre as cartucheiras, o já conhecido punhal, de uns três palmos, cabo e bainha de metal branco, arma forte, bonita, mau grado a aplicação que tem, de ótima têmpera. Ao lado e às costas, pendentes de fortes bandoleiras, as sólidas mochilas, bem recheadas de balas, formando uma larga e saliente roda, de grande peso. Tudo isto liga-se ao corpo de modo tal, que forma uma couraça fixa, sem lhe prejudicar os movimentos rápidos. Ao voltar-se para qualquer parte e em qualquer posição, nada desse arsenal se desloca. Usa uma espécie de sapatos de grossas solas e bem feitos. Traz esporas e rebenque e, ao montar, calça umas luvas de pano marrom que cobrem apenas as costas das mãos. Anda sempre bem barbeado. Em tudo guarda serenidade e presença de espírito. Este o homem.” Descrevendo todo o bando, padre Artur Passos diz: “Estes dez homens, moços, fortes, robustos, musculosos, formam um verdadeiro esquadrão sui generis, assim, mais ou menos, igual e formidavelmente uniformizados. Diversos deles, nomeadamente o Moderno, trazem, além dos guarda – pulsos de couro, pulseira nos pulsos e pendentes dos dois bicos quue formam as abas dos grandes, altos e vistosos chapéus. Cabelos bons, cortados à Nazarena, barbeados todos. Trazem muitos anéis em todos os dedos, mas nem os anéis e nem as pulseiras são de grande valor. Alguns trazem cobertas, ou cobertores, bem bordados, sob as cartucheiras, ornadas, bem como as correias das armas, de ilhoses brancos e rodelas de metal. Tal a sua disciplina, que formam um tanto compacto e homogêneo. Alguns são calados e reservados. Não mostram, porém, face carrancuda, nem os vi com maus modos. Não têm, inclusive Lampeão, cara repelente, como imaginamos nos bandidos em geral, devendo frizar, porém, o olhar especial de um deles, o fedelho de 16 a 18 anos, que os acompanha. Estão bem armados, todos, trazendo alguns 2 ou 3 revólveres e, ao que parece, bem municiados. Apenas uns 3 ou 4 estão armados a rifles, os demais, como Lampeão, trazem mosquetão de cavalaria. Observei bem que são destemidos e valentes.” (continua).

Trecho do ensaio: "O Encontro de Lampeão com o Padre"
Do livro: O Incenso e o Enxofre.
Fonte: Pesquise - Pesquisa de Sergipe / InfoNet.

Texto reproduzido do site: infonet.com.br/luisantoniobarreto

Postagem originária da página do Facebook/Minha Terra é SERGIPE, 15 de Dezembro/2012.

Lampião em Sergipe - 2a. Parte


LAMPIÃO EM SERGIPE - 2
Por Luiz Antônio Barreto.

Antes de chegar a Poço Redondo em 29 de abril de 1929, Lampião esteve em Ribeirópolis, Pinhão e no povoado do Alagadiço, pertencente a Frei Paulo. Parecia procurar alguém ou reconhecer um terreno...
Antes de chegar a Poço Redondo em 29 de abril de 1929, Lampião esteve em Ribeirópolis, Pinhão e no povoado do Alagadiço, pertencente a Frei Paulo. Parecia procurar alguém ou reconhecer um terreno onde contava com amigos, como Otoniel Dória, de Itabaiana, terra de Volta Seca. A amizade entre Lampião e Otoniel Dória certamente evitou a entrada do cangaceiro e do seu grupo em Itabaiana. No dia 21 de abril Lampião estava em Ribeirópolis, de lá foi para o Pinhão, voltou para Ribeirópolis, foi a Alagadiço, seguindo viagem até chegar a Poço Redondo, a terra que mais contribuiu com gente, homens e mulheres , para os bandos de cangaceiros. Entrando e saindo de Sergipe, Lampião escolhia a dedo o roteiro e o lugar de suas visitas. A sua presença em Capela, em novembro daquele mesmo ano, é a mais conhecida e relatada, graças aos depoimentos de Jackson Alves de Carvalho, incluindo o relato que fez ao conterrâneo Nelson de Araújo, publicado no jornal A Tarde, da Bahia, e aos artigos de Zózimo Lima, no Correio de Aracaju e na Gazeta de Sergipe. Os dois informantes foram protagonistas dos acontecimentos na Capela e mereceram de Lampião toda a atenção. Um deles chegou a ser procurado no cinema da cidade. Zózimo Lima era dos Correios e Telégrafos, posto chave para evitar que a notícia da presença ali do cangaceiro fosse comunicada às autoridades. Antes e depois de Capela, o capitão esteve em Nossa Senhora das Dores. A rota de Virgulino Ferreira da Silva em Sergipe era guardada por um grande círculo de amizades, transformadas quase sempre em coitos e em fornecimento de víveres, armas, munições, animais, dinheiro e outras coisas necessárias à sobrevivência do chefe e do seu bando. Um dos bons amigos de Lampião foi o capitão médico Eronídes de Carvalho, que depois da revolução de 1930 passou a ser figura destacada da vida política sergipana, ocupando o Governo da Interventoria e sendo, com a constitucionalização de 1934, Governador do Estado. Em agosto de 1929, ano que Lampião passou quase todo em Sergipe, na fazenda Jaramantaia no município de Gararu, houve um encontro entre os dois amigos. Foram longas conversas documentadas pela câmera fotográfica de Eronídes de Carvalho, em fotos que o cangaceiro usa perneiras, o que era raro. Além de ser amigo do militar, Virgulino Ferreira da Silva tinha fortes laços com Antonio Carvalho, o Antonio Caixeiro, pai de Eronídes e influente senhor de terras em Canhoba, Gararu e Porto da Folha e em outros locais do sertão do São Francisco. A notória amizade estimulava os comentários de que a família de Eronídes de Carvalho fornecia armas e munições novas, modernas, tornando Lampião melhor armado do que as forças que o perseguiam. O rio São Francisco era a ponte para Lampião, seu grupo, e os grupos de outros chefes, como Zé Sereno e Corisco, que freqüentemente andavam em solo sergipano. Sendo comum a travessia, nem sempre foi fácil fixar com precisão, quantas foram e quando foram as visitas dos cangaceiros a Sergipe. O que se sabe é que Sergipe foi bem freqüentado e viveu dias de medo, e sobressalto, debaixo da presença sempre surpreendente dos cangaceiros. Sabe-se também, que os senhores de terra e de engenhos davam quantias significativas a Lampião, atendendo aos seus pedidos, quase sempre escritos em cartões de visita com sua foto ao lado, ou em simples pedaços de papel. Antes de ter encontrado com o padre Artur Passos em Poço Redondo, Lampião pode ser assistido missa em Canindé, o arruado antigo que desapareceu do mapa para que surgisse, com a barragem do rio, uma nova cidade. No entanto, não houve o registro nos moldes do que foi feito pelo padre Artur Passos. A presença de Lampião em Sergipe permaneceu no noticiário dos jornais e nas conversas das cidades, povoados, nas feiras e nas ruas e estradas sergipanas, até sua morte na gruta de Angicos, nos domínios geográficos de Poço Redondo, no dia 28 de julho de 1938. O ataque da força alagoana atraiu a imprensa do Brasil, enquanto por coincidência ou não, Eronídes de Carvalho, na chefia do Governo, novamente como Interventor, pagava matéria publicitária de Sergipe, nos jornais do Rio de Janeiro. A morte de Virgulino Ferreira da Silva não encerrou o ciclo. Corisco, que escapou do massacre por ter chegado atrasado para o encontro com Lampião, vingou o chefe degolando moradores de fazendas da margem sergipana do rio São Francisco. O rei do cangaço mereceria ainda, a atenção de escritores sergipanos, como Ranulfo Prata e Joaquim Góis. O primeiro era médico, escritor premiado como contista e como romancista, autor de Dentro da Noite, Navios Iluminados, Lírio da Corrente, escreveu Lampião, documentário editado em 1937 (Rio de Janeiro: Ariel) quando ainda vivo Lampião alimentava o imaginário social com suas façanhas. Joaquim Góis, investigador de polícia, integrante de uma das volantes sergipanas, revelou-se excelente narrador ao escrever Lampião – O Último Cangaceiro (Aracaju: Sociedade de Cultura Artística de Sergipe, 1966). Outro sergipano, José da Costa Dória, radicado na Bahia, testemunha ocular da presença de Lampião no sertão baiano, deixou inédito Vida e Morte do Cangaceiro Lampeão. Padre Artur Passos fez registro do seu encontro com Lampião em Poço Redondo em série de artigos publicados em pequenos jornais de Penedo, Alagoas e de Rosário do Catete e outros lugares de Sergipe. O jornalista baiano radicado em Aracaju, Juarez Conrado é o autor de A Última Semana de Lampião, publicado em 1983, adaptado para especial na televisão. O acadêmico e magistrado José Anderson do Nascimento escreveu Cangaceiros, Coiteiros e Volantes, editado em 1998. Sila: Uma Cangaceira de Lampião é o livro de Ilda Ribeiro de Souza, a Sila, mulher de Zé Sereno, com seu depoimento sobre as andanças dos grupos pelo Nordeste. E Alcino Alves Costa, político de Poço Redondo, tem contribuído com informações e análises para a compreensão do fenômeno do cangaceirismo e especialmente sobre a presença de Lampião em Sergipe. Depois de publicar Lampião Além da Versão, em 1996, acaba de lançar O Sertão de Lampião, ambos editados sob os auspícios da Secretaria de Estado da Cultura. Vera Ferreira, filha de Expedita e neta de Lampião e de Maria Bonita tem pesquisado e estudado o cangaço, publicando livros esclarecedores, sozinha ou em parceria com o incansável Antonio Amaury Corrêa de Araújo, odontólogo e escritor radicado em São Paulo.

Fonte: Pesquise - Pesquisa de Sergipe / InfoNet

Texto reproduzido do site: infonet.com.br/luisantoniobarreto


Postagem originária da página do Facebook/Minha Terra é SERGIPE, em 15 de Dezembro/2012.

quinta-feira, 13 de dezembro de 2012

Parque Teófilo Dantas e O Cachorro Quente de Seu João


O Cachorro Quente de Seu João.
Por Amaral Cavalcante

Tanto se investigou, muito se discutiu, mas ninguém nunca constatou o que fez do Cachorro Quente de Seu João o preferido da cidade. Metade de um pão Jacó recheado com carne frita picadinha, batatinha pra fazer volume e uma profusão de alface. Nem salsicha tinha! Mas lá pras seis da tarde, o que parava de carrão com encomenda de oito, pra levar, confirmava: era o jantar das madames.

Vendia como bênção no portal do inferno. Em volta do panelão fumegante na hora do rango, juntava todo tipo de gente. No oitão da catedral, em frente ao Colégio Jackson de Figueiredo num quiosque mal ajambrado, mendigos, advogados, desabonados da sorte e cidadãos de mais ilibada moral (desconjuro!) compareciam, viciados no lanche barato - o Cachorro Quente de Seu João. Comê-lo, requeria contorcionismos de bailarino e habilidade na mordedura, senão, o conteúdo esguichava na roupa, melava o sapato, engordurava a gravata!

A cidade não tinha melhor o que fazer. Dali podia-se paquerar colegiais das melhores famílias, doidas para controverter a bitola moral de D. Judite - matriarca de gerações dondocas no Colégio Jackson. De vez em quando ela concedia à sua preservada prole desfilar em procissão do Colégio até o sacratíssimo sacrário na Catedral, em ordem unida, por graças alcançadas. Festa! As meninas facilitavam cinco centímetros a mais na barra da saia para deleite geral e remissão dos nossos pecados. A praça se enchia de promessas eróticas, os consumidores do Cachorro Quente de Seu João achavam namoradas e o amor de Deus estava servido. As mais afoitas, fugidas da procissão escolar, se permitiam até uma mordidinha no bico do pão com promessas de afagos. Mas Seu João, de colher de pau em punho, não aprovava isso: “Ô moleque, vai futucar o xibiu da mãe!”

Era um velho nos velhos moldes, Seu João. Cara fechada, resmunguento, negão de altura colossal e chapéu panamá, manoplas ágeis no corte certeiro do pão e no delicado trabalho de enchimento: quanto menos carne melhor, a alface enfeitava. E fiado, nem pro Bispo!

Mas ninguém parra imune à convivência com a malandragem, nem Deus. E assim mesmo, só quando Ele desvia o tunco, prestando atenção pros lados. O território de Seu João também era o nosso, o da malandrona Turma do Parque Teófilo Dantas, esturricada de fome e, sempre, desabonada de grana.

Pois foi num descuido desses – Seu João olhou pros lados - que Cabo Tripa, capitão da molecagem no Parque, deu um devo nele. Que feito extraordinário! Se disse funcionário municipal prestes a receber abono de muita grana e lhe ofereceu dois por um pela comemoração antecipada. Pagaria depois em dobro, quando rico estivesse. Seu João acreditou, caiu na esparrela.

A ordem foi comer até estufar.
Pois bem, não lhes conto mais nada, assim, de boca cheia!

Só que no outro dia, diarréia. E nunca mais ninguém de nós botou as caras por lá, temendo a justiceira colher de pau de Seu João no cocuruto.
  
Amaral Cavalcante - dezembro/2008
Texto e foto reproduzidos do blog gilsonsousaaracaju.blogspot.com.br
De Gilson Sousa

Postagem originária da página do Facebook/Minha Terra é SERGIPE, em 12 de Dezembro/2012.