Por Luiz Antonio Barreto
"Embora criada com fóruns de
capital, como São Cristóvão foi fundada como Cidade, Aracaju ganhou um glamour
todo especial, realçado, muitas vezes, pelos seus mais eminentes cronistas e
por uma legião de admiradores, conquistados ao longo do tempo. A marca trágica
das febres ficou como página da história, arquivada no passado.
As duas necessidades básicas do
seu urbanismo, o saneamento e o embelezamento, tomaram o lugar das áreas
pantanosas, dos córregos, dos alagados, honrando o projeto original, do xadrez
de quadras, com ruas simétricas, praças, tendo como peão de ordenamento a Praça
do Palácio, hoje Fausto Cardoso. Desde cedo, portanto, que a Praça Fausto
Cardoso é um ponto importante na planta da cidade, que daqui a dois anos completará
150 anos.
Na Praça a Ponte do Imperador,
ali construída para receber Pedro II, sua mulher e comitiva, em 1860. De lá
para cá o tempo fez da Praça um recanto especial, um ponto de convergência para
os encontros amorosos, as retretas, as festas, as missas, as concentrações
políticas, os ajuntamentos das procissões de Bom Jesus dos Navegantes, e tantas
outras reuniões sociais. Na Praça, em 26 de agosto de 1906, morria assassinado o
deputado federal, poeta e pensador Fausto Cardoso, que acabara de depor o
presidente do Estado, desembargador Guilherme Campos, irmão e preposto do
monsenhor e senador Olímpio Campos. O nome do mártir ficou, como testemunharia,
por anos seguidos, as homenagens prestadas ao pé da sua grande estátua, chapéu
na mão, imortalizando aquele cenário com sua revolução e morte, e onde está a
inscrição lapidar: “A liberdade só se prepara na história, com o cimento do
tempo e o sangue dos homens.” O monsenhor Olímpio Campos, também morto no
episódio que ficou conhecido como “a tragédia de Sergipe” ganhou, na outra
praça, monumento e culto à sua memória. Poucos lugares aracajuanos carregam
tanta simbologia, tem tanto a ver com a vida da cidade, quanto a Praça Fausto
Cardoso, seguida da própria Praça onde está a Catedral: diferentes em suas denominações
e em seus usos. Da Praça a cidade ramificava-se para todos os lados, beirando o
rio Sergipe, espelho de águas interioranas, com cheiro de açúcar que os
saveiros traziam para os armazéns e trapiches, antes que fossem adoçar os
alimentos por várias partes do Brasil e do mundo.
Pela rua João Pessoa, que antes
teve os nomes de rua do Barão e rua de Japaratuba, o comércio escorria, de cima
a baixo, o movimento do povo. A Praça Fausto Cardoso era uma divisa da cidade:
para o norte, o comércio, os bancos, os estacionamentos, o porto, a estação
ferroviária, os mercados, os caminhões de feira, e, mais adiante, as fábricas
do bairro Industrial; para o oeste as ruas populares – Vitória (hoje Carlos
Burlamaqui) e Bonfim (hoje Getúlio Vargas, mas também já foi Sete de Setembro),
São Cristóvão e Laranjeiras, as oficinas, os bairros populosos; para o sul as
residências burguesas, senhoriais, as ruas arborizadas, o caminho das praias.
Em 1955 a Praça Fausto Cardoso
ganhou um novo equipamento, que embora construído no início da Rua de João
Pessoa foi sempre uma conexão com a vida social da praça: o Cine Pálace, dotado
de formas modernas, poltronas acolchoadas, ar condicionado central, pinturas de
Jenner Augusto nas paredes, pequenas arandelas revelando o degradê, enfim um
espaço luxuoso, que atraía nas tardes e noites do Domingo aracajuano multidão
de pessoas, especialmente de jovens, para os seus filmes, nas sessões das 14,
das 17, das 19 e das 21 horas, quando o som de Eb Tide parecia envolver os seus
freqüentadores.
Havia uma harmonia em todo o
conjunto próximo da Praça Fausto Cardoso. A rua João Pessoa, nos trechos entre
a Praça e a rua de São Cristóvão, preparava as vitrines de suas lojas, com
farta iluminação, para o Domingo. Parecia antecipar os centros comerciais de
agora, que proliferam no mundo todo, iguais. Cada comerciante buscava a arte da
decoração, para tornar suas vitrines cada Domingo mais belas, aos olhares de
moças que andavam, indo e vindo, pelas calçadas da rua, num quem-me-quer que
deixou saudades. O Cine Pálace exibia, pela tarde, em duas sessões, filmes
americanos ou brasileiros leves, distraídos, e suas poltronas estavam, nos dois
níveis do cinema, sempre lotadas. No intervalo entre as sessões do matinée as
filas se formavam, compridas, pela rua João Pessoa ou, algumas vezes, pela
travessa ao lado do cinema. Entre as 18 e 19 horas o jantar e a missa eram as
atrações obrigatórias, mas as 19 horas o movimento começava a crescer, na porta
do cinema, na rua João Pessoa, no footing que colocava os rapazes encostados
nas paredes das lojas e as moças desfilando, com graça e beleza, nas calçadas,
numa passarela elegante, cheirosa, muitas vezes propícia aos novos namoros. Na
Praça, onde as moças completavam, ou iniciavam, suas rotas no quem-me-quer, casais
de namorados escapavam dos olhares dos transeuntes, em idílios por entre os
canteiros, tanto em direção a Ponte do Imperador, como nos velhos jardins, que
já foram chamados de Olímpio Campos, entre as praças Fausto Cardoso e Olímpio
Campos.
Logo após as 20 horas começavam
novas filas para a segunda sessão do Pálace, freqüentada por maiores, que
podiam permanecer na rua até as 23 horas. Quando começava a Segunda sessão do
Pálace, as 21 horas precisamente, as pessoas deixavam a rua de João Pessoa e a
Praça Fausto Cardoso, ao mesmo tempo, rapidamente. As luzes das vitrines eram
apagadas, as portas das lojas cerradas, a fila do cinema tragada pelo início do
filme, todo o cenário desocupado. Dizia-se, com humor, que naquela hora estava
solto o homem nu. Naquele tempo a nudez podia, ainda, afugentar as pessoas,
principalmente as jovens que percorriam a rua de João Pessoa, como se
desfilassem a procura de um par.
Por anos seguidos as tardes e
noites de Domingo reuniram multidões de rapazes e moças, tendo a Praça Fausto
Cardoso, a rua de João Pessoa, as suas lojas, os seus cinemas – Pálace e Rio
Branco, como ambientes especiais da vida social de Aracaju". (Publicado na Infonet em 2004).
Postagem original na página do Facebook, em 6 de Agosto de 2012.
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