Publicado em 15/01/2002.
Ariosvaldo Figueiredo.
Por Osmário Santos.
Ariosvaldo Figueiredo Santos nasceu na cidade de Malhador a
28 de novembro de 1923. Seus pais: Alcides Melo Santos e Maria de Lourdes
Figueiredo Santos.
O Sr. Alcides era um homem de origem humilde, homem de muita
luta que chegou a ser proprietário rural, dono de alambique e de beneficiamento
de algodão. Dele, o filho herdou o espírito progressista, sempre acreditando no
amanhã, não nos privilégios e privilegiados, mas no direito, na justiça, e na
liberdade. De Maria de Lourdes, mulher muito justa, tipo de senhora dona de
casa bem à moda antiga, aprendeu desde cedo a conviver com liberdade justiça.
Chegado o momento dos estudos, passou a ser aluno do Colégio
Tobias Barreto. Seus pais resolveram morar em Aracaju devido à preocupação com
a educação de seus seis filhos.
Com o professor José de Alencar Cardoso, o primeiro contato
com os livros. Também recebeu aulas, nessa fase inicial dos estudos, das
professoras Estelita, Briolangia e Mariinha. Estudou por dez nos no Colégio
Tobias Barreto em dois expedientes. De Alencar Cardoso, comenta: “Era um homem
que apresentava uma ferocidade por fora, talvez para esconder a generosidade do
interior.
Uma época de Tobias, onde conviveu diariamente com mestres
que marcaram uma das fases áureas da educação em Sergipe. Presta homenagem aos
nomes dos professores Figueiredo, que ensinava Geografia e História, Artur
Fortes e Abdias Bezerra. Uma geração de mestres que não eram apenas competentes,
mas pessoas sérias.
Chegando até o quinto ano, último ano que existia no Colégio
Tobias Barreto, necessitava fazer os dois anos do curso complementar, conforme
legislação educacional da época. Foi, portanto, estudar no Colégio Atheneu.
Estando no Atheneu, estourou a Segunda Guerra Mundial, fonte
perene de altas discussões políticas pelos estudantes. A atividade política do
estudante cresceu. Não é por acaso que, em 1937, na ditadura de Getúlio, nasceu
a UNE. Foi a fase áurea da UNE, porque não havia uma luta partidária, havia uma
luta política.
Aliás, na minha geração, fui muito infeliz. Na minha
adolescência, nós nascemos e crescemos na ditadura de Getúlio, implantada em
1937 e, na maturidade, conhecemos a ditadura de 1964.
Após muita participação na política estudantil ao lado dos
colegas do Atheneu, com o término do curso complementar, foi fazer curso
superior na Bahia. Fez vestibular em Salvador, passou em Agronomia e, surpreso,
recebeu a notícia de que a faculdade em que ia estudar tinha sido transferida
para Cruz das Almas.
Não cursou de imediato. Antes de ir a Salvador, fez um ano
de CPOR no 28º Batalhão de Caçadores. Aproveitou e fez mais um outro ano do
curso no Exército em Salvador. Quando terminou o curso do Exército, depois de
fazer um estágio em Ilhéus, recebeu promoção militar. “Eu sou 2º tenente”.
Do lado do Exército, só tem a comentar, como lado negativo,
a tomada de posição em 1964, quando foi contra o povo.
A gente tem que esquecer o que aconteceu em 1964, porque não
interessa dividir a sociedade brasileira e vou dizer mais: as grandes causas
deste país não nasceram dos sindicatos, nasceram nos quartéis. A criação da
Petrobras nasceu nos quartéis. A luta com as oligarquias no Brasil foram feitas
pelos militares em 1922, 1924, e em 1926 e pela própria revolução de 1930.
Agora, o que aconteceu em 1964, por culpa também da esquerda, incompetente e
leviana, é que jogaram os militares na direita. Eles não têm essa tradição no
Brasil, não. Aí é que está o equívoco. Foi a maior tragédia, porque a esquerda
jogou os militares na direita, que passou a conspirar nos quartéis. Certos
esquerdistas incompetentes ficaram desejando criar um Exército popular no
Brasil.
Deixando o Exército, foi estudar em Cruz das Almas, saindo
entre 1948 e 1949 e veio exercer a profissão em Sergipe. Chegando por aqui, não
conseguiu emprego dizendo que isso foi por causa de ser o Brasil, inclusive
Sergipe, um condomínio dividido entre PSD e UDN. “Eu não era nem PSD nem UDN,
sobrei”.
Desses partidos políticos, complementando o PR, disse que
eles encheram Sergipe de sangue, de brigas, perseguições, mortes, até chegarem
a 1964, quando todos se juntaram e fizeram a ARENA.
Como o pai era amigo de um sergipano que morava em Minas e
que era o presidente da UDN daquela cidade, um advogado e professor chamado
Alberto Deodato, conseguiu espaço para início de profissão. O secretário de
Alberto Deodato era Francelino Pereira.
Em Minas, passou 10 anos como funcionário da Secretaria de
Agricultura do Estado. Por considerar o afeto o lado mais bonito da vida, com a
morte do pai, veio para Sergipe, a fim de estar junto com os irmãos. Chegando
aqui, estando o Banco do Nordeste em fase de instalação, passou em concurso,
obtendo o primeiro lugar, com direito a escolher a agência em que queria
trabalhar. Optou por Aracaju, sendo o primeiro fiscal orientador do Banco do
Nordeste.
Quando estava no auge da carreira bancária, fez um plano de
reclassificação de cargos para todo o banco e foi vitorioso. Como castigo, recebeu
do presidente do banco transferência para ir trabalhar na cidade de Natal.
Revoltado com tal situação, pegou o avião e foi até a sede do banco na cidade
de Fortaleza.
Quem me transferiu, Olavo Galvão, tinha acabado de sair, e
estava entrando Raul Barbosa, que foi até governador do Ceará em 1950. Quando
cheguei, o Dr. Raul Barbosa tinha tomado posse na véspera. Me recebeu muito bem
e logo me disse que já estava sabendo da minha história. Me recomendou ir para
Natal, prometendo que, passados 30 dias, me colocaria de volta a Aracaju. Já
que ele não podia desfazer o ato, fui para a máquina e pedi exoneração do
banco.
Chegando em Aracaju, aceitou o convite do ex-colega de Cruz
das Almas, Engenheiro Agrônomo Passos Porto, para trabalhar com ele no Ministério
da Agricultura em Sergipe, cargo para o qual tinha sido recém-nomeado.
Passado um bom tempo, foi colocado à disposição do Colégio
Agrícola Benjamim Constant, como professor. Ensinou de oito a nove anos sobre
técnicas agrícolas, dizendo que sempre se sentiu bem em sala de aula.
Em 1955, marcou presença na Gazeta Socialista, fundada por
Orlando Dantas. Da equipe básica da Gazeta Socialista, cita os nomes de
Tertuliano Azevedo, Hildebrando de Souza Lima e Orlando Dantas.
Já tinha, deste o tempo de estudante de Agronomia,
desenvolvido trabalho jornalístico como articulista, experiência que lhe valeu
a conquista de espaço na Gazeta de Orlando. Juntando a isso, uma sintonia com a
linha de pensamento de Orlando Dantas. “Tanto que, nós tivemos uma convivência
de quase trinta anos”.
Na Gazeta, Ariosvaldo desenvolveu um trabalho jornalístico
polêmico, tendo penetrado em problemas até então deixados de lado pela imprensa
de Sergipe: o problema do negro em Sergipe, o problema da mulher, o problema
das minorias. “Sempre fui e sou naturalmente polêmico”.
Escreveu, diariamente, por mais de dez anos, sempre
incomodando a sociedade sergipana, que sempre foi uma sociedade conservadora e
reacionária.
Eu sobrevivi com os problemas de Sergipe por causa de
Orlando Dantas. Com o tempo, é que eu fui perceber essas coisas. Como eu tinha
total liberdade na Gazeta, eu era um cara, modéstia a parte, lido por todas as
classes, lido por todo mundo, mesmo os que não concordavam. As idéias originais
eram colocadas em minha coluna e Orlando as escrevia no editorial. Não ficava
um problema de Sergipe que não fosse discutido. E qual era a nossa divisa? A
luta pelo desenvolvimento, a luta contra a violência e a luta contra a
corrupção. Orlando doutrinou, Orlando fez escola. Quem primeiro discutiu, em
Sergipe, o problema de planejamento regional foi Orlando e eu, antes da SUDENE.
Não foi José Aloísio de Campos. Isso que dizem de Aloísio de Campos é a pessoa
que está pagando os empregos recebidos. Ele não era nem um economista formado.
Era um economista por força de lei. Contador esforçado, tudo certo. Burocrata,
tudo certo. Mas dizer que ele criou, nada disso ele criou. Entre 1923 e 1926,
Orlando já escrevia sobre problemas econômicas e sociais.
Foi escolhido por unanimidade, paraninfo da 1ª turma de
técnicos agrícolas de Sergipe, fato que gerou o cancelamento da formatura.
Desgostoso com isso, deixou o Colégio Agrícola de lado.
Recebendo Seixas Dórea, candidato a governo, o apoio de
Orlando Dantas, Ariosvaldo não concordou com a posição do amigo. A fim de
evitar uma briga por problemas políticos, resolveu partir de Aracaju, indo
morar no Rio de Janeiro, para fazer o curso no Instituto Superior de Estudos
Brasileiros, o ISEB, considerado a grande trincheira de renovação cultura e
política do país.
Nomeado por Armando Rollemberg, trabalhou como responsável
da Superintendência da Reforma Agrária no Estado de Sergipe, cargo que lhe deu
bastante dor de cabeça.
Tanto que eu tive ameaça de morte, na época. Disseram que eu
era comunista, era agitador, que estava abrindo as pernas. Tudo montado por
meia dúzia de picaretas. Na área política, essa campanha sórdida era dirigida
pelo Rosendo Ribeiro e José Raimundo. Também são figuras horrendas.
Com o Golpe de 64, foi preso, perdendo todos os empregos.
Quando veio o AI 5, o primeiro visado era a Gazeta.
Então, nós, eu e Orlando Dantas, que até o dia do golpe
éramos democratas e sempre fomos democratas, nunca comunista, isso era público
e notório, tornamo-nos comunistas e fomos para a cadeia. Orlando chegou a ir ao
quartel e eu já estava preso.
Ariosvaldo passou três meses preso e fez a surpreendente
revelação de que, durante o período em que esteve preso, nunca foi ouvido em
nenhum interrogatório. “Só me ouviram, depois que eu saí da cadeia”.
Antes de ter sido preso, já tinha feito o curso superior de
Direito, na Faculdade de Direito de Aracaju, período em que presidiu o
diretório acadêmico da faculdade. Também foi presidente do diretório da
Faculdade de Agronomia em Cruz das Almas.
Sem poder exercer funções públicas no período do golpe, foi
advogar e teve bastante tempo para desenvolver seus trabalhos de pesquisas e
literatura. Uma fase de muitas produções, que lhe possibilitou publicar vários
livros. Livro sobre o índio, sobre o problema nacional do potássio e o primeiro
livro sobre o negro em Sergipe.
Convidado para ensinar Sociologia na Faculdade de Ciências
Econômicas, passou a ocupar suas noites dando aulas. Com a Criação da
Universidade Federal de Sergipe, que incorporou todas as escolas de nível
superior, Ariosvaldo passou a ser professor da UFS. Faz questão de dizer que
não saiu da universidade por problema de aposentadoria, e sim por ter pedido
exoneração.
Até o pessoal da Universidade deveria ter dito que tinha
pedido exoneração e isso eu pedi, pela falta de caráter de muitos professores,
pelo baixo nível de muitos alunos. Eu não vou sair de minha casa para me
aborrecer. Aí foi quando eu percebi a gravidade da crise brasileira, que chegou
até a universidade. O que tem aí é uma caricatura. Isso não é uma universidade.
Ela é primária e inidônia, mistificadora, quando deveria ser o centro cultural
do Estado. É por isso que nenhum governador deu atenção à universidade, porque
ela não se preza, não tem dignidade. É cabide de emprego de muitos, negócios de
outros. As exceções você conta nos dedos.
A fim de justificar tanta demora para tal descoberta, pois
só saiu da universidade no ano passado, declarou: “eu sou muito generoso”.
Depois complementou:
Honestamente se eu contrariei alguém, eu fiz
involuntariamente. Eu escrevi durante mais de dez anos, diariamente, nunca fiz
um artigo contra ninguém. É de minha formação. Então muita gente, que eu sempre
tratei com atenção e respeito, eu fui perceber depois que eram canalhas. Daí
porque eu digo sobre a minha generosidade. Fique certo, é até uma lei da
psicologia e vale até como advertência. Tem muita gente que não tem um terço
daquilo que a gente fez. Elas não existem, elas existem na imagem que a gente construiu.
Pelo que eu vi, eu não perco a fé no ser, porque eu acredito no ser humano. E
como dizia o grande escritor Romen Holand, eu sou capaz de pensar só no meio de
todos e de pensar só contra todos.
Em 1964 foi preso como comunista, afirmando que nunca foi e,
em 1980, foi convidado por Albano Franco para ser seu assessor na CNI.
E como é que um empresário, presidente da CNI, vai convidar
um comunista para ser assessor? Claro que não! Me convidou, porque eu conheci
Albano como estudante e, ainda hoje, não concordo com ele, politicamente, mas
me dou com ele como pessoa humana. É preciso distinguir as coisas.
Comenta que Albano Franco foi quem primeiro, no Brasil,
liderou a crítica da política econômica financeira da ditadura num discurso no
qual teve sua participação.
Nunca se sentiu só na vida, dizendo que tudo isso são coisas
qualitativas.
A sintonia do pensar, do querer, da solidariedade, do
melhor, o contrário do que está aí hoje. Eu sou o oposto. Eu sou a luz, eu sou
a construção. E hoje ainda tem gente que pensa assim, embora seja uma minoria.
É como amizade. Você sabe que a amizade é um problema qualitativo. A gente
conhece muita gente, mas quer bem a poucos.
Candidatou-se a deputado federal em 1986 para ser deputado
constituinte, por achar que poderia prestar um grande serviço ao seu Estado e
até ao país. Não foi eleito e queixa-se: “Nenhum político cresce sem grupo”.
Sobre a mentalidade política de Sergipe:
Houve um atraso de mil por cento, acontecendo um retrocesso
escandaloso. Ninguém mais conservador do que Leite Neto, mas ele tinha espírito
público, ele acreditava no povo. Ele tinha interesse em servir ao seu Estado.
Armando Rollemberg, um homem conservador, mas um homem sério, que tem espírito
público. Eles não se elegiam para ganhar dinheiro, para fazer política com
empreiteiras. Hoje só se cuida disso. Não há liderança séria em Sergipe. Isso
aí é um caos. Ninguém precisa ser cientista político, cientista social, para
saber que esses homens não vão fazer bem a Sergipe. Não há condições.
É o único escritor sergipano que vende o que publica.
Nunca nenhum órgão público financiou meus livros e olha que
eu já vendi uma cacetada (sic). Sou o escritor mais lido , mesmo os que não
gostam de mim. Já publiquei 16 livros.
É da Academia Sergipana de Letras e conta por que aceitou
usar o fardão:
É porque a academia me esculhambava constantemente. Eu era
comuna, eu era vermelho e disso eu fazia uma farra. Então eu raciocinei, se ela
dizia isso comigo sem eu nunca ter feito nada contra ela, chegou a hora de ela
engolir o vômito. Tomei posse, e até logo. E você vê que ela vem caindo. Elege
pessoas que não têm obras publicadas.
Do casamento:
Eu nunca gostei de casar, porque eu acho o fim, não agüento,
não tenho saco. Eu tenho amigas, vem aqui, passa oito dias. Primeiro eu tenho
recurso financeiro, posso fazer isso. Mando a passagem ela vem o dia que
quiser, volta e até logo. Outra coisa: nunca quis uma mulher dependente de mim,
porque toda dependência é escravizadora. Eu acho fundamental, para a mulher,
ter seu emprego, sua independência financeira e sua independência de amar a
quem quiser. Amar sim, e não se prostituir. Porque hoje a mulher está se
prostituindo. Toda essa estrutura que está aí é contra a mulher, viu? É para
prostituir a mulher, não é liberdade não. Observe toda liberdade que tem aí. Eu
lembro o caso de uma aluna minha de 18 anos, que eu pergunto pela colega, cadê
fulana? Está grávida? Grávida? Não sabe nem usar o corpo? Não estão sabendo
serem livres, ninguém rompe isso sem cultura. Taí a crise existencial de muita
gente. Se não me engano foi Pio XI, um homem extremamente conservador, que
dizia: ‘O dinheiro é uma beleza quando é o nosso escravo, mas é uma tragédia
quando é nosso senhor’. Se a gente comanda a vida, a vida nos dá em troca muita
coisa. E não está comandando. É a crise da sociedade brasileira.
De amor e sexo: “Eu não amo dentro dos modelos. Sexo é
fundamental só que o sexo não vai aonde o amor chega. A maioria trepa (sic),
não ama “.
Texto reproduzido do site: osmario.com.br
Postagem originária da página do Facebook/Minha Terra é SERGIPE, de 30 de janeiro/2014.
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