O dente da preguiça gigante foi encontrado em um depósito em
Poço Redondo (Sergipe) formado por uma depressão natural que abriga sedimentos
carregados pela água da chuva.
(foto: Mário Dantas).
Reconstituição da paisagem de Sergipe há 40 mil anos, com
diversos representantes da megafauna que viviam na região, entre eles, a
preguiça gigante.
(arte: Marcelo e Tânia Viana; concepção: Mário Dantas).
Além de ser bastante liso, o que sugere que foi aplainado, o
dente estudado é marcado por sulcos paralelos situados na sua ponta e nas suas
laterais, como mostram os detalhes da figura.
(foto: Mário Dantas).
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Coluna/Caçadores de fósseis/Publicado em 10/06/2012.
O dente da preguiça gigante.
Fóssil encontrado em Sergipe traz evidência direta da
interação entre a nossa espécie e esses animais. A descoberta, tema da coluna
deste mês de Alexander Kellner, suscita questões sobre como se comprova a
alteração de um material pela ação humana e quando essa megafauna se extinguiu.
Por: Alexander Kellner
Quando recebi de Mário Dantas (Universidade Federal de Minas
Gerais) o trabalho que ele publicou com outros colegas no periódico Quaternary
International sobre um dente de uma preguiça gigante extinta modificado pela
ação humana, logo imaginei que esse assunto seria bem interessante para a
coluna Caçadores de fósseis. Quantas vezes se tem a chance de discutir a
interação entre animais extintos há milhares de anos e as primeiras levas da
nossa espécie que chegaram à América do Sul?
No entanto, logo percebi que a problemática é bem maior do
que eu supunha. Não apenas por suscitar a questão de como se comprova que um
dente ou algum fóssil foi realmente manuseado pelo homem há milênios, mas
também por envolver temas complexos, como até quando viveram os integrantes de
algumas espécies extintas.
Poço Redondo.
O exemplar pesquisado por Mário Dantas e colegas foi
coletado em 2010 na fazenda São José, situada no município de Poço Redondo, em
Sergipe. O depósito é do tipo tanque, uma depressão natural formada por
processos físicos e erosão química a partir de fraturas preexistentes na
região.
Os sedimentos que preenchem esse tipo de depressão foram
carreados devido a chuvas que, quando bem intensas, geravam um fluxo de água
que também podia transportar restos de animais mortos presentes nos arredores
da depressão. Aliás, justamente nesse tipo de depósito encontra-se grande parte
dos fósseis atribuídos à chamada megafauna, que vivia em diferentes regiões do
nosso planeta, particularmente durante o Pleistoceno (entre 1,8 milhão e 11,5
mil anos atrás).
Apenas para relembrar, a megafauna é composta por animais
geralmente de grande proporção que conviveram com a espécie humana e se
extinguiram ao final da última era do gelo, entre 12 mil e 10 mil anos atrás.
Entre os grupos mais famosos se destacam os mamutes, as preguiças gigantes e os
tatus de grandes dimensões.
Processos naturais ou ação humana?
Entre os diversos fósseis coletados em Poço Redondo, um
chamou bastante a atenção dos pesquisadores: um dente. Ao se depararem com esse
exemplar, Mário e colegas notaram que ele estava incompleto, sem, no entanto,
apresentar uma quebra natural, que poderia ter resultado de diversos processos
físicos antes mesmo da preservação do material.
Quebras poderiam ter ocorrido, por exemplo, durante o
transporte do dente para dentro do tanque. Porém, quando isso acontece, as
partes quebradas exibem uma superfície bem característica, bastante irregular,
sem apresentar qualquer ranhura ou estrutura orientada.
Ou então o dente poderia ter sofrido a ação de pisoteamento,
devido ao confinamento de animais em uma pequena área. Sem espaço e com mortes
ocorrendo, eles acabam pisando nas carcaças. Tal situação pode ser observada
hoje em dia nas savanas africanas em períodos de seca, quando a fauna local
acaba se concentrando perto de corpos d’água, com muitos indivíduos e pouco
espaço. Esse tipo de quebra também exibe marcas características: ranhuras sem
qualquer direção preferencial.
O dente de Poço Redondo, ao contrário, é marcado por sulcos
paralelos situados na sua ponta e nas suas laterais. Além disso, todo o dente é
bastante liso, o que sugere que foi aplainado, algo incompatível com um
processo natural. Por último, foram encontrados junto com esse exemplar artefatos
líticos, o que é evidência direta da ação humana.
Uma das questões intrigantes que Mario e seus colegas
tiveram que desvendar é a qual espécie o dente pertencia. Apesar de o fóssil
estar incompleto, os pesquisadores puderam identificar camadas com cimento,
ortodentina e ortodentina modificada. A análise dessas camadas mostrou que o
dente pertence ao grupo Megatheriidae, formado pelas preguiças gigantes.
Das duas espécies de preguiça gigante existentes em solo
brasileiro, Megatherium americanum foi registrada apenas na região Sul do país,
enquanto Eremotherium laurillardi tem distribuição em todo o território
nacional, incluindo o Nordeste. Logo, não é preciso pensar muito nos motivos
que levaram aos autores a atribuir o material encontrado a Eremotherium
laurillardi...
Mas a descoberta ainda tem outras implicações...
Idade do fóssil.
Ao pesquisar sobre artefatos líticos encontrados no estado
de Sergipe, os registros mais antigos são atribuídos à cultura Canindé. Com
base em datações realizadas por meio do método do Carbono 14, foi estabelecido
que essa cultura estava desenvolvida entre 8.950 e 5.570 anos atrás – idade
estimada também para o dente.
Diante desses dados, Mário e colegas chegaram a duas
alternativas. Ou a espécie de preguiça gigante viveu até o Holoceno (que se
estende de 11,5 mil anos atrás aos dias atuais) e interagia com a população
humana existente naquele tempo, ou então a chegada da espécie humana à América
do Sul é mais antiga do que se supõe, devendo ter ocorrido há cerca de 15 mil
anos – idade já proposta por alguns autores, mas não aceita pela maioria dos
pesquisadores.
Sem querer me aprofundar nessa questão (que poderia ser o
tema de outra coluna), o período exato da chegada da espécie humana à América
do Sul tem sido foco de uma discussão intensa. As evidências físicas diretas
são representadas por um crânio encontrado em Lagoa Santa (Minas Gerais). Esse
exemplar, ao qual se deu o nome informal de Luzia e que se encontra exposto no
Museu Nacional/UFRJ, teve sua idade determinada entre 11 mil e 11,5 mil anos.
Resta, agora, que os pesquisadores deem prosseguimento a
essa escavação na região de Poço Redondo, em Sergipe. Se a burocracia deixar,
eles certamente farão diversas novas descobertas, que podem elucidar essa
interessante questão que é a interação entre a nossa espécie e a megafauna.
Obrigado ao Mário pelo envio do trabalho.
Alexander Kellner
Museu Nacional/UFRJ
Academia Brasileira de Ciências.
Foto e texto reproduzidos do site: cienciahoje.uol.com.br
Postagem originária da página do Facebook/MTéSERGIPE, de 15 de janeiro de 2014.
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