Foto: Alberto Dutra
Artigo publicado na Revista Rever, em 13 de dezembro de
2013.
Os Afoxés em Sergipe: Articulações Políticas e visibilidade
Religiosa.
As festas de celebração aos Orixás tem uma trajetória
recente em Aracaju, se diferenciando da formação em Salvador. Em artigo para a
REVER, Lili Santana trás o histórico desses grupos e suas relações com partidos
políticos
Por Lili Santana*
No dia 08 de dezembro, dia de Nossa Senhora da
Conceição/Oxum ocorre o cortejo de afoxés na Orla de Atalaia em Aracaju. Esse
cortejo completa sua nona edição este ano. No entanto, também existem afoxés
que não fazem seus cortejos nesta data, mas em dias específicos homenageando os
seus orixás.
Mas o que é afoxé? Afoxé é uma manifestação cultural que
busca dar visibilidade aos elementos do candomblé para a sociedade através de
rituais e símbolos que remetem à religião (roupas, adereços, músicas, danças e
instrumentos musicais) e tem como elementos principais que o caracterizam: o
ritmo ijexá e o cortejo. Eles também têm como pauta discursos de resistência
cultural e luta étnica pela valorização do negro enquanto ser social.
Os afoxés no Brasil surgem primeiramente na Bahia, mais
especificamente no ano de 1895, em Salvador, período de fortes proibições a
elementos que remetessem ao candomblé e à cultura negra. Naquele momento, havia
no país a campanha higienista e uma busca pelo embranquecimento da população.
Neste cenário surgem os primeiros afoxés evidenciando o candomblé nas ruas da
cidade, demarcando um espaço territorial e se fazendo presente enquanto meio de
resistência cultural dos negros na sociedade baiana. Esse período passa a ser
denominado de “africanização” da Bahia por remeter-se ao passado de origem
africana e começar a utilizar elementos que situem essa origem. Esse ideal de
“africanização” espalhou-se por vários estados brasileiros.
Foi também através da saída dos afoxés às ruas que se criou
o carnaval em Salvador, ainda não o carnaval como conhecemos atualmente, mas
uma espécie de proto-carnaval que culminaria com o carnaval atual.
No século XXI (precisamente em 2005) aparecem os primeiros
afoxés em Sergipe, em contextos completamente diferentes dos encontrados na
Bahia. Diferente de Salvador, os que se iniciam em Sergipe estão fortemente
ligados à política partidária, contudo os discursos utilizados são similares
aos mesmos do século XIX, valorizando a busca pela origem africana e
valorização étnica.
A religião a qual os afoxés estão vinculados em Sergipe é o
candomblé, o qual se utiliza do calendário católico para produzir suas festas.
Nesse sentido, é utilizada a correlação entre os santos para que a festa se
desenvolva no mesmo dia. Sendo assim, é vinculado ao ciclo de Oxum (um dia de
homenagens ao orixá Oxum e concomitantemente a santa católica Nossa Senhora da
Conceição) que vai surgir o primeiro afoxé sergipano e, posteriormente, alguns
outros afoxés.
O afoxé Omo Oxum, foi o primeiro afoxé a surgir em Aracaju.
Ele apareceu em 2005 como um afoxé exclusivamente feminino. O nome Omo Oxum
dado a esse afoxé está relacionado à descendência do terreiro Abaçá São Jorge
que é matriarcal e descendente de Oxum, tendo em vista que Oxum era o santo de
cabeça de Mãe Nanã a matriarca do terreiro Abaçá São Jorge, a qual se tornou
uma mãe de santo famosa e muito reconhecida em vários lugares do país.
Desde o período de Mãe Nanã, já havia fortes ligações com a
política sergipana, alguns mencionando que ela tinha excelente relação com o
governador do Estado Leandro Maciel, encontrando nele um bom aliado. Assim,
Marizete dá continuidade aos trabalhos anteriores e também se consolida como
sacerdotisa de grande reconhecimento no estado e em vários lugares do país,
cercando-se também de aliados influentes, o que possibilitou o contato dela com
os políticos locais para viabilizar o surgimento do afoxé.
Pautado na articulação política surgiu o primeiro afoxé de
Sergipe, criando oportunidades para que outros afoxés também pudessem ser
criados. Sendo assim, em 2007 surge mais um afoxé em Sergipe, o Afoxé Akueran.
Este afoxé aparece após a “separação” de alguns membros do Ilê Axé Dematá Ni
Sahara com o Omo Oxum, efetivando-se como um afoxé próprio que faz parte da
Associação Afro Cultural Akueran a qual foi criada dentro do Ilê Axé Dematá Ni
Sahara. O afoxé faz parte dessa associação que desenvolve algumas atividades
com a comunidade do bairro em que o Ilê está situado, principalmente voltadas à
saúde dos moradores.
No primeiro cortejo deste afoxé, ele era composto
exclusivamente por homens. Entretanto, a partir de 2008, torna-se uma
manifestação sem divisão de gênero. Em relação ao nome, foi dito que ele possui
o nome Akueran devido a ligação com Logun- Edé e com Oxóssi. O Akueran seria
uma entidade que é uma qualidade de Oxóssi, então o termo foi pensado como
forma de homenageá-lo e significa o filho do grande rei que é farto. Este afoxé
sai atrás do Omo Oxum e encerra o ciclo existente nesse dia.
Em 2008 surge mais um afoxé denominado de Di Preto, o qual
tem apresentações em dias variados, mas vem também se apresentando há alguns
anos na Lavagem de Nossa Senhora da Conceição, o que o coloca também dentro
desse ciclo festivo. Ele leva esse nome, segundo seu representante, devido a
uma figura de linguagem em que se diz que algo é “di preto”. Aproveitando-se
dessa palavra passou-se a utilizar o termo Di Preto para o afoxé, que se tornou
Grupo Afro Popular Afoxé Di Preto. Em relação a pertencer a algum terreiro, os
representantes do afoxé Di Preto são todos vinculados à casas de santo, mas não
possuem um terreiro específico de criação do afoxé.
Os demais afoxés existentes em Sergipe não estão atrelados
ao ciclo de Oxum, tendo apresentações em dias diferenciados e reverenciando
outros orixás. Percebemos que todos os afoxés estão buscando respeito e
visibilidade religiosa, entretanto, a maioria dos afoxés deste estado estão
diretamente vinculados à política partidária, sendo os afoxés dependentes dos
gestores políticos ao surgir e para conseguir se desenvolver. Desde o
financiamento para que ocorram os cortejos, até o registro burocrático dos
afoxés são instituídos por via política. Nem todos os afoxés sergipanos possuem
ligações próximas com a política partidária, mas a maioria deles possui essa
dependência.
A inclusão dessas manifestações em meio à sociedade, a qual
posteriormente os incorporou ao calendário cultural de Aracaju, bem como no
calendário cultural do estado passaram a existir a partir da gestão municipal
de Marcelo Déda (PT) como prefeito da capital sergipana. Foi através de
articulações políticas que se possibilitou o surgimento do primeiro afoxé em
Sergipe, e posteriormente o aparecimento de outros.
Através dos contatos estabelecidos entre os representantes
dos afoxés e gestores políticos foi que os afoxés surgiram e conseguiram se
desenvolver. As aberturas políticas advinda com o governo Lula em âmbito nacional
e em eixo local com a chegada do PT à prefeitura de Aracaju e posteriormente ao
governo do estado, possibilitou essa relação de co-produção entre os afoxés e
os gestores políticos. A partir dessa relação os afoxés conseguiram apoio para
realizar os cortejos, assim como o registro jurídico que os afirmam enquanto
afoxé. Assim, a relação estabelecida entre os afoxés e a política partidária
sergipana foi essencial para que houvesse o aparecimento e desenvolvimento
desta manifestação cultural na sociedade.
Entretanto, as relações estabelecidas entre os afoxés
sergipanos e a política partidária são desiguais, fazendo com que alguns afoxés
consigam se desenvolver majoritariamente enquanto outros tenham poucas
possibilidades de desenvolvimento.
Dessa forma, em Sergipe, o afoxé aparece como meio de
viabilizar uma cultura denominada de “afro”, mas concomitantemente é também um
meio de viabilização de gestores políticos que se utilizam dessa co-produção
para se fazer presentes na manifestação e obter também visibilidade e respaldo.
É então através de articulações políticas e buscando visibilidade e respeito
religioso que os afoxés surgem e se desenvolvem nesse Estado.
*Lili Santana é mestranda em Antropologia pela Universidade
Federal de Sergipe.
Imagem e texto reproduzidos do site: revistarever.com
Postagem originária da página do Facebook/MTéSERGIPE, de 7 de janeiro de 2014.
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