Publicação do site NE Notícias, em 07/03/2013.
Sargento Getúlio: patrimônio cultural de Poço Redondo
Por Rangel Alves da Costa*
Pelos idos de 1977 o cineasta Hermano Penna, juntamente com
grande equipe, chegou à cidade de Poço Redondo para as filmagens de Sargento
Getúlio, película cinematográfica baseada na obra homônima de João Ubaldo
Ribeiro. O roteiro era do próprio autor, juntamente com o cineasta e Flávio
Porto.
Na trama, o Sargento Getúlio, protagonizado por Lima Duarte,
é um arrogante e violento policial sergipano, com feições tão próprias dos
jagunços e capangas, que transporta em um velho automóvel e por estradas
esburacadas um preso de Paulo Afonso a Aracaju. Está a mando de um líder
político inimigo do prisioneiro. O líder sergipano ordenou, então Sargento
Getúlio terá de capturar o desafeto na cidade baiana e trazê-lo, a todo custo, até
as terras sergipanas.
Durante toda a viagem o sargento vocifera contra o poder
vigente e faz ameaças ao homem. Contudo, repentinas mudanças no quadro político
nacional dão uma reviravolta ao caso. Ao receber ordem para soltar o preso,
Getúlio, afirmando ser pessoa de honra e compromisso, e que aquela será sua
última missão, decide levar adiante seu intento, ainda que contra tudo e contra
todos, e afirmando que até mataria o seu custodiado se preciso fosse. Acaba
sendo vítima da própria arrogância.
Lançado em 1983, o dramático filme promove uma reflexão
sobre o poder político e as relações entre o opressor e o oprimido. É a rudeza
do homem aliado ao seu pacto de honradez, ainda que a violência seja vista como
algo obediente ao mando e, o que é mais paradoxal, ao compromisso assumido.
Enfim, o retrato de um Nordeste ainda marcado pelos ranços coronelistas.
Depois de alguns anos esperando apoio para finalização,
assim que foi lançado logo recebeu as melhores acolhidas da crítica
especializada, e em seguida vieram as muitas premiações. Recebeu os prêmios de
filme (Júri Oficial), filme (Grande Prêmio da Crítica), filme (Grande Prêmio da
Imprensa), ator (Lima Duarte), ator coadjuvante (Orlando Vieira) e som no
Festival de Gramado; em 1983, no Festival de Havana, Lima Duarte venceu na
categoria de melhor ator; no troféu APCA, de 1984, venceu nas categorias de
melhor filme e ator (Lima Duarte).
Foram marcantes as participações dos atores sergipanos
Orlando Vieira (no papel do motorista Amaro), Antonio Leite, Amaral Cavalcanti
e Otávio Sales, dentre outros. Contudo, ao escolher as terras sertanejas de
Poço Redondo para locação, Hermano Penna não fez uma escolha aleatória ou pela
imaginação de que aquelas paisagens retratariam fidedignamente o sertão que
pretendia mostrar no seu filme. Já conhecia aqueles cenários naturais, já havia
filmado por lá.
Em 1976, portanto um ano antes do início das filmagens de
Sargento Getúlio, foi em Poço Redondo que o cineasta filmou, para a Rede Globo,
o documentário “A Mulher no Cangaço”, que seria mostrado no Globo Repórter.
Contudo, o documentário não se voltou apenas para depoimentos de ex cangaceiros
e cangaceiras, bem como de coiteiros e volantes, pois procurou reconstituir
momentos essenciais da vida de mulheres como Dadá, Adília e Sila nas batalhas
sertanejas.
Mais recentemente, em 2010, Hermano retornaria a Poço
Redondo para filmar “Aos Ventos que Virão” (ainda inédito), a história do
poço-redondense José Francisco do Nascimento, o Zé de Julião, o mesmo Cajazeira
do bando de Lampião. No filme, contudo, é Zé Olímpio que vive a saga do
sertanejo que se torna cangaceiro e, após a morte do grande líder, se volta
para a política partidária, sendo candidato a prefeito e eternamente perseguido
pelas forças políticas de então.
Como observado, são grandes as proximidades e os laços que
unem Hermano Penna e Poço Redondo. No município sertanejo construiu grandes
amizades, principalmente com o escritor e pesquisador Alcino Alves Costa
(falecido em novembro de 2012), de quem ouviu pela primeira vez a história de
Zé de Julião.
E tais laços foram agora, 30 anos depois, definitivamente
confirmados pelo cineasta ao se mostrar honrado e sensibilizado por ter sido o
filme Sargento Getúlio reconhecido como patrimônio cultural de Poço Redondo,
através de projeto da Câmara Municipal aprovado neste sentido.
Segundo a atriz e promotora cultural Val Santos, uma
incansável batalhadora pela preservação e valorização da cultura sertaneja, “O
filme vem sendo exibido há um ano nos Assentamentos da Reforma Agrária, sítios
e povoados do sertão sergipano”. Já foi exibido na Praça de Eventos de Poço
Redondo, e em Canindé do São Francisco a exibição está marcada para o dia 08 de
março, na Praça Central Ananias Fernandes.
No dia 03 de fevereiro deste ano, data em que seria
homenageado (juntamente com os atores sergipanos), o cineasta enviou, através
de Val Santos, a seguinte mensagem aos poço-redondenses:
“Minha gente de Poço Redondo, tomo para mim, dedicar essa
noite a uma pessoa que não está aqui, mas sempre estará nos nossos corações.
Dedico essa noite ao meu amigo, o saudoso homem de cultura Alcino Alves Costa.
Essa é uma noite em que gostaria muito de estar com vocês.
Mas exigências profissionais me impediram de estar nesse ato que representa
muito mais que a comemoração dos 30 anos do Sargento Getúlio. Hoje, comemoramos
a entrega definitiva do Sargento Getúlio ao povo sergipano, e muito
particularmente ao povo de Poço Redondo. Foi a gente de Poço Redondo que
acompanhou o nascimento dessa obra e que possibilitou com seu carinho e
generosidade a realização desse filme. Não posso esquecer que essa generosidade
se traduziu até mesmo em sacrifícios pessoais: quantos saíram apressados de
suas casas para abrigar a mim, minha equipe, os atores? Chegamos sem aviso, e
logo todos estavam hospedados. Também é preciso dizer que junto a essa
generosidade está o fato do profundo sentimento de admiração que a gente de Poço
Redondo tem pela criação artística e pela cultura. E é esse sentimento de amor
á arte e aos artistas que faz Poço Redondo ser um exemplo único para o Brasil -
ao tornar um filme brasileiro patrimônio cultural de sua gente. Hoje, Poço
Redondo pode se orgulhar de ser a primeira cidade do Brasil a tomar para si,
como seu patrimônio, uma obra cinematográfica. Fato que deve ser divulgado,
cantado em prosa e verso, para que todo Brasil saiba que nesse pedaço de sertão
sua gente ama a arte, a cultura e o cinema brasileiro.
De minha parte, meu coração vibra de alegria e
agradecimento. Agradeço a Val, essa guerreira da cultura. A todos meus amigos
que ajudaram esse sonho ser realizado. A Câmara Municipal, que teve a grandeza
de declarar o filme Patrimônio Cultural. Agradeço a Orlando Vieira, Antônio
Leite, Inácio, João e outros tantos que emprestaram seu talento para tornar o
Sargento Getúlio um dos filmes mais festejados do cinema brasileiro. E mais que
tudo, agradeço a toda gente de Poço Redondo que tornaram possível esse filme.
Muito obrigado. Meus concidadãos, logo estaremos juntos para
outras comemorações. Um beijo a todos. Hermano Penna”.
Parabéns, então, a Poço Redondo, pois, como afirmou o
próprio cineasta, “exemplo único para o Brasil - ao tornar um filme brasileiro
patrimônio cultural de sua gente”.
*Rangel Alves da Costa, advogado e escritor.
blograngel-sertao.blogspot.com
Texto reproduzido do site: nenoticias.com.br
Foto reproduzida do blog: salapfgastal.blogspot
Postagem originária da página do Facebook/MTéSERGIPE, de 8 de janeiro de 2014.
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